O Instituto Brasileiro de Museus (Ibram) confirmou nessa sexta-feira que quase duas décadas de pesquisas levaram à identificação dos restos mortais de três homens que atuaram ao lado de Tiradentes na Inconfidência Mineira. As imagens dos estudos realizados por especialistas em odontologia legal da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) foram divulgadas em Brasília. Os ossos de José Resende Costa, Domingos Vidal Barbosa e João Dias da Motta, que haviam sido repatriados de Guiné-Bissau, na África, para o Brasil nos anos 1930, permaneciam guardados no arquivo do Itamaraty, no Rio de Janeiro.
Os ossos estavam guardados em condições precárias, junto a pedras, terra e pedaços de papel, que impediram a identificação por meio de exame de DNA. Mesmo assim, as técnicas de antropologia forense utilizadas pela equipe da Unicamp garantem uma probabilidade grande na identificação correta dos inconfidentes. “Quando nós começamos a observar os segmentos (ósseos), percebemos que daria para calcular até a estatura que um deles tinha. Mas nosso interesse maior era na identificação desses inconfidentes”, explica o professor doutor Eduardo Daruge, chefe do grupo de pesquisadores.
De acordo com Daruge, havia 140 fragmentos de ossos do crânio de José Resende Costa. Com a ajuda de uma tomografia computadorizada, foi possível reconstituir a imagem do crânio em três dimensões. O documento foi enviado à Universidade de Londres, na Inglaterra, onde foi gerada a imagem da possível face do inconfidente, que tem muitas características semelhantes às de um trineto de Resende Costa. Devido à falta de material genético apropriado, os pesquisadores não reconstituíram os rostos de Domingos Vidal Barbosa e João Dias da Motta.
O trabalho do professor Daruge começou em 1993, e não recebeu apoio financeiro do governo, segundo ele. “Elaboramos um projeto e ele foi enviado a várias instituições, mas, infelizmente, foi indeferido. Além de não ter recebido nenhuma colaboração para a realização dessa pesquisa, eu até gastei dinheiro do meu bolso”, afirma. Apesar de não haver pistas, não estão descartados novos estudos em busca dos restos mortais dos 10 inconfidentes não localizados. “Se surgirem outros indícios, vamos atrás para a confirmação. O importante é que isso gere outras pesquisas”, considera o presidente do Ibram, José do Nascimento Júnior.
Os identificados
José Resende Costa, pai (1728-1798)
Era capitão do Regimento de Cavalaria Auxiliar da Vila de S. João e fazendeiro em Arraial da Laje, hoje chamado Resende Costa (MG). José Resende Costa, pai, foi preso em 1789, junto com seu filho de mesmo nome, e condenado à morte com outros inconfidentes. No degredo, foi contador e distribuidor forense até 1798, quando morreu. Seu filho voltou ao Brasil em 1803.
João Dias da Motta (1744 – 1793)
Nasceu em Vila Rica. Foi capitão do Regimento da Cavalaria Auxiliar da Vila de S. João e fazendeiro. Era amigo de Tiradentes. Morreu em setembro de 1793, nove meses após chegar a Cacheu, de uma epidemia que assolou a região.
Domingos Vidal de Barbosa (1761-1793)
Nasceu em Capenduva, de família abastada. Estudou medicina em Bordeaux, na França. Participou de forma discreta na conspiração. Encontrou-se com Thomas Jefferson (então embaixador na França e depois presidente americano) na Europa, quando teria obtido apoio à causa dos inconfidentes.
Para entender
Depois da execução brutal de Tiradentes, único condenado à morte, enforcado e esquartejado em 21 de abril de 1792, os outros inconfidentes foram mandados para o desterro em Portugal e na África. Entre eles estavam os mineiros José Resende Costa (pai), João Dias da Motta e Domingos Vidal de Barbosa.
