
"Sou apaixonada e obsessiva, tenho uma logística minuciosa para trabalhar e isso vem da minha formação em estatística"
Graça Ottoni
Foi a paixão pela moda que fez com que Graça Ottoni abandonasse a garantia de um emprego público e começasse um pequeno negócio na garagem da sua casa, na rua Brumadinho, em 1980; é o mesmo sentimento que a motiva a seguir adiante agora, retomando sua loja, no mesmo endereço do início da carreira.
O imóvel, que envolve duas casas conjuntas, tem muita história para contar e está passando por uma reforma total para abrigar o ponto comercial, e, ainda, a oficina e o acervo de coleções e memórias que a marca homônima carrega ao longo de 40 anos.
Porém, enquanto as obras prosseguem, desde o mês passado Graça está recebendo suas fiéis clientes no local, em um espaço cuidadosamente preparado para vendas, onde, além da coleção inverno 2022 nas araras, há um charmoso jardim lateral que emoldura o ambiente e possibilita o convívio com o verde.
Fechar a loja de Lourdes, após 21 anos de permanência no bairro, tornou-se uma decisão difícil, mas inevitável, diante das dificuldades enfrentadas durante a pandemia e reverberadas, particularmente, no setor da moda. Depois de um ano de indecisão quanto ao rumo a seguir, continuar no mercado utilizando o imóvel da família, que estava fechado, acalentou o coração da estilista e deu o gás necessário para que ela recomeçasse com a animação das pessoas que amam e acreditam no que fazem.
“Sou uma pessoa muito insistente e corajosa”, se define, lembrando que, quando deixou o trabalho na superintendência estadual de estatística, havia se separado recentemente, tinha dois filhos para criar – o mais novo com 5 meses –, não tinha experiência nesse mercado.
Mas o chamado estava no gene. Enquanto em um canto da sua mente havia espaço para o raciocínio lógico e cartesiano, números e estatísticas – o que fez com que escolhesse a formação em administração de empresas –, do outro florescia a criatividade e o desejo de moda.
“Sempre gostei das revistas especializadas, algumas delas ofereciam moldes para a confecção das roupas. Eu tirava esse molde, cortava o tecido, costurava para minhas irmãs e ainda cobrava delas. Ganhava dinheiro fazendo artesanato, fazia cinto, bolsas, colares, biquínis, explica Graça. Junte-se a isto o fato de ter crescido no interior, numa casa em que até os anos 1960 não tinha geladeira e que o fogão era a lenha. “Era tudo escasso, o que nos obrigou a tirar partido do que a gente tinha na mão, minhas irmãs e eu nos virávamos para nos vestir”, conta.
Enquanto exercitava o empreendedorismo por sua conta e risco e o Grupo Mineiro de Moda arrastava quarteirões para seus desfiles, a cidade se tornava um polo fashion. E a moça nascida em Teófilo Ottoni já se destacava como uma estilista autoral e intuitiva, que tornou seu trabalho conhecido e respeitado nacionalmente.
Exigente no caminho solo, incluiu na lista de parceiros profissionais competentes no cenário da época – o designer e artista Thales Pereira criou a logomarca, em 1982, e não teve dúvidas: muito antes do advento do marketing e do branding agressivos, definiu que Graça Ottoni era um nome sonoro e poderoso; o arquiteto Carico assinou o showroom da Savassi; o fabuloso Miro, responsável pelas campanhas das grifes mais conceituadas do Brasil, fotografava suas coleções para os catálogos.

INDEPENDÊNCIA
E quando as semanas de moda começaram no Brasil com uma importância que não têm mais hoje, a marca desfilava nas passarelas do Fashion Rio com a mesma filosofia: muito além das tendências, a estilista sempre investiu na independência, em repertório próprio originado nas suas verdades, intuição e gosto pessoal. A base sempre foi uma técnica apurada aliada à intervenção artesanal nos têxteis, tais como bordados, alinhavos, misturas de estampas, texturas e padrões.
São eles, os tecidos, que funcionam até hoje como ponto de partida para a elaboração das coleções. “Faço vários testes no começo para ver como eles vão se comportar e a possibilidade que oferecem. Se podem ser dublados, entretelados, molhados, bordados, estampados. Sou apaixonada e obsessiva, tenho uma logística minuciosa para me organizar e isso vem da minha formação em estatística”, ela pontua, mostrando as anotações, que incluem várias etapas: o desenho dos modelos, a ficha técnica completa, o índice geral de tudo até chegar aos moldes que, aprovados, vão para a caixa. “Se tiver alguma alteração do modelo, consigo corrigir na ficha técnica”, explica.
O que se pode conferir na atual coleção de inverno não foge muito do ponto originário. Entre o minimal e o handmade, o trabalho é atemporal e mira na cliente que gosta da Graça Ottoni. “Desde que deixei o atacado, em 2013, para me dedicar apenas ao varejo, fui mapeando essa cliente, que envelheceu comigo, mas deseja uma roupa contemporânea, com uma cara de moda”.
Nas araras, podem ser encontrados tanto o terno minimalista quanto a saia de babados do momento, intercalados pelos conjuntos de calça e blusa casuais, pelos tie dyes e outros tingimentos manuais. Os tradicionais crochês, que estão no DNA da marca, ainda são produzidos, como no início, por uma tia e pela irmã Léa. “À medida que a coleção avança, vou dando os retalhos para elas se situarem, mas o que predomina é mesmo a criação delas”, explica.
Para obter sucesso nesse modelo de negócios, a estilista conta que é necessário olhar para todos os lados: além de uma cultura de moda, é preciso focar no comercial. A observação da cliente é fundamental: “Temos que aliar o que está acontecendo com o estilo de vida das mulheres que nos compram e com a nossa bagagem intelectual e emocional”.
Graça calcula que o próximo verão já será lançado no espaço que está sendo construído no andar de cima, uma ampla área de 1000 metros quadrados. “Estou muito animada de ter voltado para cá. Essas casas pertencem à minha família desde 1974, morei aqui e aqui já funcionaram a fábrica e o showroom da Graça Ottoni nos anos 1980. É uma volta às origens”.
