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Estado de Minas

Dentista gay se casa com sogra para poder se unir legalmente ao companheiro

Com reconhecimento da ligação estável entre casais do mesmo sexo, varas de família decidem analisar processos e evitar casos como o de um dentista que se casou com mãe de companheiro


postado em 10/05/2011 06:00 / atualizado em 10/05/2011 06:20

A decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de reconhecer a união estável entre pessoas do mesmo sexo, votada na quinta-feira, vai causar impactos no julgamento de processos na comarca de Belo Horizonte. A partir de agora, as varas de família vão abrir as portas para esses pedidos, que até a mudança na legislação eram tratados de forma genérica e divididos nas 35 secretarias civis do Fórum Lafayette. A mudança vai atender à determinação de que todos os casais homossexuais podem solicitar os mesmos direitos concedidos a um casal heterossexual e evitar situações vividas por gays que buscavam em brechas da Justiça a garantia dos direitos patrimoniais. Em um caso inusitado, o dentista Paulo (nome fictício) chegou a se casar com a mãe do seu companheiro, Fábio (nome fictício), para ter acesso à pensão da mulher depois da morte dela. “Foi uma saída que encontramos para ter uma reserva financeira no futuro”, explicou Fábio.

De acordo com o juiz da 1ª Vara de Família do Fórum Lafayette, professor da Escola Superior Dom Helder Câmara, Newton Teixeira de Carvalho, apenas ele entre magistrados de 1ª instância em Belo Horizonte trata o assunto como caso de família. “Desde a criação da Constituição Federal homologuei apenas dois casos de união homoafetiva porque os processos não são direcionados para a Vara de Família. O pensamento da maioria dos juízes de Minas era tratar os casos apenas como dissolução de sociedade civil. O correto é que seja tratado como caso de entidade familiar, desde que os homossexuais comprovem o desejo de união, de fidelidade, de constituir família, ainda que sem filhos ”, afirmou.

Para ele, apesar de tardia, a decisão do STF foi um avanço na garantia dos direitos constitucionais. “É um grande ganho, pois deixamos de discriminar pessoas que contribuíram durante toda a vida, que pagaram impostos e que no futuro não puderam usufruir disso. É um cumprimento exíguo dos princípios constitucionais. A orientação sexual não pode ser motivo de discriminação nem empecilho para o acesso aos direitos como cidadão, como pensão alimentícia, adoção e dependência em planos de saúde”, defende Carvalho. O juiz  vai além: “As opiniões precisam mudar no fórum. É preciso quebrar paradigmas. Todos teremos de fazer uma leitura mais elástica, mais aberta e permissiva”.

Vanguarda

A legalidade da união homoafetiva também foi vista de forma positiva pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), que há décadas acompanha a luta dos casais gays por este direito. “A argumentação do ministro Ayres Britto, relator do processo, foi brilhante. Ele se baseou no artigo 3º da Constituição Federal, que veda qualquer tipo de discriminação em virtude de sexo, raça, cor ou preferência sexual”, afirmou a presidente da Comissão da Diversidade Sexual da OAB, especialista em direito homoafetivo, Marisa Campos.

Para a advogada, essa decisão coloca o Brasil na vanguarda, mas já adianta a necessidade de reconhecimento também do casamento civil, como já ocorre em países como Portugal, Espanha e Argentina. “Daqui a pouco, esse vai ser um desafio para Justiça. É melhor que o Legislativo se antecipe quanto a isso. Há um projeto de lei que instituía união civil tramitando desde 1995 e que até hoje não foi votado. Provavelmente agora, o PL precisa de modificações para se adequar ao julgamento do STF, que é mais abrangente”, disse a advogada. Sobre a união entre casais gays, ela adverte que o processo não é automático, ou seja, é necessário que os companheiros solicitem no cartório ou diretamente na Justiça o reconhecimento da união.

COM A SOGRA Convivendo juntos desde 1992, o dentista Paulo e o procurador Fábio construíram patrimônio comum, como casas e automóveis. Mas diante da impossibilidade de legalizar a união, buscaram alternativas no Código Civil para garantir direitos patrimoniais e de pensão. “Fizemos um contrato de parceria para constituição de patrimônio, que é civil, mas com objetivo mercantil. Assim, tudo o que construíssemos seria partilhado. Além disso, nós dois fizemos seguro de vida. Outra alternativa foi casar o Paulo com minha mãe, para que ele tivesse direito à pensão depois da morte dela. Acho que o Supremo Tribunal Federal  foi sensível a todas essas dificuldades e tomou esta decisão tão sábia”, disse Fábio. Ele defende que a mudança não atende a uma posição política ou ideológica, mas ao direito de igualdade.

 

Entrevista/Carlos Magno

 

Como os homossexuais mineiros avaliaram a decisão do STF?
– Com muita alegria. A comunidade está feliz pelo reconhecimento da união homoafetiva, não só no que tange à decisão judicial, mas sobretudo pela qualidade do debate feito no julgamento. Foi a primeira vez que vimos o tema discutido com seriedade. Sentimos muito orgulho de sermos brasileiros. É a primeira vez que a corte brasileira debate a questão dos nossos direitos com muita qualidade e com reconhecimento profundo da nossa realidade.

Isso faz vocês acreditarem mais na Justiça?

– O Judiciário, mais uma vez, saiu na frente junto com o Executivo, mas precisamos pressionar mais o Legislativo, pois não tem respondido nossas demandas à altura. O projeto que trata da união civil entre homossexuais, ou seja, do casamento, está engavetado há 16 anos. O Projeto de Lei 122, que caracteriza a homofobia como crime, está no Senado e tem encontrado muita dificuldade para ser votado.

O que muda para vocês agora?
– Passamos a ter direitos que antes ficavam reféns de decisões judiciais. Pela ausência de uma lei, tínhamos 79 direitos a menos em relação a um casal heterossexual. Agora vamos tomar posse disso. A partir dessa decisão, temos a garantia dos nossos direitos e a efetiva cidadania.

Foi uma decisão tardia?
– Ela vem tarde, porque há 16 anos o Brasil discute a união civil no Congresso Nacional. O Brasil era vanguarda nessa discussão e hoje estamos até atrasados, porque outros países, como Portugal, Argentina, Uruguai e Espanha, já reconhecem o casamento entre homossexuais.

Agora a comunidade vai buscar o direito ao casamento?
– Vamos sim. O censo do IBGE apontou que há 60 mil casais homossexuais no Brasil e esse número pode ser ainda maior. Com essa decisão, certamente outros casais vão fazer suas uniões e requerer o direito ao casamento civil.

A lei deixou algo a desejar?
– Estamos satisfeitos com a decisão. O que queremos agora é que o Legislativo proponha uma lei para o casamento.


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