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Estado de Minas

Mansão oficial vira endereço da discórdia em BH

Terreno da antiga casa de veraneio de prefeitos de BH gera disputa com filhos do ex-caseiro, que trabalhou para políticos como Otacílio Negrão de Lima. Prefeitura trata caso como invasão


postado em 04/02/2013 06:00 / atualizado em 04/02/2013 07:20

Tiago de Holanda

(foto: Edesio Ferreira/EM/D.A Press)
(foto: Edesio Ferreira/EM/D.A Press)

Na longa história das regalias desfrutadas por políticos no Brasil, há um capítulo reservado à casa de descanso do prefeito de Belo Horizonte, que abrangia a área depois transformada no Parque Ecológico Roberto Burle Marx, no atual Bairro Flávio Marques Lisboa, no Barreiro. Nos fins de semana, o chefe do Executivo municipal, a primeira-dama e eventuais convivas desfrutavam de piscinas, sauna e uma vista livre da Serra do Curral. Naquela espécie de chácara, quem cuidava para deixar tudo nos conformes era o caseiro Faustino Alves Diniz. Mas, com o tempo, a relação desandou. O lugar perdeu o posto de residência oficial, Faustino morreu e até hoje filhos e netos do falecido moram no lugar e lutam para não ser despejados. A prefeitura da capital considera a ocupação irregular e promete entrar na Justiça para recuperar o terreno, que considera público.


A Casa de Descanso, cuja data de criação a prefeitura não sabe informar, parece ter se inspirado na residência de veraneio dos antigos presidentes de província, depois denominada Palácio dos Governadores, inaugurada no mesmo bairro em 1919. Nos tempos áureos, contava com lavanderia, vestiários e uma capela, até hoje conservada no Parque Burle Marx. Na época, o Barreiro tinha aspecto de cidadezinha de interior. Ali havia fazendas, sítios, pomares, hortas e outras atividades rurais. Ao mesmo tempo, o lugar oferecia a vantagem de não ser tão longe do Centro da capital, se comparada a outras paragens bucólicas. E era discreto o bastante para acomodar reuniões reservadas e dar abrigo a intrigas, conspirações e todo tipo de negociação política.


O refúgio público foi oficialmente extinto em 27 de setembro de 1976, pelo Decreto 2.939. O terceiro artigo da resolução, sancionada pelo prefeito Luiz Verano, estabelecia que o local passasse a abrigar o Parque Municipal do Barreiro e a sede do Departamento de Parques e Jardins. Mais tarde, em outubro de 1986, a mesma área ganhou nova função. Por decisão do prefeito Sérgio Ferrara, transformou-se na Cidade do Menor, instituição destinada a receber meninos e meninas de 7 a 14 anos, que teriam direito a assistência médica, alimentação, oficinas para aprendizado de diversos ofícios, como marcenaria e carpintaria, e outras benesses. Foi apenas em dezembro de 1994 que, por meio da Lei 6.804, foi criado o Parque Burle Marx.
A área ocupada por descendentes de Faustino está situada na Avenida Ximango, entre as duas entradas do parque, que possui 174,6 mil metros quadrados. As casas são vizinhas, entre os números 729 e 651, e abrigam ao menos 21 pessoas, incluindo genros, noras, netos e bisnetos do caseiro. A Regional Barreiro informa que abriu procedimento administrativo em 2009 e encontrou um total de 12 imóveis irregulares, alguns dos quais não pertencem a familiares do caseiro. Notificados por ocuparem terreno público, os moradores devem, no entender do município, demolir as edificações e remover os destroços. Em 24 de janeiro, os dados coletados foram encaminhados à Procuradoria Geral do Município. “A medida judicial cabível deverá ser a ação de reintegração de posse”, informa a procuradoria, por meio da assessoria de imprensa.

