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Estado de Minas

Mais uma geração está sob risco na Barraginha

Netos dos removidos da Vila Barraginha depois da tragédia de 1992 voltam a enfrentar o risco de deslizamento na Vila Itália. Município promete para este ano obra de estabilização


postado em 23/01/2012 06:34 / atualizado em 23/01/2012 06:40

Maura do Socorro, de 43 anos, sobreviveu à avalanche de 1992 e, grávida, conseguiu salvar um filho na fuga. Hoje, volta a ver crianças da família sob ameaça(foto: Cristina Horta/EM/D.A Press)
Maura do Socorro, de 43 anos, sobreviveu à avalanche de 1992 e, grávida, conseguiu salvar um filho na fuga. Hoje, volta a ver crianças da família sob ameaça (foto: Cristina Horta/EM/D.A Press)
 

Na barra da saia de Maura do Socorro Francisco da Costa, de 43 anos, os três netinhos, os gêmeos de 2 anos e o bebê de 9 meses, nem imaginam o que a avó, mulher de expressão firme, já enfrentou na vida. Grávida de oito meses, ela carregou o filho no colo e fugiu sem olhar para trás, assim que as paredes de seu barraco começaram a cair. Tentou ir para a casa da mãe, mas já não havia mais casa, nem mãe, que acabou entre os 36 mortos na avalanche de terra de 1992 da Vila Barraginha, no Bairro Cidade Industrial, em Contagem, na Região Metropolitana de Belo Horizonte. Faz 20 anos que Maura ganhou mais uma chance da vida, depois de salvar seu filho e sobreviver à tragédia. Na época, ela nem imaginava que voltaria a enfrentar esse risco.

A filha Priscila nasceu em um dos abrigos para os quais foram levadas 1,4 mil pessoas que perderam as moradias. “Na hora do acidente, o barulho parecia de um estouro de boiada. Minha mãe morreu, minha família ficou toda machucada. Não conseguimos nos reestruturar até hoje. Não tem jeito, todo dia você lembra o acidente”, conta Maura, novamente em situação de risco. Ela faz parte de uma das 154 famílias levadas para a Vila Itália, no Bairro Fonte Grande, também em Contagem, e agora não prega os olhos com medo de o barraco descer morro abaixo. “Antes, eram nossos filhos que viviam ameaçados. Agora, já são nossos netos”, lamenta.

As cenas do dia 18 de março de 1992 também não se apagam da lembrança de Berenice dos Santos, de 48, nem as marcas do acidente, do corpo da diarista, que ficou soterrada e perdeu um filho, na época com 2 anos. “Estava com os meninos na sala e, de repente, subiu muita poeira. Tranquei a casa e, de repente, as paredes se abriram e estava praticamente no telhado do meu vizinho. Fiquei soterrada da cintura para baixo. Um dos meus filhos morreu. O outro teve traumatismo craniano”, lembra. Por meses, Berenice precisou usar a cadeira de rodas e aprender a conviver com a saudade do caçula. “Acho que o pior já passou”, diz, confiante em tempos melhores.

A Prefeitura de Contagem estima que haja 650 moradores atualmente na Vila Itália, parte deles vivendo em áreas invadidas. Desde 2006, o Plano Municipal de Redução de Risco identificou áreas com perigo geológico na vila. Segundo a administração pública, está prevista para começar neste ano obra para contenção de encostas nas ruas 3, onde moram parte das vítimas da tragédia, e 6. “A obra ocorrerá no âmbito do Programa de Aceleração do Crescimento 2 (PAC 2), do governo federal, e já foi aprovada pela Caixa Econômica”, informa a prefeitura, em nota.

NO ALUGUEL
Uns com a casa em risco. Outros, sem casa própria. A Prefeitura de Contagem informa que 22 famílias vítimas da tragédia de 1992 vivem com o auxílio aluguel. A aposentada Castorina Arruda de Sousa, de 60, que morava na Vila Barraginha desde 1968, não perdeu família nem bens materiais. Mas, em terreno próximo à área do acidente, teve que abandonar seu barraco, por recomendação da prefeitura.

“Na época, fiquei 40 dias no abrigo e depois voltei para a Barraginha. Tive que sair em 2000, pois falaram que minha casa estava em área de risco e, desde então, estou no aluguel. Ganho uma bolsa de R$ 315 e ainda tenho que inteirar quase R$ 200. O jeito é fazer dívida, pois ganho só um salário mínimo”, lamenta, sem muitas expectativas. “Todo ano dizem que meu apartamento vai sair no ano seguinte.”

DEPOIMENTO
Instinto de sobrevivência

Ney Soares Filho
Não esqueço aquele dia, por alguns motivos. Era 18 de março, véspera do meu aniversário. O América venceu o Grêmio pela segunda vez na Série B, dando enorme passo para subir para a A, o que, de fato, ocorreria. Mas, principalmente, pela cobertura da tragédia. Tinha acabado de almoçar quando o rádio noticiou que, com a chuva, pelo menos 10 barracos tinham desabado na Vila Barraginha, em Contagem. Cheirou mal e resolvi correr para lá. Ao chegar, porém, constatei que era muito pior do que poderia imaginar. Parecia ter havido um terremoto. O aterro de uma construtora cedeu e, como a favela havia se instalado em solo argiloso, instável, a movimentação de terra simplesmente “revirou” o aglomerado, em um incrível efeito dominó. Bombeiros lutavam para arrancar pessoas do monte de escombros e lama. Com lágrimas nos olhos, um deles já carregava o corpo inerte de uma menina. Mas, principalmente nas primeiras horas, muita gente era resgatada com vida. Estava difícil estimar o número de mortos. Fontes dos próprios bombeiros e da polícia falavam em centenas de soterrados, podendo passar de mil. Ao fim de muitos dias de buscas, foram 36 mortos. O que explica tal disparidade entre as primeiras estimativas e o total de vítimas? Primeiro, há que se considerar que num início de tarde muita gente estava fora, trabalhando, na escola ou resolvendo qualquer assunto. E, segundo, a força extra conferida às pessoas pelo tal instinto de sobrevivência. Só assim para entender como uma pequena senhora octogenária conseguiu pular um muro, levando consigo uma neta de 6 anos, para escapar do desastre. Foi apenas um dos muitos casos em que a vida conseguiu improvável vitória contra a morte.

 


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