(none) || (none)
UAI
Publicidade

Estado de Minas

Conheça o verdadeiro homem das cavernas de Minas

O dinamarquês dr. Lund deixou uma vida de fortuna na Europa do século 19 para se embrenhar na região de Lagoa Santa, onde viveu por 45 anos sem voltar à terra natal


postado em 22/09/2012 06:00 / atualizado em 22/09/2012 06:59

 

Foto feita por Eugen Warming mostra a casa em que o dinamarquês viveu em Lagoa Santa(foto: Beto Novaes/EM/D.A Press/Reprodução)
Foto feita por Eugen Warming mostra a casa em que o dinamarquês viveu em Lagoa Santa (foto: Beto Novaes/EM/D.A Press/Reprodução)


Lagoa Santa tinha apenas 60 casas quando o dinamarquês Peter Wilhelm Lund (1801–1880) chegou e se embrenhou pelas cavernas e grutas da região cárstica. Ele causou logo estranhamento entre a população por colecionar ossos que encontrava enterrados nas lapas – uma prática que, para ele, significava desvendar e revelar ao mundo científico a pré-história do país que escolheu para viver e onde permaneceu por 45 anos, sem nunca voltar à terra natal. Natural de Copenhague e formado na universidade local em medicina e letras, cursos que lhe permitiam trabalhar na área de história natural (botânica e zoologia), o dr. Lund se tornou o “pai da paleontologia brasileira”, embora tenha ficado durante décadas pouco conhecido, apesar de muito citado. A partir de hoje, com a abertura do Museu Peter Lund, localizado ao lado da Gruta da Lapinha, em Lagoa Santa, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, brasileiros e estrangeiros vão saber mais sobre esse verdadeiro “homem das cavernas”, responsável também por trabalhos em geologia, arqueologia e espeleologia.

“Dr. Lund era um homem de rupturas, daqueles que não temem desafios nem mudanças”, diz a historiadora Ana Paula Almeida Marchesotti, autora do livro Peter Wilhelm Lund – O naturalista que revelou ao mundo a pré-história brasileira (Editora E-Papers), resultado da dissertação de mestrado defendida na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Segundo ela, o dinamarquês era de uma família de ricos comerciantes de lãs e tecidos e, em vez de abraçar os negócios, preferiu trilhar os caminhos da academia. “Ele se formou em medicina, mas foi em direção à história natural, com foco em zoologia e botânica. Depois passou a trabalhar com paleontologia (fósseis) e, finalmente, trocou uma carreira promissora na Europa, como cientista, para viver de forma modesta em Lagoa Santa.”

Tão logo se formou na universidade, Lund publicou dois trabalhos nas áreas de medicina e história natural, recebendo prêmios. Aproveitando que o Brasil havia se tornado, desde 1808, com a vinda da família real, a meca dos viajantes europeus – nos tempos da colônia, Portugal não permitia tais visitas – ele decidiu conhecer os trópicos. Chegou ao Rio de Janeiro em 1825 e ficou na cidade e arredores durante quatro anos, atuando basicamente como botânico. Numa correspondência, descreveu as festividades em honra ao nascimento de dom Pedro II (1825–1891). “Ele falava francês, inglês e, nesse período, aprendeu a falar português. E ainda escreveu, numa carta a um amigo, um poema em latim”, observa Ana Paula, que mora em Lagoa Santa e começou a estudar a vida do dinamarquês ao ver que na cidade havia mais placas citando dr. Lund do que propriamente conhecimento sobre a obra dele. Nas pesquisas, ela verificou não haver quase nada sobre o naturalista responsável por encontrar vestígios do hominídio mais antigo da América Latina, o qual ficou conhecido como o Homem de Lagoa Santa. Era “parente” de Luzia, a primeira mulher da América, como entrou para a história.

De volta à Europa, o jovem Lund passou por vários países, entrou em contato com a comunidade científica internacional, participou de congressos e doou coleções de plantas coletadas no Brasil a museus. A vida seguiu nesse ritmo até que, em 1932, ele ficou sabendo da morte da sua mãe. Retornou então a Copenhague, ficou lá por pouco tempo e se despediu da família decidido a vir para o Brasil. Para tanto, contava com recursos do governo real dinamarquês para custear pesquisas, porém a maior parte das despesas era paga com recursos familiares. Chegando aqui, visitou vários estados na companhia do botânico alemão Ludwig Riedel e, no ano seguinte, em Curvelo, manteve o primeiro contato com as cavernas e fósseis brasileiros. “Nessa cidade, Lund conheceu o dinamarquês Peter Claussen, interessado em ciência e dono de uma fazenda na qual o visitante ficou hospedado. Depois de uma ida a Ouro Preto, onde Riedel, por problemas de saúde, se despediu do amigo e retornou ao Rio de Janeiro, Lund voltou a Curvelo. No entanto, um tempo depois se desentendeu com Claussen e resolveu explorar cavernas em outras regiões.”

