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Estado de Minas

Família de origem italiana tenta desvendar mistério de âncora levada para fazenda


postado em 27/08/2011 07:52 / atualizado em 27/08/2011 08:19

Pelo menos três toneladas de ferro maciço. Dois metros de altura e dois de largura, de uma garra a outra. Essas são as medidas da âncora rebocada das margens do Rio das Velhas até a sede da Fazenda Uruguaia, em Beltrão, distrito de Corinto, na Região Central de Minas. Os Maldinis, uma das famílias desbravadoras da região e intimamente ligada ao trambolho, precisaram de 10 juntas de bois (20 animais) para arrastar a peça, pesada o suficiente para ancorar um transatlântico, até sua propriedade e transformá-la em monumento da mentira.

Qual o motivo de tão pesado objeto gozar da intimidade dos Maldinis, se eles nunca foram navegadores, e sim criadores de gado de corte? Esse é o mistério, resultado das versões criadas para justificar o aparecimento daquele objeto na beira do Rio das Velhas. Como nenhuma das histórias pôde ser oficialmente confirmada, deu na cabeça da família de origem italiana, mas encorpada no Uruguai, usá-la como instrumento de homenagem aos contadores de balelas.

Antes de chegar à âncora, os Maldinis precisavam chegar ao Brasil. Na segunda década do século passado, Pablo Antônio Maldini, descendente de italianos e criador de bois, cavalos e ovelhas no Uruguai em sociedade com irmãos e um amigo, viu o horizonte do país vizinho encurtar diante dos seus sonhos e resolveu investir em outras paragens. Tentou o Paraguai e não gostou. Um encontro com o então ministro e embaixador do Brasil em Montevidéu, Manuel Bernardes, selou o seu destino: o Brasil.

Bernardes tinha uma concessão de terras na Serra do Cabral, entre os municípios de Buenópolis e Augusto de Lima. Pablo Maldini se encantou com a região. Chegou a ver semelhança da topografia com o Uruguai e fechou negócio com o já naquela época esperto político. Trouxe empregados, gado da raça hereford, ovelhas, cavalos e burros, pela ferrovia. Os animais chegaram ao Rio de barco e lá embarcados em vagões. Naquele tempo, comboios da Rede Ferroviária Federal, de carga e passageiros, ligavam Belo Horizonte a Monte Azul. Era o Trem do Sertão. O desembarque foi quase na entrada da fazenda.

Restava a Pablo Maldini apenas sonhar com bois gordos e ovelhas cobertas de lã. A mulher, Guilhermina, e quatros dos cinco filhos do casal – depois nasceria a brasileira Ema – ficaram no Rio. As crianças precisavam estudar. Os sonhos de Pablo Maldini não renderam dividendos. Entrara numa região selvagem. Bezerros, ovelhas, burregos e burricos entraram como iguaria especial no cardápio das onças. E havia carrapatos, malária e outras doenças tropicais.

E Pablo Antônio Maldini resolveu descer a Serra do Cabral. Comprou terras de perder de vista nos vales dos rios das Velhas e Bicudo. “Ele fez o negócio em sociedade com a família Balbiani”, conta Marisa, filha de Ema e neta de Pablo. Cercaram com arame liso (no Uruguai não se usava o farpado) e encheram os pastos de gado zebu, mais forte e mais tolerante ao clima do país tropical. Guilhermina se animou, pegou o trem e veio ficar com o marido.

Depois da morte de Pablo, desfez-se a sociedade com os Balbiani e Guilhermina dividiu a fazenda dos Maldinis com os filhos. Mas e a âncora? ”A siderúrgica Ferro Brasileiro arrendou terras na região para fazer carvão, alimento de seus alto-fornos em Caeté e Santa Bárbara”, relata Marisa. Para atravessar o produto do desmate de um lado a outro do Rio das Velhas, a empresa mandou construir uma balsa. Quando chovia e as águas ficavam demasiadamente rebeldes, a balsa, mesmo amarrada, corria o risco de acompanhar a correnteza.

