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Estado de Minas entrevista/Denise Magalhães - 67 anos, empresária

Verdes e floridos sucessos

Referência em bom gosto, requinte e criatividade, a maior flora do estado, que já produziu festas para as grandes famílias brasileiras, completa 40 anos


11/04/2021 04:00 - atualizado 09/04/2021 15:46

(foto: Marcos Vieira/em/d.a press)
(foto: Marcos Vieira/em/d.a press)


Quando se pensa em flores, o primeiro nome que surge é Denise Magalhães. A mineira de Caxambu nasceu com o talento para os trabalhos manuais, bom gosto, e exalando criatividade. Por contingência da vida, seguindo o conselho de sua mãe, foi trabalhar com flores e deu muito certo. Este ano, completa 40 anos de empresa, sem festa. A comemoração é estar bem na crise, sem dispensar nenhum funcionário. Com fama de brava e grossa, afirma que só agora, depois de um encontro profundo com Deus, mudou e aprendeu o que é respeito ao próximo. Não se sente vitoriosa, mas uma pessoa que cumpriu o seu dever.
 

"Não me sinto vitoriosa, essa palavra não existe no meu vocabulário. Tenho a sensação de dever cumprido"

 
 
De onde você herdou esse talento e criatividade para trabalhos manuais?
Eu e minha irmã mais velha, Debora, herdamos da família da minha mãe, desde pequenas ajudávamos a fazer os arranjos de Natal. Quando íamos encomendar o pinheiro eu voltava com as mãos cheias de buquezinhos de flores que ia colhendo pelo caminho. Mas o olhar para o belo, o senso estético, a elegância, o requinte, o paladar para a boa comida vieram do meu pai. Ele era músico, cantor por amor e alfaiate por profissão. Ele fazia seus ternos de linho e mandava fazer seus sapatos. Era um boêmio, um bon vivant, viveu como quis, e admiro gente que vive como quer.

Com quantos anos começou a se encantar com as flores?
Intuitivamente, pequenininha, com 7 ou 8 anos. Sempre que andava pela rua catava flores e fazia buquês. Como disse, ajudava minha mãe a decorar a casa toda para o Natal. Minhas tias já moravam nos Estados Unidos e mandavam os enfeites. Montávamos a árvore na frente da janela, e as pessoas faziam visitação na janela da nossa casa antes de ir para a Missa do Galo.

O que a levou a trabalhar com 
arranjos florais?
Fiquei grávida com 16 anos, isso era um escândalo no interior. O pai da minha filha tinha o dobro da minha idade, nós estávamos namorando, mas já tínhamos terminado quando descobri a gravidez. Os adultos resolveram o que tinham que resolver e me vi casada com ele. Roberta nasceu em 6 de setembro e eu fiz 17 anos em  27 de setembro. Eu era uma menina. Fomos morar no Rio de Janeiro e eu precisava ajudar no sustento da casa. Minha avó materna, Ester, foi a pessoa que mais cuidou de mim, me ensinou a fazer um monte de doce e coisas gostosas. Comecei a fazer docinhos e enfeites para festa de criança. Fazia tartaruguinha com casca de nozes, a cabecinha até mexia. Roberta era pequeninha, eu não tinha empregada, amarrava ela nas costas e fazia tudo.

Ficou nessa área muito tempo?
Até meu marido se formar em arquitetura. Depois, ele foi designado como arquiteto chefe do Banco Nacional de Habitação (BNH) de Recife, e melhoramos de vida. Lá em Recife descobri que não era ele, que aquela não era a vida que eu queria levar. Liguei para o meu pai, disse que estava muito infeliz. Ele disse que me mandaria uma passagem de avião para eu voltar para casa. Meu pai não era preso a nenhum padrão de vida, a nenhum dogma. Se você não está feliz, larga tudo e vai ser feliz. Nessa época, minha mãe já tinha feito meu pai estudar e prestar concurso e ele era fiscal do estado. Ele se formou em direito aos 50 anos.

Sua mãe era uma mulher forte e decidida?
Guerreira igual nunca conheci. Voltei para Caxambu com a Roberta sem nada, porque a família do pai dela era de muitas posses, família Sá Guedes, e tinha estabelecido que para eu ficar com a minha filha teria que abrir mão de pensão, herança, tudo. A única coisa que eu queria era a Roberta. Quando voltei, tinha que trabalhar para sobreviver e sustentar a minha filha. Minha mãe sugeriu que eu mexesse com flor, por ser uma coisa que eu sempre gostei. Ela disse que iriamos a Belo Horizonte e São Paulo visitar as melhoras floras, pedir a eles para deixarem gente ver o que faziam para eu aprender.

Qual era o seu estilo?
A flora chamava Tatinha Flores, apelido da minha filha. Comecei e não deu certo. Cidade do interior onde as pessoas fazem jardim pedindo muda para um e para outro. Não existia o costume de colocar flor dentro de casa. Eu não tinha estilo nenhum. Fazia o que eu vi na Flora Barbacena, aqui em BH. 

