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Estado de Minas

Serra do Curral: cartão-postal mutilado

Moradores do Sion e do Belvedere revelam que motociclistas e ciclistas radicais usam pás, enxadas e picaretas para abrir pistas clandestinas e obstáculos que provocam erosão na área


postado em 24/08/2012 06:00 / atualizado em 24/08/2012 06:49

Pistas ilegais aumentam degradação da área, que devia ser protegida(foto: Juarez Rodrigues/EM/D.A Press)
Pistas ilegais aumentam degradação da área, que devia ser protegida (foto: Juarez Rodrigues/EM/D.A Press)
Do alto do Parque Serra do Curral, programado para ser inaugurado ainda neste ano, as buzinas da capital mineira são abafadas pelo vento e dão lugar ao canto das cigarras e dos pássaros. A partir do mirante coberto pelo cerrado amarelo, paisagens como a Lagoa da Pampulha, o Estádio Mineirão e a Raja Gabáglia se descortinam. A 2,5 quilômetros dessa área preservada, a situação da cadeia de morros símbolo da capital mineira e tombada pelo município é bem diferente. Na porção oeste dos montes, entre os bairros Belvedere e Sion, em vez de flores e arbustos típicos, despontam erosões profundas como cicatrizes na vegetação, expondo pó de minério e pedras lavadas pelas chuvas. É que, ao contrário da área preservada, frequentada por ecoturistas e amantes da natureza, o lado esquecido da serra se tornou pista de corrida para motocicletas envenenadas e bicicletas. Munidos de picaretas, pás e enxadas, os praticantes desses esportes radicais aceleram os processos erosivos em nome da adrenalina.

Basta perguntar na vizinhança, que todos conhecem a rotina dos motoqueiros e ciclistas. A professora Martha Tavares, de 54 anos, conta que da Rua Correias, no Sion, já viu a turma de jovens em mountain bikes descendo da encosta da serra para o asfalto, onde uma caminhonete os aguardava. “Eles trazem as ferramentas para fazer rampas de saltos, quebra-molas, buracos. Aí, entram na trilha pelo Belvedere, descem até aqui e depois são levados de novo, pelos amigos, de volta ao Belvedere, para mais descidas”, conta. A mulher acha um absurdo a atitude, que ela classifica como vandalismo. “A Serra do Curral é de todos. Ninguém tem o direito de destruir uma coisa que está aí para embelezar a cidade onde a gente vive”, disse.

Outra vizinha da serra, a bióloga Tânia Costa, de 36, diz que nos fins de semana ficou arriscado fazer caminhadas para ver a cidade do alto do mirante do monte por causa da velocidade dos praticantes de cross. “Eles descem rápido, pulando e levantando poeira. Assim não dá para caminhar, admirar o dia e os pássaros”, lamenta.

De acordo com o geólogo e professor aposentado da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Edésio Teixeira de Carvalho, esse tipo de atividade e as intervenções feitas por meio de ferramentas podem causar danos progressivos e acelerar a erosão do solo daquela porção da Serra do Curral. “Principalmente com as chuvas, a água vai abrindo sulcos na terra desprotegida. E o pior é que há formas de recuperar isso tudo depois, mas não é uma prática e uma política comum aqui no Brasil. Então, é melhor que não se façam intervenções no solo sem orientação apropriada, porque depois o terreno não vai ser recuperado”, afirma.

Ainda segundo o especialista, esses solos, dos quais ajudou a fazer os mapas geológicos da capital mineira, os vales da Serra do Curral, como partes do Buritis, Belvedere, Mangabeiras e Sion, são compostos por rochas chamadas filito e quartzito. “O filito é formado por camadas que aprisionam água e quando seca se esfarela como se fosse um talco. Essa poeira acaba sendo lavada pelas chuvas, abrindo as erosões”, afirma.

CAMINHADAS PERIGOSAS

As trilhas que muitos usavam para caminhar estão repletas de marcas dos pneus das bicicletas e motocicletas. Nos fins de retas e descidas, onde podem ganhar velocidade, os pilotos empilharam pedras removidas dos arredores e as cobriram com terra que retiraram de pontos próximos para formar rampas e propiciar saltos. Esses buracos abertos pelas pás e a água desviada pela própria rampa já provocaram intrincados sulcos que vão se propagando à medida que a água das chuvas desce o morro. Onde o caminho tem mudanças mais fechadas de direção, a quantidade de pedras e solo removido é maior e serve para construir curvas inclinadas e altas, onde os motociclistas descem tombados, quase tocando o solo.

Além de não ser uma área nobre como as partes dos parques das Mangabeiras e da Serra do Curral, o espaço que vem sendo degradado confunde os próprios órgãos que deveriam protegê-lo. A reportagem procurou a Secretaria Municipal de Meio Ambiente, que informou não ter responsabilidade sobre o local e recomendou procurar a Fundação de Parques Municipais. A pasta que cuida das unidades de conservação e lazer informou que a área não pertence a nenhum parque implantado ou já consolidado e que, por isso, não lhes cabe nenhuma ação.

A Secretaria Municipal da Coordenação de Gestão Regional Centro-Sul chegou a dizer que a Guarda Municipal deveria cuidar do espaço, por ser “tombado pelo município”. A Guarda Municipal informou que, como se trata de um crime ambiental, a Polícia Militar do Meio Ambiente deveria ser procurada e as denúncias encaminhadas ao 190. A reportagem tentou entrar em contato com o Departamento de Meio Ambiente e Trânsito (Dmat) da PM, mas a corporação não designou um porta-voz para o assunto.


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