
Se a passarela já é o ápice para os veteranos, imagina para quem está começando. Com o intuito de ser uma vitrine para novos talentos, o UnaTrend está de volta ao calendário da moda, depois de uma pausa de dois anos. Em sua 18ª edição, o desfile coletivo apresentou ao mercado o trabalho autoral dos formandos deste ano. Palco para experimentação, permite explorar caminhos menos óbvios.

“Já que houve um hiato pandêmico, em que ficamos sem desfiles, a nossa intenção era voltar às origens, conectando passado, presente e futuro”, comenta a professora Gabriela Ordones, que assinou a direção de imagem e o styling do UnaTrend. Traduzindo, o evento retorna resgatando seu objetivo de jogar luz sobre os trabalhos dos alunos e apontar o que está por vir na passarela.

O desfile, que passa a ser realizado anualmente, reuniu 13 coleções de quatro turmas do ano. Em meio a tantas marcas de vestuário, destacam-se trabalhos que seguem caminhos menos esperados, com acessórios e calçados. “Estamos surpresos com a diversidade nessa retomada. Talvez seja um certo amadurecimento de entender que existem outras formas de extravasar a criação”, opina Gabriela. Segundo ela, os alunos acabam descobrindo a vocação na prática.

Jade Sales e Alexsander Moreira transformaram a paixão por botas em negócio, mesmo sem ter nenhuma experiência na área. Juntos, criaram a marca Magari, que continuará fora da sala de aula. “Aprendemos todo o processo com a ajuda de um designer de calçados e pegamos tanto gosto pelo trabalho que vamos seguir com a marca”, ela conta.

Na estreia, eles uniram as botas de couro a outra paixão comum, que é o rock. A coleção Rock Fever se inspira no universo do estilo musical e seus personagens marcantes, dividindo-se em três linhas. Uma delas, Glam Rock, traz a extravagância do brilho e das cores. A bota branca de bico redondo e cano curto estampa os raios do cantor David Bowie em rosa e dourado.

O indie rock está representado pela bota azul. “O indie rock é conhecido por não seguir um padrão, então usamos bordados e aplicações, cada um feito de uma maneira.” De cano longo e bico fino, o calçado flerta com o estilo caubói. Arabescos em linha azul mais claro enfeitam as laterais.

Intencionalmente, Amanda Amorim e Jéssica Silva queriam propor algo diferente e decidiram explorar o mercado de acessórios. Não satisfeitas, ousaram ainda mais ao criar peças que vestem o corpo. “São armaduras para o dia a dia”, resume Amanda, fazendo um paralelo com o tema da coleção Primal.

Os acessórios de latão da marca Corpus Complement transportam para a moda personagens dos quadrinhos e seus poderes. Chamam a atenção as impactantes peças de rosto. Enquanto uma forma um arabesco ao redor do olho, representando a máscara de Katana, a outra é uma corrente cheia de pingentes de dentes, que se apoia no nariz e nas orelhas. Refere-se a Vixen, que capta habilidades dos animais.

Os anéis também não poderiam ser comuns. Em formato de chamas, eles se encaixam nas pontas dos dedos, como se o portador se transformasse no personagem El Diablo, que controla o fogo.
Além da ênfase na experimentação, que naturalmente norteia uma estreia, a professora enxerga outro ponto coincidente nas coleções: o resgate da brasilidade, tendência da moda nacional, que vive um momento de criar o futuro com identidade própria. “Mesmo quando a referência não é essencialmente brasileira, as coleções se constroem através de um olhar brasileiro. É como se tudo fosse colocado em perspectiva com o filtro do Brasil”, observa Gabriela.
ARQUITETURA A brasilidade foge do óbvio nas roupas da marca IDI. Para criar a coleção Estruturas, a dupla Maria Eduarda Oliveira e Ana Sofia Ferreira buscou referências em obras de dois ícones da arquitetura modernista nacional: Oscar Niemeyer e Lina Bo Bardi.
A saia que compõe um dos looks tem recortes que remetem às colunas curvas da fachada do Palácio do Planalto, conhecidas como “velas”. Em um look todo preto, o fundo vermelho do capuz se destaca. A cor não foi escolhida por acaso, é a mesma que colore os dois pórticos que “abraçam” o prédio do Masp. O linho (puro e misto) se impõe na coleção.
O trabalho exalta a estrutura “arquitetônica” das peças, e não os corpos que as vestem. “Fizemos roupas para gêneros fluidos, pois temos em mente atender todas as pessoas que se sentem à vontade em vestir com a coleção, independente de gênero e idade”, explica Maria Eduarda.
Outro destaque na passarela foi o patchwork da marca Irreal. Totalmente artesanal, o trabalho comemora os 30 anos do disco Dangerous, de Michael Jackson, um dos mais versáteis da história. Da música para a moda, a diversidade do jeans surpreende. Apesar de usar o mesmo tecido, os designers conseguiram misturar várias tonalidades e texturas na jaqueta, calça e bermuda e chapéu.
Com esse trabalho, Pedro Café, Juselma Ottoni e Gabriela Santos colocam em evidência duas discussões importantes da moda. O que fazer com o “lixo” têxtil? A marca recorre ao upcycling, dando novo uso a calças e jaquetas jeans que estavam paradas no armário. Outro ponto interessante é que as roupas são pensadas para vestir todos os corpos. “Roupa é um tecido, não define nada. A pessoa que vai decidir o que e como vestir”, reflete Pedro, consumidor da moda
agênero.