“A sede da companhia, no Rio de Janeiro, teria recebido o pedido de uma âncora para ser atrelada à balsa, e comprou uma em um depósito de sucata”. Marisa não tem certeza se foi assim mesmo. Mas a peça apareceu e nunca foi usada. Incompatibilidade de peso e tamanho. Foi talhada para servir a navio de grande porte e não a uma embarcação pequena, até hoje usada por moradores do Vale do Rio das Velhas. Essa é uma das versões para a âncora.

A outra a transfere para um vapor naufragado no Velhas, na divisa das terras dos Maldinis e dos Alvarengas. Naquele tempo, navegava-se de Sabará, na Grande BH, até o Oceano Atlântico. Mas se a âncora do Benjamin Guimarães, vapor em operação até hoje em Pirapora, no Rio São Francisco, é cinco vezes mais leve, aquela achada em Beltrão não poderia pertencer ao barco afundado, de mesmo porte.

Um gaiato até tentou aplicar nos Maldinis outra versão, a terceira: a âncora poderia ser de uma embarcação do aventureiro sir Richard Burton. Ele desceu o Velhas, o São Francisco e parou no mar, na divisa dos estados de Alagoas e Sergipe. Mas o abusado do inglês, devastador também de regiões africanas, passou por Beltrão assoviando e remando uma canoa. Isso em 1867, muito, muito antes dos Maldinis, da Ferro Brasileiro, da Central do Brasil, dos Alvarengas, dos Balbianis…e da âncora.

A peça ficou na margem esquerda do Velhas, em Beltrão, entre as propriedades dos Maldinis e dos Alvarengas. A Ferro Brasileira autorizou a retirada do trambolho e os Alvarengas, gentilmente, cederam a honra aos Maldinis. No fim da década de 1960, João Guilherme, neto de Pablo, atrelou as 10 juntas de bois, juntou um monte de homens e a arrastou. Na Fazenda Uruguaia, construiu uma estrutura com duas traves de madeira e um travessão com um pedaço de trilho. Um trator, não um trator qualquer, levantou a âncora com um guindaste e a pendurou onde foi batizada como monumento da mentira.

De andarilhos a um matador

Os Maldinis tinham prestígio na região. Tanto que, como a linha férrea passa a menos 100 metros da sede da Fazenda Uruguaia, a Rede Ferroviária Federal construiu, a pedido da família, uma parada. Pequena, mas coberta. O Trem do Sertão fazia pausa de três minutos apenas. Como Pablo era apaixonado por árvores, usou e abusou do plantio de várias espécies, principalmente mangueiras, em torno da casa. Os passageiros desciam para pegar frutos e, na pressa, para aproveitar bem os 180 segundos, perdiam relógios, canetas, carteiras e outros objetos, recolhidos depois pelos empregados da propriedade.

A fazenda, por causa de localização, recebia visitas de figurões da política, empresários, andarilhos e loucos. Todos eram recebidos educadamente e alimentados. Até um alemão, foragido da Segunda Guerra Mundial, passou por lá. ”Um pobre da cabeça perturbada”, como descreve Bertha Corina Maldini, filha de Pablo, no livro Pequena história de minha vida , no qual narra a saga dos Maldinis. O alemão era afinador de piano e deu um jeito em um instrumento que caducava em um canto da sala.

Quem não fazia desfeita da boa mesa dos Maldinis era Luiz Burlamaqqui, que foi diretor da Rede Ferroviária em Minas. Quando descia na Fazenda Uruguaia com sua comitiva, a cozinha se agitava entre leitões, frangos e filés. É claro que, nesse caso, a parada ultrapassava os três minutos, porque, de ferro, era só o trem. Uma visita da qual a família não se orgulha foi a do coronel Dilermando de Assis, o homem que matou o jornalista e escritor Euclides da Cunha. Um crime passional.


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