
“O mais provável é que não tenha havido congresso nenhum. Acredito que houve um simulacro de congresso. Acho que levaram tudo pronto para lá”, afirma frei Márcio Cabral Carneiro, hoje com 74 anos, que era vigário da congregação. Já Guedes rebate a versão divulgada pelos religiosos: “Apesar do esforço da repressão, fizemos um congresso vitorioso, que foi muito impactante e teve como resultado grandes manifestações de rua em todo o país, que revelaram um setor extremamente engajado contra a ditadura.”
Posta na ilegalidade com o golpe militar em 1964, a UNE vivia sufocada entre atos de estudantes pelo país, que davam fôlego à luta pelas liberdade democráticas e à desconfiança de policiais e setores conservadores da sociedade. Documentos da Marinha da época revelam o esforço com que o regime tentou reprimir a reunião dos estudantes, listando as maiores lideranças das entidades universitárias e secundaristas do estado, vasculhando a sede da União Estadual dos Estudantes (UEE), prendendo jovens e levando dezenas de pessoas para depor no Departamento de Ordem Política Social (Dops) após sua realização.
Um desses documentos, disponibilizado pelo Arquivo Público Mineiro e assinado pelas testemunhas Hélio José Teixeira e Édson Ferreira Porto, relata a invasão do Diretório Central dos Estudantes (DCE) em 25 de julho, três dias antes do encontro, quando foi apreendido “material subversivo e referente ao ilegal” 28º Congresso da UNE. Entre as pessoas presas após o evento estava o atual governador do Rio Grande do Sul, Tarso Genro (PT), então estudante de direito de Santa Maria (RS). O nome da atual ministra da Secretaria Especial de Políticas para Mulheres da Presidência da República, Eleonora Menicucci, também está nos documentos do Dops.
ABRIGO A então estudante de ciências sociais da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Zélia Castilho, hoje com 70 anos, foi uma das encarregadas da organização do encontro. “Recebi a função de conseguir um lugar para realizá-lo, o que era uma coisa bastante complicada naquela conjuntura. Como meus pais moravam ao lado da igreja, resolvi ir lá conversar com o frei Hidelberto Polman (pároco à época)”, conta.
Ela diz que primeiramente não contou aos religiosos que o encontro era da UNE, mencionando apenas que haveria uma reunião nacional de estudantes e pedindo abrigo. Frei Márcio conta que três estudantes foram conversar sobre o congresso com frei Hidelberto, quando ele o chamou: “Como é que é, fradinho, você está de acordo?”. Márcio respondeu que hospedagem não se nega a ninguém e que Hidelberto estava muito certo de recebê-los. Ele lembra que um termo de responsabilidade foi feito e assinado por eles dizendo que não realizariam o congresso dentro da igreja.
LINHA DO TEMPO
Março de 1964
Militares tomam o poder e destituem o presidente João Goulart
A abril de 1964
Sede da UNE no Rio de Janeiro é incendiada
Novembro de 1964
Lei Suplicy de Lacerda coloca entidades estudantis na ilegalidade
Julho de 1965
UNE realiza congresso clandestino em São Paulo
Outubro de 1965
AI-2 extingue partidos políticos e inicia o bipartidarismo no país
Março de 1966
Manifestação estudantil em BH é duramente reprimida e repercute em todo o país
Julho de 1966
28º Congresso da UNE acontece na cripta da Igreja São Francisco, no Carlos Prates, em BH
Agosto de 1967
29º Congresso da UNE é realizado em Valinhos (SP)