Amizade eterna

Novamente nas trilhas, com ajuda de guias, Lund seguiu o Rio das Velhas, indo parar em Lagoa Santa. “Naqueles tempos, essas viagens eram muito difíceis. Havia perda de material, assaltos, ataque de animais, muita chuva, as doenças tropicais, enfim, uma série de problemas”. Mas Lund não se intimidava. Em Curvelo, havia encontrado o desenhista e ilustrador norueguês Andreas Brandt, um amigo do qual nunca mais se separou. “O paleontólogo não se casou nem teve filhos, mas adotou Nereu Cecílio dos Santos, filho de um empregado dele, e lhe deixou herança. Na década de 1920, Nereu escreveu o livro O naturalista, homenageando Lund, mas sem grandes novidades biográficas”, diz a historiadora.

O caráter generoso do cientista merece destaque. Em Lagoa Santa, onde morou numa casa doada posteriormente para ser escola, Lund fundou a Banda de Música Santa Cecília, comprou os instrumentos para a corporação e deu aulas. “Os recursos do governo da Dinamarca não eram suficientes, então a família lhe mandava dinheiro. Lund vivia sem ostentação e era considerado excêntrico. Gostava de tocar piano e mantinha hábitos alimentares rigorosos. “Ele adorava o clima brasileiro. Alguns dos seus irmãos morreram, ainda na infância, com problemas respiratórios, então ele achava que o calor o livrava desse mal. Morreu com 79 anos, uma idade bem avançada para as pessoas do século 19”, diz a historiadora.

Em 1845, Lund, com 44 anos, resolveu parar com as escavações, alegando motivos diversos e por não encontrar mais tantas novidades nas cavernas. Enquanto trabalhou, diz a historiadora, ele separou os fósseis, embalou e listou cuidadosamente um a um, escreveu sobre eles, até que os despachou para Copenhague. Longe do trabalho nas cavernas, passou a exercer outras atividades, como a medicina, cuidando da população. “Nos anos em que viveu em Lagoa Santa, Lund se correspondia muito com outros cientistas, recebia os estrangeiros que chegavam às Gerais, enfim, se tornou uma referência”, explica a pesquisadora. Para ela, o paleontólogo dinamarquês deu visibilidade a Minas, estado que é dono de patrimônio espeleológico inestimável.

Linha do tempo

1801 –Em 14 de junho, Peter Wilhelm Lund nasce em Copenhague, capital da Dinamarca

1824 –Lund se forma na universidade, em medicina e letras, e se dedica à área de história natural (zoologia e botânica)

1825 –Lund faz sua primeira viagem ao Brasil e fica no Rio de Janeiro e arredores, até 1929, atuando como botânico

1833 –Na segunda viagem ao Brasil, Lund visita vários estados na companhia do botânico alemão Ludwig Riedel

1834 –Lund chega a Curvelo e tem o primeiro contato com as cavernas e fósseis brasileiros

1835 – Lund fixa residência em Lagoa Santa, onde viveu 45 anos, e começar a fazer escavações na região

1845 –Ao terminar suas escavações em Lagoa Santa, Lund envia coleção de mais de 12 mil fósseis à Dinamarca

1880 – Em 25 de maio, perto de completar 79 anos, Peter Lund morre em Lagoa Santa

saiba mais
Quem é Luzia
Entre 1974 e 1976, uma missão franco-brasileira, sob a chancela da Unesco, ficou na região de Lagoa Santa e concentrou as escavações principalmente na Lapa Vermelha de Pedro Leopoldo. Foi nessa caverna que a arqueóloga Annette Laming Emperaire (1917–1977) encontrou Luzia, a primeira mulher da América, cujo crânio se encontra no Museu Nacional, no Rio. Em 1998, o fóssil ganhou rosto e história. Ao fazer o levantamento dos fósseis no museu, o antropólogo Walter Neves, da USP, estudou os ossos e providenciou a datação, que é de 11,4 mil anos.

ÚLTIMA MORADA

Protestante, dr. Lund sabia que não poderia ser enterrado numa igreja católica, como era o costume da época. Então, comprou uma área para, futuramente, ser sepultado debaixo de um pequizeiro, onde atualmente é o Bairro Brandt, na área central de Lagoa Santa. Em 1936, o paleontólogo teve os restos mortais trasladados para a Dinamarca. Na sepultura, ficaram apenas os ossos de integrantes da sua equipe, os quais estão lá até hoje. Segundo os estudiosos, houve mobilização da comunidade de Lagoa Santa para evitar que os ossos fossem levados do Brasil, embora sem sucesso.


receba nossa newsletter

Comece o dia com as notícias selecionadas pelo nosso editor

Cadastro realizado com sucesso!

*Para comentar, faça seu login ou assine

Publicidade

(none) || (none)