
Ao entrar na fila da adoção do Juizado da Infância e da Juventude de Belo Horizonte, os casais dão preferência a bebês ou até buscam a criança diretamente do colo da mãe biológica, conforme mostrou ontem reportagem do Estado de Minas. Fazem o possível para tentar escapar das chamadas adoções tardias, de crianças já com vivência de abrigo. No imaginário dos pais adotivos, as crianças com mais de 5 anos teriam mais dificuldades de aceitar a figura dos pais. “Ao contrário, tudo o que essas crianças querem é ter uma família. Quando chegam ao abrigo, comemoram como se tivessem sido mandadas para uma colônia de férias. Depois, começam a chorar e a pedir colo, a chamar pela mãe”, revela Alexandre Amaral, administrador da casa, que fecha o balanço todo mês no vermelho, por falta de recursos.
Para a psicóloga paranaense Lídia Weber, dizer que a adoção tardia tem maior probabilidade de “dar errado” é mito. “Isso não existe. Sabemos de adoções tardias mágicas e de outras em que a adaptação do filho pode ser mais demorada, dependendo da história de vida de cada um”, garante a especialista, autora de diversos livros sobre o tema, incluindo Filhos da solidão, o primeiro deles, de 1989, que trata dos abrigos no Brasil. Segundo ela, não é a adoção tardia que dá problema no futuro. “Nem tampouco a adoção interracial, nem a adoção de crianças com deficiência física ou problema de saúde. A revelação tardia da adoção aos filhos é que se mostrou equivocada”, afirma ela, com base em pesquisa que mediu as práticas parentais em 600 crianças, jovens e adultos que foram adotados no país.
A Lei Nacional da Adoção, de 2009, impõe o limite de dois anos até que juízes, promotores, assistentes sociais e psicólogos envolvidos no processo consigam identificar uma família para uma criança nos abrigos, dando o caso por encerrado. Na prática, porém, a legislação já completou dois anos e não cumpriu a meta. “A maior dificuldade é que a criança, ainda que seja vítima de maus-tratos, ama a família. Os pais têm direito à ampla defesa e a rever projetos de vida”, explica a psicóloga Rosilene Cruz, coordenadora técnica da Vara da Infância e da Juventude de Belo Horizonte. Ela admite, porém, que os processos poderiam andar mais rápido: “Para uma criança, o tempo tem sentido diferente. Um ano ou dois no abrigo é tempo demais.”
Vínculos
Para minimizar o sofrimento nos abrigos, a Lei Nacional da Adoção prevê tratamento individualizado para as crianças, que devem ser separadas em grupos menores e de mesma faixa etária. Além disso, cada criança deve ter uma ficha própria e uma gaveta separada na casa, que poderá ter espelhos e comemorações dos aniversários de cada uma. “Antes, tínhamos 50 crianças, e agora apenas 15. Para mim, a lei representa um marco”, conta Célia.
Outra mudança que deveria ser seguida por todos os abrigos brasileiros é estimular o vínculo afetivo entre as crianças e os funcionários da casa, e não o contrário. “Era uma prática cruel. Ao visitar os abrigos, impediam-nos de carregar os bebês no colo, dizendo que eles não teriam depois a continuidade daquele carinho. É melhor ter algum carinho do que não ter nenhum, nunca”, defende Lídia Weber. Ela considera um crime os bebês recém-nascidos serem destinados a abrigos. “Para acolher o bebê, deveríamos ter à disposição um rol de famílias substitutas ou acolhedoras sabendo que o bebê reconhece o cuidador pela voz, pelo cheiro e batimentos cardíacos. Os nenéns não entendem o rodízio de cuidadores dos abrigos”, compara.
Retirada da mãe por falsa denúncia
Fruto de denúncias de abandono, maus-tratos ou até abuso de parte dos pais biológicos, nem todas as crianças que vivem nos abrigos estão destinadas à adoção. Elas podem estar ali de passagem até que seja destituída a guarda da família original, se for este o caso. Já Daiane, de 4, (foto) foi parar por acaso no abrigo, devido a suposta falha de conselho tutelar. “A mãe é cobradora de ônibus e batalhadora. Estava chovendo e ela deixou a filha em casa com o irmão, de 9 anos, enquanto foi ao supermercado. Os vizinhos denunciaram que as crianças estavam sozinhas em casa”, disse a assistente social Célia. Já faz 15 dias que a menina pede diariamente para voltar para casa. Se estivesse para adoção, já teria uma lista de espera de candidatos a levar para casa a princesa de cabelos longos e lisos.
Irmãs ficam juntas em nova família
Manuela, de 2 anos, chegou ao abrigo ainda bebê, no último grau de desnutrição e com ferimento grave na cabeça. Recuperou-se e se tornou a mais esperta da casa. Ela e a irmã, Gabriela (foto), de 4, serão adotadas, juntas, na semana que vem. As duas eram usadas pela mãe biológica, moradora de rua e usuária de drogas, para pedir esmolas em sinal de trânsito. Já o irmão, Pedro, de 5, permanece no abrigo. “Só autorizei a separação dos irmãos porque o Pedro foi criado com um tio e não tem muita ligação com as irmãs. Já as duas são unha e carne, uma come o mesmo que a outra e dormem no mesmo quarto”, compara Célia. “Você não vai cumprimentar o seu irmão, Manuela? Ele acabou de chegar da aula!”, cobra a assistente social. Ela quer demonstrar, na prática, a falta de vínculo entre os irmãos.
PASSO A PASSO da adoção
O que é?
É uma modalidade de maternidade e paternidade, na qual uma pessoa ou casal torna filho, de forma definitiva, legal e afetiva, uma criança ou adolescente, gerado por outra pessoa. É regulamentada pelo Código Civil e pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). No artigo 41, o estatuto determina que com a adoção todos os vínculos entre a criança ou adolescente e os pais ou parentes biológicos são rompidos, concedendo ao adotado a condição de filho, com os mesmos direitos e deveres, inclusive sucessórios. E o artigo 48 estabelece de forma clara que a adoção é irrevogável.
Quem pode adotar?
Pessoas maiores de 18 anos, solteiras, casadas, separadas, viúvas ou que convivam materialmente, desde que sejam pelo menos 16 anos mais velhas do que a criança ou adolescente. Avós ou irmãos não podem adotar, mas podem pedir a guarda ou tutela da criança ou adolescente da mesma família. Tios e tias podem adotar.
Por que adotar?
Para dar à criança e ao adolescente o direito que já lhe concedido por lei de viver em uma família, segundo o artigo 19 do ECA.
Como adotar?
Em Belo Horizonte, procurar o Serviço de Atendimento ao Cidadão (Seac), no Juizado da Infância e Juventude, na Avenida Olegário Maciel, 600, sala 106, de segunda a sexta-feira, das 12h às 17h, para retirar o formulário e lista de documentos para o processo de habilitação, conforme a Lei Nacional da Adoção (Lei 12.010/2009).
