
A parceria entre o Viagra e o aposentado Antônio*, de 72 anos, já passa de uma década. “A performance sexual para a idade é sensacional. O medicamento cumpriu sua finalidade em 100%.” Ele afirma que não foi por necessidade que começou a tomar os comprimidos azuis. “Aos 60 anos, perguntei ao médico se podia fazer uso. Ele aprovou, apenas recomendou uma dose mais baixa. Hoje uso até o triplo, sem problemas.” São relatos como o de Antônio, corriqueiros, mas muito escondidos, que mostram que, além de fácil de comprar, o medicamento continua sendo o preferido dos idosos. Eles ajudam a sustentar números impressionantes: são mais de R$ 840 milhões em vendas de substâncias do tipo no Brasil desde agosto do ano passado, segundo o IMS Health, instituto que audita o comércio de medicamentos.
Antônio acha que o custo-benefício do investimento é mais que compensador. Embora a pílula azul não lhe tenha causado mal, o aposentado alerta para sintomas que chama de “inconvenientes”. “Rubor e quentura no rosto e a sensação de estar com o nariz entupido. Mas me acostumei depois de dois anos de uso.” O que mais o incomoda ocorre mesmo no ato sexual: “Retardamento da ejaculação”. Se tem risco? Ele diz que sim, mas para quem tem problemas cardíacos. Embora use o Viagra sem acompanhamento médico, ele não recomenda que outros façam o mesmo. E avisa: “É altamente viciante, exatamente por proporcionar melhor desempenho e, assim, elevar a autoestima”.
Se Antônio comemora bons resultados com o uso do remédio, os profissionais que o comercializam têm outro motivo para festejar: as vendas. O balconista da farmácia de uma grande rede, na Avenida Afonso Pena, não vende menos que 10 caixas por dia – com ou sem receita, como comprovou com facilidade a equipe de reportagem do Estado de Minas. A unidade com quatro comprimidos custa R$ 17,46. Com oito, R$ 34,60. Com 12, pouco mais de R$ 52. Mas, se o cliente comprar duas embalagens com quatro comprimidos, leva a terceira de graça.
Fernando*, de 66, autônomo, conhece essa negociação. Ele chegou à farmácia, pediu informações ao balconista e saiu de lá com uma caixa do produto. Isso foi há dois anos. Recebeu todas as orientações de uso ali, longe de um médico. E diz que tomou a decisão de usar por curiosidade. “Tomei a pílula meia hora antes, como disseram na farmácia, e deu tudo certo”, diz. Sempre que está um pouco cansado ou mais empolgado toma, para melhorar o desempenho.
Há 15 ANOS Especialistas não conseguem imaginar o mundo hoje sem os medicamentos para disfunção erétil. “Não dá mais para pensar em 1997, quando não existiam. Os homens eram órfãos de um medicamento eficaz e tinham que passar por tratamentos injetáveis. Foi uma revolução”, afirma o chefe do Departamento de Sexualidade Humana da Sociedade Brasileira de Urologia, Geraldo Eduardo Faria.
Gerson Lopes, coordenador do Departamento de Medicina Sexual do Hospital Mater Dei e integrante da Sociedade Brasileira de Estudos em Sexualidade Humana, concorda. “O aparecimento do Viagra mostrou a possibilidade de ter ereções eróticas, não mecânicas, com a presença da parceira. Salvo alguns casos de cirurgia radical de próstata por câncer ou alguns homens com diabetes avançado, a grande maioria se viu com o problema resolvido”, disse.
A psiquiatra Carmita Abdo informa que a estimativa é de que no Brasil 45% dos homens com mais de 40 anos apresentem algum grau de dificuldade de ereção, de leve a completa, por causas diversas. “A própria disfunção pode estar relacionada a conflitos no relacionamento ou até de ordem educacional e falta de conhecimento sexual”, afirma ela, que é professora da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) e coordena o Programa de Estudos em Sexualidade (ProSex).
Para José Eduardo Távora, presidente da Sociedade Brasileira de Urologia regional Minas Gerais, os medicamentos para disfunção levaram o homem ao consultório e esse é um dos principais benefícios. “Trouxe mais alerta para a saúde, o questionamento, quebrou o paradigma de discutir a sexualidade.” Segundo ele, a disfunção baixa a autoestima do homem, causa estresse e queda na produtividade e a prevalência aumenta com a idade. A estimativa brasileira é que entre 15% e 20% dos casos sejam de origem orgânica. O restante, de ordem psicológica.
