Ana Lígia de Paula, de 39 anos, tem deficiência mental moderada, que gera um atraso no desenvolvimento de habilidades como se comunicar e cuidar de si. Todos os dias ela sai de casa, na Pampulha, e vai até a Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (Apae), no Santa Tereza, onde ajuda a cuidar de alguns meninos atendidos pela entidade. Para isso, ela arca com o custo de dois ônibus, já que em julho deste ano não conseguiu renovar o direito à gratuidade no cartão BHBus Benefício Inclusão e perdeu o direito ao passe livre nos serviços de transporte coletivo de Belo Horizonte.
Mas no último sábado, mais de um ano após entrar em vigor uma portaria (029/2010) da Empresa de Transportes e Trânsito da capital (BHTrans) que restringia o acesso ao benefício, foi publicado um novo texto no Diário Oficial do Município, invalidando o anterior. Desde março do ano passado, somente pessoas com deficiência mental grave ou profunda poderiam receber a gratuidade. Agora, conforme texto assinado pelo presidente da empresa, Ramon Victor Cesar, quem tiver “funcionamento intelectual inferior à média, com manifestação antes dos 18 anos e limitações associadas a duas ou mais áreas de habilidades adaptativas, tais como comunicação; cuidado pessoal; habilidades sociais; utilização dos recursos da comunidade; saúde e segurança; habilidades acadêmicas; lazer e trabalho”, pode solicitar o serviço.
Se uma das barreiras vencidas anteriormente por Ana era o contato com outras pessoas, a impossibilidade de fazer as atividades na Apae durante um período de 15 dias a levou a ficar mais esquiva no meio social. Agora, ela terá novamente a ajuda para se deslocar até o serviço. “Lá é bom, os meninos são alegres, brincam, correm. Eu fiquei brava por não poder ir à Apae”, conta. Companheira de Ana Lígia, Maria da Conceição Pires dos Santos, de 40 anos, só não perdeu o seu direito à gratuidade nos ônibus porque tem, além da deficiência mental moderada, a física. Com deformidades na espinha desde que nasceu, Conceição tem dificuldades para passar na roleta do ônibus e reconhece a importância do passe livre para ela. “Não tenho dinheiro para pagar o transporte, e, se eu ficar em casa, pioro, fico com depressão. Não gosto de ficar parada, gosto de me reunir com os colegas da Apae”, desabafa Conceição.
Cidadania
Segundo levantamento feito em 2000 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 14,5% da população brasileira tem algum tipo de deficiência, sendo que em Minas esse número é de 14,9%. Em Belo Horizonte, as pessoas com deficiência representam 12,4% dos habitantes. Maria Dolores da Cunha Pinto, de 62, professora, especialista em educação especial, além de ex-presidente e atual integrante do Conselho Consultivo da Apae, esclarece que a deficiência mental pode ser agravada pelas condições sócio-econômicas em que o indivíduo se insere. “O passe livre é um reconhecimento do direito de cidadania das pessoas com deficiência mental. Se não promovermos a interação social, elas regridem. Que visão de mundo terão se o único lugar que conhecem é a casa onde moram?”, indigna-se Dolores.
Segundo ela, só nas casas lares da Apae, em Belo Horizonte, 25 deficientes mentais perderam a gratuidade no último ano. “Agora imagina o impacto de 20 dias de passagem, cerca de R$ 100, na renda de uma família que recebe um salário mínimo de assistência do governo ao portador de deficiência. Se tiver outros filhos, a mãe acaba reduzindo a saída daquele com necessidade especial”, ilustra a especialista.
Na Câmara Municipal, tramita um projeto de lei que pretende ainda excluir a renda familiar dos critérios adotados para conceder os benefícios a pessoas com deficiência.
Apae comemora 50 anos
A Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais de Belo Horizonte (Apae-BH) comemorou nessa segunda-feira 50 anos da instituição com muita festa. Várias pessoas se reuniram na quadra da entidade, no Bairro Santa Tereza, para celebrar o aniversário e a Semana Nacional da Pessoa com Deficiência. A atração principal foi a presença do Galo Doido, mascote do Clube Atlético Mineiro, que levou vários agasalhos doados pelo time, além de uma camisa oficial autografada por todos os jogadores do elenco atleticano.
O objetivo é levantar fundos para manter os serviços prestados pela instituição aos excepcionais e suas famílias. Para receber a mascote, a Banda da Diversidade, formada apenas por pessoas portadoras de deficiência intelectual ou múltipla que frequentam a Apae-BH, se preparou na porta da instituição para comandar a festa. Assim que o representante do Atlético chegou, os tambores começaram a tocar. Até os cruzeirenses se empolgaram. Eles cantaram e dançaram o hino atleticano ao som dos instrumentos da banda.
As comemorações vão até o próximo domingo, dia 28. Outras informações pelo site belohorizonte.apaebrasil.org.br ou pelo telefone 3489-6939.
