Uma das boas lembranças que guardamos de viagens ao exterior são sem dúvidas os livros, que nunca saem da moda, nunca ficam velhos e são uma alegria quando encontrados. Sempre tive essa mania de correr livrarias em busca de novidades que não são encontradas por aqui. No meu caso específico e profissional, muita moda e gastronomia. E foi um desses livros raros que descobri num desses dias de viagem por Portugal.
Trata-se de uma preciosidade, “À mesa com Eça de Queirós”, da portuguesa Maria Antônia Goes, que até onde eu sei, não deve ser conhecida por aqui. Na introdução à sua obra, a autora diz: “Leitora compulsiva de Eça de Queirós desde a adolescência, sempre me impressionei com quantidade de citações gastronômicas na obra do grande mestre. Quantas cenas se passam à mesa em Tormes, na casa da Torre de Gonçalo Ramires, na Rua das Flores, no Ramalhete de “Os Maias, na Leiria do Padre Amaro ou em restaurantes?”
Mais adiante: “Depois de selecionados os pratos, encontrei o livro 'Era Tormes e amanhecia', do embaixador Dário Moreira de Castro Alves, que me prestou um precioso auxílio a que se seguiu uma paciente e empenhada pesquisa das receitas em livros de época, pois era meu propósito respeitar os sabores daquele tempo”.
Para falar pouco, os livros de Eça de Queirós podem ser comparados, na qualidade e excelência, com os livros de memórias do mineiro Pedro Nava, todos eles recheados com a cozinha brasileira.
Diferentemente, Nava relatava principalmente os pratos que apreciava na família, entre amigos e até em algumas lendas belo-horizontinas, com as empadinhas do bar Estrela, reduto cultural de sua época, na Rua da Bahia. Nava compara comidas mineiras com as de outros estados e uma dela é a feijoada, servida pela sua família e em outras casas. Ele entra em minúcias, relatando que couve boa, para acompanhar pratos, não é picada com faca, mas rasgada com as mãos.
A escritora portuguesa criou um livro que aparecem no texto de Eça de Queirós, começando com as entradas e indo até sorvetes e sobremesas. Nas entradas, cita pratos difíceis de serem copiados aqui, como o foie-gras (que aparece em “A cidade e as serras”), receitas de café, bebidas, refrescos, sucos e até um rebuçado de avenca (de “O primo Basílio”) difícil de reproduzir porque não sabemos que aquela folhagem que temos aqui, para decoração, pode ser usada na cozinha.
Algumas das receitas são encontradas até hoje em Portugal, como as queijadas de Sintra (“Os Maias”) que são preparadas até hoje na bela cidade. Quem quer manter a tradição encomenda os doces e espera sua vez de recebê-los tomando um bom vinho no café que fica um pouco abaixo, na praça a cidade, em frente ao castelo. A receita é a mesma que conhecemos por aqui, preparada com 24 gemas de ovos, queijo fresco, açúcar e farinha de trigo. Para fazer, bate-se o queijo fresco e um pouco de farinha. Com a farinha de trigo e um pouco de sal se prepara uma massa que será transformada em forminhas assadas para conter a mistura de ovos, ou seja, a queijada. Depois, as forminhas assadas são recheadas com a mistura de ovos e vão ao forno para completar o doce.
Receita de fazer goiabada (“Correspondência de Fradique Mendes”) não falta. Só que, depois de pronto, o doce passa vários dias sendo secado ao sol – os ladrilhos de marmelada – levam sete dias para secar. Outra receita do livro que é fácil de fazer é o xarope de groselha (“Ecos de Paris”), feito com groselhas vermelhas, açúcar e água.
CONHEÇA O AUTOR Eça de Queirós foi um dos mais importantes escritores do realismo português sendo considerado o maior representante da prosa realista da língua portuguesa. Além de escritor, exerceu também a profissão de jornalista e advogado. Passou grande parte de sua infância na cidade de Aveiro aos cuidados de sua avó. Mais tarde, foi morar no Porto a fim de estudar no Colégio Interno da Lapa, no qual se formou em 1861.Seguiu os passos de seu pai (Magistrado e Par do Reino) e foi estudar direito na Universidade de Coimbra, graduando-se em 1866. Chegou a exercer a profissão de advogado e, mais tarde, de jornalista na cidade de Lisboa. Além disso, entrou para a carreira política sendo nomeado Administrador do Concelho de Leiria (1870); cônsul de Portugal, em Havana (1872); cônsul de Newcastle e Bristol, na Inglaterra (1874); e cônsul de Portugal, em Paris (1888). Já em Paris, em 1886, casou-se com Emília de Castro Pamplona Resende com quem teve quatro filhos: Alberto, Antônio, Maria e José Maria. Características das obras Eça de Queirós foi um inovador da prosa realista portuguesa ao criar formas de linguagens, neologismos e mudanças na sintaxe.
UM POUCO DAS OBRAS Em 1875 é considerado o marco inicial do realismo em Portugal, com o lançamento do romance "O Crime do Padre Amaro". Na obra, Eça faz duras e diretas críticas à vida social portuguesa, denunciando a corrupção do clero e a hipocrisia escondida pelos valores burgueses. O autor continua com essa linha de críticas sociais em seu próximo romance "O Primo Basílio", publicado em 1878 e também em "Mandarim", de 1880 e em "Relíquia", 1887. Em 1888, foi nomeado cônsul em Paris e publicou "Os Maias", história de uma família durante três gerações. Nesse romance, o escritor deixa transparecer uma profunda descrença no progresso, trazendo colocações recheadas de ironia e pessimismo. Outros livros trazem algumas receitas curiosas, como a “cabidela” ancestral de nosso frango ao molho pardo, que aparece no livro “A cidade e as serras”: “Ao matar a galinha é preciso recolher o sangue dentro de uma tigela com um pouco de vinagre no fundo, tendo o cuidado de mexer sempre para não coalhar. Aloura-se cebola picada em azeite, junta-se a galinha cortada aos bocados e aloira-se. Tempera-se com sal e pimenta e um ramo de salsa. Vai-se deitando água aos poucos para a galinha cozer. Depois da galinha cozida, deita-se uma concha de molho na tigela de sangue, mexe-se e junta-se ao guisado de galinha. Leve-se ao lume só para cozer o sangue, tempera-se com uma pitada de cominhos e serve-se com fatias de pão.”