>> SUCESSO ESTIMULA falsificação
Com a explosão nas vendas dos remédios para disfunção erétil, chegaram também ao mercado produtos falsificados ou contrabandeados. Para Geraldo Eduardo Faria, da Sociedade Brasileira de Urologia, é um cenário preocupante, em um mercado com rentabilidade comparada à do tráfico de drogas, mas sem a mesma punição. “No último congresso de que participamos nos Estados Unidos, foi apresentada uma avaliação de medicamentos comprados pela internet, mostrando que não havia o sildenafil (princípio ativo do Viagra e de genéricos) ou que a quantidade era inadequada. Isso coloca em risco a saúde do paciente”, alerta.
Vendo o movimento dos ilegais, a indústria rapidamente tratou de se armar. Eurico Correia, diretor médico da Pfizer Brasil, explica que houve uma evolução na embalagem para inibir a falsificação. “As pessoas precisam ficar atentas ao lugar onde compram os medicamentos: adquirir em uma rede idônea, reconhecida, verificar se a embalagem está em boas condições, se o produto foi adulterado, verificar a validade e até mesmo o número do registro no Ministério da Saúde na caixa”, recomenda.
O laboratório Eli Lilly, responsável pelo Cialis, informou que atua em parceria com órgãos públicos para melhorar a capacitação de profissionais que fazem as apreensões e também usa tecnologias específicas nas embalagens, para que não haja falsificação. A Polícia Federal em Minas Gerais informou que grande parte do genérico falsificado que entra no estado chega do Paraguai. Já a Polícia Federal em Brasília informou que não há dados disponíveis sobre as apreensões, porque os produtos são listados apenas como contrabando.
(*) Os nomes dos personagens desta reportagem são fictícios
LINHA DO TEMPO
1985 - Começam as pesquisas com a enzima PDE5, que resulta no aumento do fluxo sanguíneo, para o tratamento da angina. Pacientes relatam ocorrências de ereções e estudo é redirecionado
1998 - Em abril, o Viagra é lançado nos Estados Unidos pela Pfizer e provoca uma corrida às farmácias
1998 - Em junho, o medicamento chega ao Brasil e também tem explosão de vendas. No mesmo ano, Robert Furchgott, cientista americano que começou a estudar a vardenafila, recebe o Prêmio Nobel
2003 - Chegam ao mercado os dois principais concorrentes do Viagra: o Cialis, do laboratório Eli Lilly, e a Levitra, da Bayer
2010 - O Superior Tribunal de Justiça (STJ) decide extinguir a patente do Viagra e autoriza que em junho comece a produção do medicamento genérico
2013 - Viagra completará 15 anos no mercado mundial
Três perguntas para...
Carmita Abdo,
psiquiatra, professora da faculdade de medicina da usp
Qual o benefício trazido pelo medicamento?
O remédio levou o homem ao consultório. Ele passou a pensar que, ao falhar, pode estar com algum problema de saúde. Em função do medicamento, as mulheres começaram também a se interessar mais pela sexualidade e os pesquisadores, a procurar alternativas para melhorar o relacionamento do casal.
Quais são as causas da disfunção?
A dificuldade de ereção pode ser gradual, geralmente começa com leve, passando para moderada e completa. As causas podem ser diferentes doenças, como diabetes, hipertensão, doenças cardiovasculares, doenças da próstata, problemas de ordem psiquiátrica como depressão e fobia.
O remédio é indicado para todos?
O homem deve usar o medicamento como tratamento de primeira linha, o que acaba atendendo boa parcela deles. Mas, quando não funciona, pode-se recorrer a uma segunda linha, nos casos mais graves que não respondem apenas ao comprimido, necessitando de injeções de substâncias vasoativas no tecido do pênis. Com diabetes avançada, por exemplo, o paciente não tem saúde vascular para responder ao comprimido e precisa de algo mais direto. Quando não há resposta sequer para as injeções, o tratamento de terceira linha é a colocação de prótese.
