Congonhas –À imagem e semelhança da criação original, começam a sair da fôrma as réplicas dos 12 profetas esculpidos por Antonio Francisco Lisboa (1730-1814), o Aleijadinho, entre 1800 e 1805, para o adro do Santuário do Senhor Bom Jesus do Matosinhos, em Congonhas, na Região Central de Minas. O serviço desenvolvido num ateliê perto do santuário, por iniciativa da Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (Unesco), responsável pelo reconhecimento do conjunto como patrimônio cultural mundial, em1985, não ressuscita a velha polêmica de substituir as esculturas pelas cópias. Longe disso. O objetivo é fazer o mapeamento de cada uma, conhecer o sistema construtivo, desenvolver pesquisas e garantir segurança integral ao acervo.
O primeiro deles, Joel, localizado na fila do alto, no lado direito da basílica, está duplamente pronto, ganhando reprodução em fibra de vidro, pó de pedra e resina, no tom cinza escuro, e outro em gesso. O segundo da linha de produção é Jonas, que já está moldado em silicone e, a exemplo de Joel, esperou quatro meses para entrar em cena e receber o olhar atento dos técnicos. “Se um dia alguém causar dano a um dos profetas, num ataque de vandalismo, mesmo que haja segurança no local, haverá condições de se fazer a restauração sem problemas e com total fidelidade. Além disso, a escultura em fibra de vidro poderá participar de exposições em qualquer lugar”, informa a coordenadora do setor de Cultura da Unesco no Brasil, Jurema Machado.
No início da noite de sexta-feira, ela viu pela primeira vez – e aprovou – a réplica do profeta na companhia do presidente do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), Luiz Fernando de Almeida, e do superintendente do órgão em Minas, Leonardo Barreto de Oliveira. As reproduções dos 12 profetas vão ficar na reserva técnica do Memorial Congonhas/Centro de Referência do Barroco e Estudo da Pedra, fruto da parceria entre Unesco, Prefeitura de Congonhas e Iphan, com investimento de R$ 15 milhões e inauguração prevista para o primeiro semestre de 2012. Em visita às obras do memorial, Luiz Fernando disse que o cronograma está normal e que o local será um centro de excelência com equipes internacionais e gestão compartilhada entre Unesco, prefeitura local e Iphan.
Análise
No ateliê trabalham as equipes contratadas pela Unesco para confecção dos moldes e réplicas. A arquiteta e especialista em patrimônio Deise Cavalcanti Lustosa revela que as pesquisas para o projeto iniciaram-se há mais de três anos e, nesse período, houve apoio decisivo do reitor do santuário, padre Benedito Pinto da Rocha. Antes de começar a execução, em setembro de 2010, foi contratado um geólogo da Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop) para analisar a situação dos monumentos de pedra-sabão e afastar eventuais surpresas. A primeira etapa consistiu na higienização dos dois profetas e basta prestar atenção em Joel e Jonas para ver que, realmente, eles estão bem mais limpos que os demais.
Depois da limpeza, foi aplicado um desmoldante (camada de proteção sobre a escultura) e feito o molde com silicone líquido, num processo que durou dois meses. Finalmente, a equipe fez a contrafôrma ou capa em silicone de vidro. Na sexta-feira pela manhã, o professor da Escola de Belas Artes da UFMG João Augusto Cristeli, integrante da equipe, tirou os parafusos da contrafôrma de Jonas e mostrou as placas de silicone já endurecido que darão forma aos “novos profetas”.
Em outra sala do ateliê, Deise mostrou a réplica em gesso, que ficará na reserva técnica do futuro memorial. “Temos gravados na superfície do gesso toda memória da peça, como o encaixe dos blocos, marcas feitas por visitantes (nomes, datas etc.), lesões e outras agressões ao longo dos anos. É como se fosse um raios x, um decalque da original”, afirma. Nas décadas de 1950 a 1970, moldes e réplicas dos profetas foram feitos por um especialista, mas a maior parte se perdeu e acabou degradada, sem chance de uso na atualidade.
Saiba mais
Semana do Aleijadinho
Antonio Francisco Lisboa viveu em Congonhas entre 1796 e 1805 e deixou na cidade um dos maiores conjuntos de arte barroca do mundo, com 66 imagens esculpidas em cedro, seis relicários e 12 profetas em pedra-sabão. Para comemorar o nascimento do mestre do barroco (29 de agosto de 1730), Congonhas promove até sexta-feira a Semana do Aleijadinho, parceria da prefeitura local e Fundação Clóvis Salgado. Na programação, há entrega de comendas, palestras, oficina com o artista plástico Luciomar Sebastião de Jesus e outras atividades culturais para estudantes, professores e demais interessados. Segundo os organizadores, o objetivo do festival, que ocorre há mais de 20 anos, é fortalecer a memória e a identidade do mestre, para que novas gerações conheçam seu trabalho e a importância dele na história. “Em outros lugares, Aleijadinho foi arquiteto, escultor, santeiro e ornamentista, mas em Congonhas ele atuou apenas como escultor”, orgulha-se Luciomar.
História do santuário de Congonhas
1800 a 1805
Aleijadinho esculpe os 12 profetas para o adro do Santuário do Senhor Bom Jesus do Matosinhos, em Congonhas
1938
Conjunto do santuário é tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan)
Décadas de 1950 a 1970
São feitos moldes e réplicas dos profetas, mas a maioria se perde ou sofre degradação
Início da década de 1980
Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais (Iepha) promove limpeza mecânica dos profetas com técnicas não mais usadas (escova de náilon, sabão de coco etc.)
1985
Conjunto do santuário é reconhecido como patrimônio cultural mundial pela Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (Unesco)
1996-1998
Numa parceria Brasil-Alemanha, entra em ação o Projeto Ideas para estudo de degradação dos materiais pétreos e edificações históricas. Começa a ser usado um biocida para limpar as esculturas e evitar lesões e ataques principalmente de líquens
2002-2003
Surge a polêmica de substituição dos profetas originais pelas réplicas devido ao ataque de líquens, fungos e outros micro-organismos. Em 2003, é lançado o projeto de construção do Museu do Barroco, que com o tempo se tornou Memorial Congonhas/Centro de Referência do Barroco e Estudo da Pedra
2011
Com a chancela da Unesco, fica pronta a primeira réplica, a do profeta Joel