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Estado de Minas

O espetáculo que garante o sustento

Para garantir a sobrevivência da família, malabarista paraense se veste com esmero e do alto das pernas de pau encanta motoristas e pedestres nas esquinas movimentadas de BH


postado em 05/11/2011 06:00 / atualizado em 05/11/2011 07:13

Com mais ou menos frequência, nesta época de chuvas dependendo das condições climáticas, eles podem ser vistos com os rostos pintados, pernas de pau, bolinhas no nariz e, sobretudo, com muita vontade de mostrar o seu trabalho e ganhar a vida, de uma maneira honesta, nas esquinas mais movimentadas de Belo Horizonte, principalmente na Região Centro-SuL, onde já fazem parte da paisagem.

Eles são os artistas de rua, um universo constituído, em maioria, por rapazes e moças de classe média baixa, de 15 a 30 anos, quando muito, e que resolveram fazer das ruas, praças e avenidas das grandes cidades o seu palco, a partir do qual, como em qualquer outra casa do gênero, costumam receber aplausos e vaias, dependendo do espetáculo apresentado ao distinto público. Neste caso, apressados motoristas e pedestres, que, muitas vezes, nem se dão conta da existência deles ou, quando muito, dispensam apenas um olhar, antes de seguir em frente.

Em um destes espaços públicos, na esquina das ruas da Bahia e Gonçalves Dias, no Bairro de Lourdes, se encontrava na manhã de ontem, já em plena atividade, o malabarista Gabriel Fernandes Ribeiro, de 25 anos, artista desde a adolescência e que, se depender dele, para o resto da vida.

Vestido a caráter com uma balofa calça azul, que mais parece uma bombacha usada pelos gaúchos, rosto maquilado por ele mesmo e se equilibrando numa perna de pau, ou melhor, de alumínio por ser mais leve e resistente, ele se exibia com uma agilidade incrível, com o diabolô. Este vem a ser, como explica, um ioiô chinês, cuja sustentabilidade, “cientificamente falando”, se dá por meio de fricção proporcionada por uma corda no eixo do mesmo, que ele joga à uma altura de até cinco, seis metros ou até mais, dependendo do local, e consegue, na maioria das vezes com sucesso, voltar a apará-lo.

Para os menos avisados, como a princípio foi o nosso caso, tudo leva a acreditar que o diabolô, com o qual Gabriel literalmente faz os diabos, estava preso a corda. Nada disso: lançá-lo ao ar, fazê-lo voar e tê-lo novamente, sem deixá-lo cair no asfalto, como testemunhamos diversas vezes, requer muita habilidade e treino. De acordo com o artista, que diz preferi-lo nas suas apresentações, a outros objetos circences como o claves, devil, steki de fogo ou suingue, para conseguir dominar o diabolô é necessário, além de uma ótima coordenação motora, também uma visão rápida, de ave de rapina, e uma mira perfeia.

 

Liberdade de criação

A história artística de Gabriel Ribeiro, que nasceu em Belém do Pará, mas vive em Belo Horizonte há um ano, com a mulher, Celina, que também é malabarista, e a filha Maria Cecília, de 2 anos, começou no interior do Maranhão, na cidade de Maracaçuné, quando adolescente. “Consegui emprego em um circo, o Ponto Rico, que eu ajudava a montar e desmontar. Era um trabalho bem maçante, sem nenhuma criatividade. Com o passar do tempo, depois de fazer amizades lá dentro, comecei a aprender malabarismo, a atuar como palhaço e não parei mais, porque vi que tinha jeito para a coisa ”, conta.

Dois anos depois o irrequieto Gabriel, que nunca gostou de ficar muito tempo num mesmo lugar, já se encontrava na calorenta Teresina, capital do Piauí, onde havia conseguido trabalho em um outro circo, o Latino-Americano, no qual nunca chegou a atuar. Porque, neste meio tempo, enquanto resolvia pequenos detalhes, ficou conhecendo um artista de rua chamado Márcio, se tornaram parceiros, gostou da liberdade das exibições em praças e ruas e nesta lida está até hoje, só que trabalhando sozinho ou com a mulher.

Figurino faz a diferença


Não é fácil ganhar a vida só como artista de rua. Sem ser filiado a nenhuma associação ou sindicato, nem ao menos pagar INSS como autônomo, ou ter um plano de saúde, a rotina de Gabriel Ribeiro, que vive com a família em Contagem, na Grande BH, começa bem cedo, quando toma um ônibus e segue para o Centro da capital. O faturamento só começa a melhorar, segundo ele, depois de quarta-feira, quando aumenta bastante o movimento nas ruas. Normalmente, costuma levar para casa, no fim do dia, cerca de R$ 40 ou R$ 50. “Não é muito, mas com a ajuda da minha mulher, que também trabalha, dá para ir levando”, diz.

Vaidoso com seu trabalho, e ciente de que uma boa apresentação é essencial, Gabriel conta que capricha no figurino, não só em relação às roupas, mas também com a maquiagem, com a qual gasta um bom tempo. O cuidado com a aparência, segundo ele, faz a diferença, principalmente quando se é um artista de rua. Inclusive já fez um teste: quando está ao natural, sem se pintar nem bem vestido, não chama muito a atenção e, em consequência, o futuramento diminui. No seu caso, outra coisa que conta ponto são as pernas de pau, que medem um metro dos pés ao chão. “Quando estou com elas fico com a altura de 2m75, isto faz um grande diferencial e ajuda a chamar muito a atenção. As pessoas sempre elogiam minha habilidade e me incentivam a seguir em frente com o meu trabalho.”

Entre os planos de Gabriel, que também se apresenta, na companhia da sua mulher, em festas de aniversários ou de empresas, está a compra de uma cama elástica e de uma piscina com bolinhas, com as quais pretende ampliar seu campo de atuação. “Como o aluguel delas é muito caro, Celina e eu estamos juntando dinheiro para poder adquiri-las. Quando ocorrer, poderemos também nos apresentar em cidades do interior”, diz o artista. Enquanto não acontece, quem quiser conhecer um pouco da sua arte, principalmente com o diabolô, pode ir, numa manhã destas, à Rua da Bahia esquina com Gonçalves Dias.


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