Os três foram enviados para Lisboa em junho de 1792. De Portugal, seguiram para o degredo na África – dois para Cabo Verde e outro (João Dias da Motta) para a Vila de Cacheu, Guiné Portuguesa, uma região inóspita onde viviam algumas tribos.
Conforme documentos históricos, Domingos Vidal de Barbosa e João Dias da Motta morreram em 1793. José Resende Costa, em 1798. De acordo com informações prestadas pelas tribos, os três brasileiros foram enterrados ao lado de uma pequena igreja da vila.
Em 1932, os despojos foram exumados na Vila de Cacheu, a pedido do cônsul brasileiro em Dakar, e identificados como sendo dos três degredados. A identificação, no entanto, baseava-se em informações prestadas por uma indígena, que havia ouvido de seus pais e avós a história de que naquele local estavam enterrados três brasileiros exilados.
Os restos mortais foram repatriados para o Brasil, ficando no arquivo histórico do Itamaraty, no Rio de Janeiro. Eles foram colocados juntos em uma única urna, em condições precárias.
Em 1936, o presidente Getúlio Vargas assinou decreto determinando o repatriamento dos despojos de todos os inconfidentes mortos nos degredos de Portugal e África. No mesmo ano, as urnas de outros 13 inconfidentes chegaram ao Rio de Janeiro e, pouco depois, foram enviados para Ouro Preto. Em 1942, seria criado o Panteão dos Inconfidentes, para onde foram então levados.
As ossadas dos degredados exumados em Cacheu, porém, por motivos desconhecidos, não foram juntadas às demais em Ouro Preto. Elas permaneceram no arquivo do Itamaraty, o que aumentou as dúvidas dos historiadores sobre a identidade dos mortos.
Só em 1992 as ossadas dos três chegaram a Ouro Preto, ficando em uma igreja à espera de pesquisa sobre sua identidade. Desde 1980, o diretor do Museu, Rui Mourão, e a equipe de pesquisadores da instituição vinham estudando a autenticidade das ossadas
O diretor do museu solicitou a colaboração científica da equipe do Curso de Pós-Graduação do programa de Odontologia Legal e Deontologia da Faculdade de Odontologia de Piracicaba da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) para examinar as ossadas
Em junho de 1993, a equipe da Unicamp, chefiada pelo professor doutor Eduardo Daruge, recebeu o material e começou a separar as peças ósseas. Havia fragmentos de ossos, terra, pedras, pedaços de jornal picado, fios de cabelo e outros materiais
Analisando cada fragmento de osso pela cor, espessura, relação de continuidade com outras peças encontradas e características anatômicas, a equipe separou materiais referentes a três pessoas
As peças ósseas de cada um foram submetidas a exames de densitometria óssea, exame radiográfico que mede a densidade dos ossos para indicar a idade do organismo.
No caso dos inconfidentes, havia grande diferença de idade entre eles. Resende Costa nasceu em 1728. João Dias da Motta, em 1744, e Domingos Vidal de Barbosa, em 1761. Os resultados indicados pela densitometria coincidiam com as idades estimadas dos inconfidentes, ao morrer.
Panteão da Inconfidência
Vinte e seis nomes estão associados à Inconfidência Mineira ou Conjuração Mineira e foram registrados no Museu da Inconfidência, em Ouro Preto. Destes, 13 tiveram restos mortais identificados e estão sepultados no Panteão da Inconfidência. Confira a lista:
Inácio José de Alvarenga Peixoto
Tomaz Antônio Gonzaga
João da Costa Rodrigues
Francisco Antônio de Oliveira Lopes
Salvador Carvalho do Amaral Gurgel
Vitoriano Gonçalves Veloso
Vicente Vieira da Mota
Antônio Oliveira Lopes
José Aires Gomes
Luiz Vaz de Toledo Pisa
Domingos de Abreu Vieira
Francisco de Paula Freire de Andrada
José Álvares Maciel
Fonte: Instituto Brasileiro de Museus/Ministério da Cultura