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Estado de Minas

Em entrevista, rapper Emicida fala sobre preconceito e prisão em Belo Horizonte


postado em 29/05/2012 09:02 / atualizado em 29/05/2012 09:06

(foto: Camila Pereyra/MTV )
(foto: Camila Pereyra/MTV )

Nem o prestígio internacional, que o levou ao Festival de Coachella, em 2011; nem o reconhecido talento para improvisar rimas, que lhe rendeu vitórias nas principais batalhas de MCs no país, livraram o rapper Emicida de conviver diariamente com o preconceito. “Nos hotéis, por exemplo, quando vou tocar em algum lugar, os olhares dizem que sou objeto estranho se não tiver carregando mala ou limpando chão”, desabafou, em entrevista exclusiva ao Correio Braziliense. “Estou falando de racismo mesmo, por eu ser negro, não de preconceito social simplesmente.”

Vindo da periferia de São Paulo, Emicida chegou longe para os padrões dos artistas de sua linhagem. Passou pela tevê, como apresentador de programas sobre rap na MTV e na Cultura, e ganhou vários prêmios por suas canções faladas, sempre repletas de crítica social. Independente, dono de seu nariz, ele prepara o primeiro álbum nos moldes tradicionais, cercado de expectativas — dele, inclusive. “Ainda não lancei um trabalho que eu olhe e fale: ó, é isso mesmo, fechou a tampa!”, revela.

A língua mordaz lhe rendeu uma prisão em Belo Horizonte, no último dia 13. Explorado à exaustão pela mídia, o episódio teve saldo positivo ao reverberar temas importantes na sociedade, como liberdade de expressão e abuso de autoridade. No show daquele domingo, em Minas, ele cantou Dedo na ferida, que aborda a ação violenta da polícia militar durante a desapropriação de famílias em locais visados pela especulação imobiliária. Os fardados presentes supuseram que ele estaria incitando a ira do público e o detiveram por “desacato a autoridade”.

“A canção fala sobre a apreensão das famílias nesses momentos, mas essa questão não repercutiu”, lamenta. “Os policiais agridem as pessoas pobres, e esse não é o trabalho deles. Os poderosos valorizam prédios, condomínios, mas não valorizam as pessoas que vão ocupá-los”. Contudo, a prisão, para ele, não teve a ver com o preconceito, e sim com uma ditadura velada que ronda a arte. “Eu me referi à polícia, sim, mas de uma maneira geral, e não vou retirar nada do que disse.”

Esquema coletivo


Todos os videoclipes, singles e mixtapes de Emicida são fruto de seu trabalho no Laboratório Fantasma, selo que criou com amigos. Além de gerenciar a carreira dele, a empresa quer apostar e abrir as portas para novos artistas. “Quis criar essa estrutura para tirar a imagem de que a música independente tem que ser amadora. A gente faz um trabalho profissional”, garante. O resultado pode ser conferido na qualidade dos vídeos (vários passaram da casa de 1 milhão de visualizações no YouTube) e canções que chegam ao público. “As coisas não acontecem por sorte, mas sim por seriedade e trabalho.”

O primeiro álbum está em gestação e deve sair em 2013. Emicida tem estudado canto e piano e buscado referências para entender a música “de dentro pra fora”. “Não deve ser um disco exclusivamente de rap, mas seguirá por essa linha da música falada. O samba tem muita coisa disso, o rock e o ragga também, vou passear por essas vertentes. Obviamente, imprimindo a textura do rap”, garante.

Discografia



Desde 2008, Emicida lançou quatro singles (Triunfo, Avua besouro, Quero ver quarta-feira e Trouble) e quatro mixtapes, que são compilações de canções: Pra quem já mordeu um cachorro por comida até que eu cheguei longe, de 2009; Sua mina ouve meu rep tamen e Emicidio, de 2010; e Doozicabraba e a revolução silenciosa, 2011. O primeiro álbum deve sair em 2013.

Trecho

“O povo tem que cobrar com os parabelo
Porque a justiça deles, só vai em cima de quem usa chinelo
E é vítima, agressão de farda é legítima
Barracos no chão, enquanto chove
Meus heróis também morreram de overdose
De violência, sob coturnos de quem dita decência
Homens de farda são maus, era do caos
Frios como halls, engatilha e plau!
Carniceiros ganham prêmios,
Na terra onde bebês respiram gás lacrimogênio”

PONTO A PONTO

ENSAIO (TV CULTURA)
“É emocionante. Imagina, estar ali de frente com o Fernando Faro, o cara que idealizou o programa de música mais importante dos últimos tempos. A música perdeu muito espaço na tevê. Participar foi uma honra sem tamanho, porque coloquei meu nome, modéstia à parte, com o dos meus ídolos.”

INFLUÊNCIA BLACK
“Grandes nomes da música americana, como Marvin Gaye e James Brown, ensinaram uma forma de imprimir sentimento dentro da canção. Interiorizei o soul de uma maneira fundamental para fazer música como faço. Se você tentar buscar a melodia do soul na minha canção, não vai encontrar. Mas pela interpretação de cada frase, dá para sacar.”

MÚSICA BRASILEIRA
“Escuto muito samba e também Elis, Ivan Lins, Jair Rodrigues, Simonal, Roberto Carlos — todos serviram como ingredientes. Pixinguinha me trouxe a importância de estudar a história de nossa música mais a fundo. O chorinho é um gênero que valorizo muito.”

PROTESTO
“O rap é a música de São Paulo. Ele tem esse lance da música urbana. na minha música, fujo para outros temas que não sejam só desigualdade social. Mas ela acaba protestando, é uma parada que foge do meu controle. Mas não tenho essa obrigação, música tem que ser livre.”

TELEVISÃO
“Resolvi sair dos dois (programas de tevê) para dar mais atenção à minha carreira. Estava virando personagem de tevê. É uma exposição muito grande. Mas sou grato pelo espaço. Tentei dar um panorama do que estava acontecendo, colocar lá pessoas que não tinham boa distribuição.”

IMPROVISO
“Eu me senti confiante para mostrar por volta de 2002. Mas nunca disse que estava pronto. Tenho que me aprimorar, estou sempre estudando a música falada em outros tempos. Quero colocar meu nome na história de forma tão significativa quanto alguns caras aí. Ganhei as maiores batalhas do Brasil; mas, mais do que confiança, as batalhas me deram divulgação. Passei a fazer parte de um outro circuito.”


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