 

(foto: Edesio Ferreira/EM/D.A Press)
(foto: Edesio Ferreira/EM/D.A Press)
Uma briga com passado ilustre


Os herdeiros do caseiro Faustino não parecem temer as investidas da Prefeitura de BH, certos de que são proprietários legítimos do lugar. Os filhos lembram que a família se fixou ali na década de 1950 e garantem que o prefeito Sérgio Ferrara, cuja gestão durou de 1986 a 1989, concedeu ao patriarca a posse legal da área. Uma das filhas, a aposentada Ernestina Maria das Graças, de 65 anos, sustenta que Ferrara chegou a propor, pessoalmente, que todos se mudassem para um conjunto habitacional. “Meu pai falou: ‘Ô doutor, meus filhos cresceram todos aqui’”, lembra Ernestina. Ferrara teria aquiescido: “Então, Faustino, você põe cerca e essa parte é sua”. O acerto, afirmam, teria sido publicado no Diário Oficial do estado. “Isso já deve ter uns 30 anos, não lembro direito”, diz outra filha, a também aposentada Francisca Conceição de Jesus, de 59.
Em entrevista ao EM, o ex-prefeito Ferrara diz não se recordar de Faustino, nem do acordo que teria firmado com ele. “Não estou lembrado disso, não. Faz muito tempo”, diz o ex-prefeito, hoje com 79 anos. Os herdeiros, porém, são enfáticos. “Saiu no Minas Gerais. Esse jornal veio parar aqui na minha porta”, garante Ernestina. “Mas a gente não teve a preocupação de guardar”, acrescenta Francisca. A família acusa a prefeitura de saber da existência da resolução publicada no Diário Oficial, mas de ter deliberadamente omitido o documento.

Os descendentes do caseiro Faustino Alves Diniz contam que passaram a ser incomodados logo após a criação do parque. “Interditaram minha casa, a gente estava em ponto de colocar a laje. Mesmo assim, juntamos o pessoal e conseguimos terminar a construção”, conta Francisca. Um irmão, o aposentado Paulino Alves Diniz, de 63, não teve a mesma sorte. Segundo contam, ele tinha começado a construir no mesmo terreno, mas foi impedido. “A casa já tinha o alicerce. Eles (funcionários da prefeitura) entraram com máquina, com trator, polícia, arrebentaram a cerca e destruíram tudo”, narra Francisca.

A família se estabeleceu no terreno em outubro de 1950, segundo narram os filhos de Faustino. O pai, nascido em março de 1912, chegou acompanhado da esposa, a dona de casa Philomena Mercedes Alves, nascida em setembro de 1925. Tinham quatro filhos e ainda dariam à luz outros quatro. Funcionário da prefeitura, Faustino foi chamado para ser caseiro da Casa de Despachos do chefe do Executivo municipal, sucedida pela residência de veraneio. Era lá que Otacílio Negrão de Lima, ocupante do cargo de 1947 a 1951, fazia algumas reuniões. Foi o primeiro de uma série de titulares a frequentarem a casa da família. “Papai era trabalhador, o pessoal era louco com ele. Renné Gianetti (sucessor de Otacílio) vivia aqui dentro”, relata Ernestina. Foi por sugestão de Celso Mello de Azevedo, prefeito entre 1955 e 1959, que o barracão dos Alves Diniz teve o teto forrado.

Os filhos ajudavam o pai na lida diária. “Ele botava a gente para trabalhar na casa de campo, varrer, limpar a piscina. Depois é que contrataram outros funcionários”, conta Francisca. Desde pequenos cultivavam beterraba, cenoura, cebola, alface, tomate e outros gêneros. Também cuidavam das criações de galinha e porco. Pouco recorriam a farmácias. Acontecia que Philomena e Faustino, que havia servido ao Exército na Itália durante a Segunda Guerra Mundial, sabiam extrair medicamentos da terra. “Papai era o melhor raizeiro do Barreiro”, conta Ernestina, que assumiu o ofício de benzedeira.

Depois que Faustino e Philomena morreram, dois de seus filhos também se foram. Restam seis. Apenas um não mora no terreno reclamado pela prefeitura: Paulino, aquele que teria tido o alicerce da casa destruído. Um deles, Luiz Carlos, vive com a esposa no número 653. Os outros quatro, no número 729, espécie de vila que mantém sempre aberto o portão de metal enferrujado. Lá há flores e muitos pés de frutas, como banana, abacate, laranja, manga, ameixa, caju, jaboticaba. Os irmãos também plantam mandioca, couve, cebolinha. Ernestina cria galinhas, que de vez em quando passam por entre as brechas da cerca de bambu e vão ciscar no parque. Ouve-se o chiado do estreito curso de água que passa ao lado da cerca. “Nesse córrego, tinha muito peixe. Papai caçava paca, quati, tatu”, lembra Ernestina. E diz: “Este lugar é muito sossegado. Sou apaixonada por isto aqui”.

 


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