Mas tinha uma noção de estética e um olhar para o belo que era inato em você...
Sim. Mas naquela época só tinha rosa, cravo, palma, que vinham de Barbacena. Mesmo assim, eu ia para o mato e colhia avencão e colocava no meio das rosas, que era coisa que ninguém fazia. Mas despertar o olhar para o meu estilo só despertei quando vi uma matéria que a Anna Marina fez, no Caderno Feminino, com o Ronaldo Maia. Vi que poderia fazer uma coisa que me encantava, que era deixar a flor como nascia no meio do mato, no jardim. Era essa beleza natural que sempre admirei e queria reproduzir nos meus arranjos e meu olhar não tinha despertado para essa possibilidade. Não gostava da flor amarrada com arame e presa em um pau, era esquisito.

O que você fez quando a flora não deu certo?
Minha amiga Sandra Marquesane – que era secretária do Walduck Wanderley, na Cowan – disse para eu vir para Belo Horizonte, que ela arrumaria um trabalho para mim. Eu me mudei e fui trabalhar na Nashua Copiadora. Nessa época, frequentávamos muito a turma da Cowan. Minha amizade com a família Wanderley começou nessa época. De lá conheci várias pessoas, entre elas o Israeli Blás, que foi meu segundo marido.

Ele foi seu sócio na Verde?
Ele foi o grande incentivador para eu abrir o meu negócio. Disse para eu sair da copiadora, parar de mexer com papel e voltar a trabalhar com flor, mas eu não tinha dinheiro. Ele me apresentou ao Celsinho, do Banco Rural, que me emprestou o dinheiro para abrir a Verde que te quero Verde. Foi nesta época que conheci a Júnia Rabelo e nos tornamos grandes amigas. Abri uma portinha na Rua Antônio de Albuquerque. Quando abriu ainda não tinha visto a reportagem sobre Ronaldo Maia, mesmo assim seus arranjos chamavam a atenção...  Porque eu já sabia o que eu não queria fazer, o que de fato eu não gostava e fazia diferente. Trabalhava do jeito que eu achava bacana. Um dia, a Anna Marina – que eu não sabia quem era – entrou na minha loja com um monte de peças e pediu para fazer arranjos para aquelas peças para um almoço que ela daria para seu marido, no fim de semana. Perguntei como ela queria, e ela me respondeu para fazer como eu achasse melhor. Só perguntei onde cada peça ficaria, ela disse, e eu fiz como eu quis, tudo da minha cabeça.

Fez tudo com rosa, cravo e palma?
Naquela época eu já estava pesquisando mais flores diferentes em São Paulo e tinha conseguido orquídea. Lembro-me de que tirei todas as florzinhas da palma e fiz buquês com elas para uma floreira. E cada peça eu fiz de um jeito. Coloquei as orquídeas do jeito que elas nasciam no mato, era assim que as pessoas tinham que ver. Elas nascem em local com mais frescor, onde tem avencas e samambaias. Fui à casa dela, entreguei. No domingo seguinte, alguém me ligou perguntando se eu tinha visto o jornal Estado de Minas, que tinha duas páginas sobre mim.

O que você sentiu quando escutou isso e viu a matéria?
Eu abri o jornal. Achei as fotos lindas, mas tudo o que estava falando era como se não fosse para mim. Sabe quando a pessoa não tem noção de que tudo aquilo era sobre ela? Achava que não era tanto assim, achei um exagero. Quando eu abri a loja na segunda-feira, era tanta gente querendo arranjo que eu não dava conta de atender todo mundo. Foi tanto movimento, uma loucura. Foi aí que fiquei sabendo quem era a Anna Marina. Só passei a entender o que estava acontecendo comigo quando minha mãe me ligou dizendo que todo mundo em Caxambu estava comentando a matéria que tinha saído no jornal. Depois conheci a Anna Marina, por quem tenho grande admiração, respeito e gratidão. Eu a chamo de madrinha porque sem dúvida nenhuma é isso que ela representa na minha vida.

Quando você começou a fazer grandes festas?
Fazia tudo na casa de uma cliente. Quando ela foi casar uma filha, trouxe uma empresa de São Paulo. Pediu para eu decorar apenas a casa dela, porque ainda não estava pronta para fazer uma festa. Nada me ofendeu mais do que aquilo. Pensei: O que é não estar pronta para fazer uma festa?. Lembro-me direitinho de que minha mãe interferiu pela primeira vez na minha profissão. Ela disse para eu não fazer nem a casa dela. Perguntei por que e ela respondeu: “Se você não está pronta para o salão, também não vai para a cozinha”.  Acabei não atendendo. Falei com a cliente, e o pior é que repeti as palavras da minha mãe. Mas entendi que para crescer, para fazer uma festa também envolvia saber lidar e falar com o cliente. Mas o saber lidar com o cliente eu aprendi há pouco tempo.

Por isso as pessoas diziam que você era estopim curto e às vezes grosseira e brigona?
Sim. Antipática, mal-educada. Falavam isso tudo, e com razão. A cliente quis me matar, mas depois de um tempo me contratou para fazer uma grande festa em sua casa. Ficou atrás de mim o tempo todo, porque estava insegura. Mas tive uma pessoa maravilhosa na minha vida que me ajudou demais, que foi Nenen Gutierrez.

