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Estado de Minas

Restauradores encontram fragmentos de pintura feita no século 18 em forro de Igreja do Serro

Profissionais decidem não completar os espaços para manter o original


postado em 13/09/2012 06:00 / atualizado em 13/09/2012 07:00

Igreja de Nossa Senhora do Carmo será inaugurada mês que vem faltando pedaços na pintura original do teto(foto: Beto Novaes/EM/D.A Press )
Igreja de Nossa Senhora do Carmo será inaugurada mês que vem faltando pedaços na pintura original do teto (foto: Beto Novaes/EM/D.A Press )
No mês que vem, quando reabrir as portas, a Igreja de Nossa Senhora do Carmo, do século 18, no Centro Histórico do Serro, no Vale do Jequitinhonha, vai surpreender – e muito – moradores e visitantes. Uns vão ficar intrigados ao olhar para o alto e ver o forro da nave com os fragmentos da pintura original, como se fosse um quebra-cabeça faltando peças; outros vão compreender, de imediato, o respeito dos restauradores pelo trabalho do artista. Eles preferiram deixar espaços vazios na madeira a preenchê-los com as tintas do século 21. O certo mesmo é que ninguém ficará indiferente sob o teto em estilo rococó atribuído ao pintor Manuel Antônio da Fonseca e recém-restaurado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), responsável pelo tombamento desde 1949.

A história começou em 2004, durante o restauro dos elementos artísticos da capela-mor e execução de obras estruturais do templo. Na hora de consertar o telhado, o forro da nave central, todo pintado de branco, que seria substituído por um novo, foi retirado e “quase jogado fora, tal a degradação”, lembra o restaurador Gilson Felipe Ribeiro, da empresa Anima, de São João del-Rei, contratada pelo Iphan para o serviço apenas na capela-mor. No entanto, os restauradores que trabalhavam sob a supervisão do especialista Antônio Fernando Batista dos Santos, do Iphan, decidiram, antes de retirar o forro, fazer um teste removendo as várias camadas de tinta de algumas tábuas. Nas prospecções, encontraram o rosto de um bispo e de um papa em policromia.

Surpresos, os profissionais mapearam todo o material e o acondicionaram, da forma como estava, até que houvesse licitação e os recursos federais fossem liberados, o que ocorreu em 2009. Enquanto o trabalho avançava, eles viram que muitas tábuas não continham pinturas, devido a uma intervenção anterior que desmontou o forro e retirou as madeiras comprometidas. “Mais curioso ainda é que fragmentos de outro forro, que não tinham nada a ver com as cenas originais do medalhão central, do fim do século 18 – a coroação de Nossa Senhora pela Santíssima Trindade –, estavam embaralhados ali. Tínhamos, então, um inesperado jogo de quebra-cabeça”, conta Gilson.

Os restauradores estavam diante de uma questão polêmica que vem desde épocas remotas: assumir as perdas e restaurar o teto como estava ou interferir na obra atribuída a Manuel Antônio da Fonseca, responsável pela pintura nas igrejas de São José e Nossa Senhora do Rosário, em Itapanhoacanga, em Alvorada de Minas, na Região Central. Segundo Antônio Fernando, o Iphan decidiu recuperar só os fragmentos, em respeito à obra original. “Apenas com estas partes, não seria possível visualizar todo o conjunto e refazer a composição feita pelo autor”, diz o restaurador, destacando que os fiéis têm a sua devoção, frequentam a igreja, e não é essa interferência que vai mudá-la.

As cimalhas, que fazem o contorno do forro, também foram restauradas e ficaram livres das camadas de tinta a óleo, na cor cinza. “Recuperamos a pintura marmorizada, que é de grande beleza”, afirma Gilson. Ele diz ainda que os fragmentos dos outros forros não pertencentes à igreja estão guardados e poderão, no futuro, dependendo de pesquisa, ser reintegrados às igrejas ou capelas de origem. São cenas de lava-pés e santa ceia. “Não podemos falsear o que não existe mais, temos que assumir a perda”, defende Gilson.

Padre


À primeira vista, o forro causa um certo estranhamento, mas com o tempo vai-se acostumando com a visão da madeira em policromia num contraste com a madeira de lei no tom bege presente no fundo do conjunto. O padre Jolly Puliprakalatil Thomas, titular da paróquia de Nossa Senhora da Conceição, à qual está vinculada a Igreja de Nossa Senhora do Carmo, está ansioso para reabrir o templo, fechado há um ano para as obras, que terminaram agora. “Mesmo com o forro incompleto, a igreja está muito bonita”, revela o religioso, natural do estado de Kerala, no Sul da Índia, e no Brasil há 22 anos. No Serro, está há seis anos.

A guia de turismo Aline Dumont Costa, de 24 anos, acredita que o forro será um diferencial na cidade. “Ele estava desgastado e fragilizado e houve pesquisas até chegar ao resultado. Acho que esse aspecto vai atrair muitos visitantes”, diz a jovem. A igreja tem missa duas vezes por semana, celebra casamentos e outras cerimônias religiosas. O adro é palco, na semana santa, da Paixão de Cristo.

"Lindo e bem arejado"


A igreja fica em local alto, no antigo Largo da Cavalhada ou do Carmo, atual Praça João Pinheiro, e tem adro protegido por arrimos de pedra. Conforme os estudiosos, a fachada atual resulta de uma restauração que descaracterizou o primitivo traçado. Na parte interna, o templo carmelita apresenta piso em campas (túmulos), forros do tipo abóboda em tabuado, arco-cruzeiro de madeira com pintura imitando mármore e coro em balaustrada de madeira torneada.

Numa visita ao local no início do século 19, o naturalista francês Auguste de Saint-Hilaire (1779-1853) achou o templo “lindo e bem arejado” e destacou o interior como “bastante claro e ornado de dourados e pinturas”. Mesmo estando longe de serem consideradas “obras-primas”, as pinturas lhe pareceram superiores “à ornamentação de muitas igrejas da França”. Os trabalhos de talha se concentram num conjunto de três retábulos, dois púlpitos e ornatos em relevo do arco-cruzeiro.

Os altares do arco-cruzeiro, em estilo rococó representativo de fins do século 18, mostram linhas de mais elaborado acabamento do que o altar-mor, de estrutura relativamente simples, que indica certa transição para o neoclássico. O arco-cruzeiro, em pintura marmorizada, se apoia em pilastras sobre as quais se realçam algumas molduras de talha dourada.

LINHA DO TEMPO

1761 – É formada, no Serro, a Ordem Terceira do Carmo local, desmembrada da Irmandade Carmelita do Arraial do Tijuco, hoje Diamantina


1768 – Começam as obras da Igreja de Nossa Senhora do Carmo, com término em 1781

1817 – A igreja recebe a visita do naturalista francês Auguste de Saint-Hilaire (1779-1853), que destacou a ornamentação do templo

1860 –Até 1864, a Ordem do Carmo recebe auxílio financeiro do governo da província para obras de reparo

1888 –Igreja do Carmo passou a ser temporariamente a matriz da cidade, pois a Igreja de Nossa Senhora da Conceição estava em obra
 
1892 –Templo carmelita volta a ser objeto de reformas, que duram um ano, incluindo pintura e consertos de paredes, telhado e torres

1949 – Em 24 de novembro, o monumento é tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan)

2004 –Restauradores fazem prospecção em tábuas do forro, na nave central, que estavam pintadas de branco, e encontram fragmentos de pinturas

2009 –Começam as obras de restauração do forro fragmentado da igreja, que será reaberta no mês que vem


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