Como assim?
Ela me ensinou muito de doçura, de olhar peças e saber identificar que tipo é. Ensinou a conhecer um San Louis, um Bacarat, coisas que eu não tinha o menor acesso. Foi minha grande professora. Os valores dela não eram os nossos. A alma dela era gigante. Uma vez, quebrei uma peça Bacarat dela, e fiquei desesperada, primeiro por ter quebrado uma peça dela, segundo porque me falaram que custava uma fortuna.  “Leve a peça, conte o que aconteceu, e pergunte o que você pode fazer”, disse minha mãe”. Nenen me disse: ‘Olha minha filha, se essas coisas não quebram, como a gente vai comprar outra?’. Entendeu? Ela quis me dizer que aquilo não era nada perto do meu trabalho. Que mulher espetacular. Tenho uma gratidão profunda a ela. Ensinou que eu prestava um serviço para as pessoas e que seria muito difícil eu ser amiga dos meus clientes. Tem pouco tempo que as coisas mudaram na minha visão. Hoje, eu entendo perfeitamente o que aconteceu comigo quando a Anna Marina publicou a primeira reportagem, entendo o que a minha mãe quis me dizer, na maneira rude dela do interior. Ela quis dizer para eu crescer, enfrentar e fazer o que eu queria e não ficar no meio do caminho para nunca mais escutar aquele tipo de coisa.

Hoje faria diferente?
Sim. Eu falaria que faria a casa com o maior prazer, e que na próxima estaria pronta para fazer a grande festa. É a confusão de achar que você pode tudo, que é tudo ou nada.

Seu nome virou referência. Em quais países já trabalhou, e como é trabalhar fora do Brasil?
Chile, EUA (Miami, NY), Uruguai, Marrocos, Portugal, África, França. É desafiador, mas é possível. Não tem nada que seja impossível, basta abrir a cabeça e trabalhar em Roma como os romanos. Se quiser ir para fora e trabalhar como no Brasil, não vai dar certo. No Marrocos, por exemplo, território fechado, não entra trabalhador de outro país. Tive que inventar com o povo de lá. Fiz uma coisa que ninguém nunca fez. Olhei os pontos fortes do país: serralheria, tapetes e rosas. Fui seis meses antes desenhei todos os móveis e eles fizeram. Forrei a casa de tapete. Fiz a festa toda de rosa.

Como está com a pandemia?
O que faz um artista ser diferente do outro são os momentos de dificuldade, onde você busca solução para esses momentos, senão, tudo é perdido, tudo é em vão. Quando me deparei com esse vírus, e falaram que tudo estava fechado, fiquei apavorada, chamei todo mundo e falei que não fecharíamos, trabalharíamos de porta fechada, tomando todos os cuidados. Quem não tivesse carro ficaria em casa, quem tivesse, viria trabalhar. Expliquei que nossa sobrevivência vinha da Verde, tínhamos que nos reinventar. Criamos o nosso e-commerce. Procurei novos caminhos. Não parei de trabalhar nem um dia. Funcionamos on-line, por videocomunicação, WhatsApp. Mostramos para as pessoas que mandar flor é levar felicidade. Nossos grandes fornecedores baixaram muito os preços, e com isso nossos preços também melhoraram.

Você atende o cliente no que ele quer, mesmo sabendo que não é o que ficará mais bonito?
Hoje, sim. Quando uma pessoa está determinada, ninguém consegue mudá-la. Como artista, você tem que fazer o que o cliente quer, da forma mais bonita que conseguir, porque não vai mudar a opinião da pessoa. Se falar que não faz, ele vai em outro fornecedor. Mas isso é hoje, porque antes eu falava que fazia, mas sabia que não ficaria bonito, então fazia o que eu queria. O cliente ficava surpreso quando chegava na festa, porque não era o que ele esperava, claro, e não brigava comigo porque a festa ficava maravi- lhosa. Hoje, eu faço o que o cliente quer.

Por que essa mudança?
A partir do momento em que mudei um pouco o meu chip, eu voltei meu coração completamente para Deus, comecei a respeitar o outro, o ser humano, o que eu não fazia antes. Eu não respeitava, agora uso o dom que Deus me deu para fazer o que sei da melhor forma possível.

Como se sente hoje, completando 40 anos de empresa que é referência?
Meio guerreira e meio louca. Vejo o que fiz e não entendo de onde tirei tanta coragem para enfrentar tanta coisa, tantos desafios. Conseguir levar tudo a bom termo, enfrentando várias crises, igual acontece agora na pandemia. Todo mundo da equipe ficou doente, inclusive eu, e conseguimos superar e estamos todos bem. Me sinto assim, meio a meio. Não me sinto vitoriosa, essa palavra não existe no meu vocabulário. Sou uma pessoa que enfrenta, luta, estou sempre à frente de todos os problemas. Eu vim para enfrentar, ter coragem, fazer, para ser Denise, me dá a sensação de dever cumprido. 


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