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Estado de Minas entrevista/ Myrna Gondim Porcaro - 57 anos, CEO da Myrna Porcaro Designs LLC

Começar de novo

Plataforma focada em projetos permite que a arquiteta trabalhe nos EUA e no Brasil


01/11/2020 04:00

(foto: arquivo pessoal)
(foto: arquivo pessoal)


A arquiteta Myrna Porcaro sempre foi movida por desafios e, há cinco anos, enfrentou o maior deles, iniciando uma carreira nos Estados Unidos. Em visitas a Miami, ela percebeu o potencial do mercado imobiliário da região, impactado por incentivos do governo, retomada econômica e movimento migratório mundial, fatores que atraíam grandes nomes da arquitetura. Insatisfeita com o Brasil, com os filhos criados, empreendeu a mudança que considera ser a mais ambiciosa conquista da sua vida e que tem significado uma nova jornada de aprendizagem tanto profissional quanto pessoal. Com um green card assegurado pelo conjunto da obra no Brasil, Myrna foi desbravando, pouco a pouco, o caminho que almejava através de várias ações para divulgar seu trabalho junto às imobiliárias, corretores, construtores e formadores de opinião, formando uma rede inteligente de contatos. Escreve, mensalmente, para revistas e sites especializados em arquitetura e design na Flórida e participa, também, de mostra de decorações na região: seus projetos já podem ser conferidos em revistas e alguns livros, como o Decor year book Florida. Aqui, em Belo Horizonte, Myrna estará participando da mostra virtual Modernos e eternos com uma sala dedicada à família e aos novos tempos.
 
Como foi entrar no mercado em Miami?
Está sendo a maior conquista da minha vida. Sempre soube que seria difícil, mas é bem mais complicado do que eu pensei. Para resumir, preciso me reinventar em todos os sentidos, aprender tudo novamente e adaptar os maiores conceitos profissionais que me regiam no Brasil. Aqui, apesar dos milhares de brasileiros, nada funciona do nosso jeito. Construí um nome forte no Brasil, na arquitetura e no design, tenho um visto de excelência na minha área e o conjunto da minha obra me trouxe o green card. Isso abriu algumas portas e, no mínimo, gerou credibilidade para as possibilidades de trabalho. Dizem que uma empresa ou profissional estrangeiro levam cinco para se adaptar e para o negócio fluir na América. Estou completando meu quinto ano. Ainda aprendo muito todos os dias, mas já me integrei ao mercado e começo a sentir esse reconhecimento.

Você começou trabalhando para brasileiros e hoje tem clientes norte-americanos também?
Sim. A maior parte de meus clientes ainda é do Brasil, que residem ou têm casa de férias. Alguns deles são casados com americanos e outras nacionalidades, o que, aos poucos, internacionaliza meus contatos e projetos. Miami é hoje uma cidade que atrai pessoas do mundo todo.

Fez alguma ação para divulgar seu escritório em Miami?
Fiz várias ações e continuo fazendo network todo o tempo, até nas horas de lazer. Isso consiste em buscar acesso às imobiliárias, corretores e construtores, formadores de opinião, formar uma rede inteligente de contatos. Aí as oportunidades começam a aparecer. Escrevo mensalmente para revistas e sites especializados em arquitetura e design aqui na Flórida e invisto também nas redes sociais.

Quais foram as dificuldades que você encontrou no recomeço?
Para começar, vim sozinha, conhecendo poucas pessoas que não eram da minha área. Achava que sabia inglês, vi que não dominava 15% do que precisava. Vocabulário técnico me faltava e não conhecia técnicas de montagem, construção, logística, todas muito diferentes. As leis, o clima, hábitos, direitos e deveres do cidadão, do profissional, tudo é novo e, às vezes, difícil de assimilar. Ou seja, foi começar quase tudo novamente e, aos 50 anos, confesso que exige muita coragem, determinação, esforço e, no meu caso, muita fé em Deus.

Você tinha uma carreira consolidada em Belo Horizonte. Por que decidiu viver nos Estados Unidos?
Chegando aos 50 anos, me deparei com vários questionamentos sobre meu futuro. A minha vida estava estabilizada, escritório movimentado, vida social intensa e filhos já quase independentes. Nunca me acomodei em zonas de conforto e acho que, naquele momento, precisava me desafiar com um grande objetivo. Frequentava muito Miami e, andando pela Flórida, percebi a grande mudança nesse estado, que, nos anos 1980 e 1990 era habitado, em sua maioria, por cubanos e aposentados americanos.

Você fez uma pesquisa apurada?
Pesquisando o mercado imobiliário, descobri a enorme transformação que estava em curso. Incentivos do governo, retomada econômica e movimento migratório mundial aceleravam esse mercado imobiliário, além do turismo, que sempre foi forte. Tomei conhecimento da grande transformação na região de Miami e cidades vizinhas, que se tornaram um dos mais modernos centros urbanos do mundo. Vi um vídeo incrível em que arranha-céus futuristas brotavam em toda a costa e no centro financeiro, assinados pelos maiores escritórios de arquitetura e design do mundo! Fiquei impactada e desejei participar daquilo tudo. Ao mesmo tempo, estava insatisfeita no Brasil com alguns problemas antigos, tais como corrupção, injustiças e violência. A proximidade da água me fazia muito bem e gostava do lifestyle dos amigos que fazia por aqui. A facilidade de voar 8 horas e aterrissar em BH e os primeiros projetos me incentivaram a decidir a mudança.

Quais foram os pontos positivos que resultaram nessa decisão?
Sinto-me mais jovem, realizada e animada com o trabalho. Ampliei imensamente minha habilidade profissional e pessoal. Minha vida cultural ficou mais intensa com o relacionamento frequente com as artes através de eventos como a Art Basel, feiras, mostras, concertos. Aprendi a fazer todas as tarefas de uma dona de casa e, assim, entender melhor minhas clientes. Tornei-me mais espiritualizada, centrada e acho que cresci como ser humano.

O que aprendeu com os norte-americanos?
Este é um país que se formou recebendo imigrantes do mundo todo, mas já tem seu DNA próprio. Os americanos são práticos, focados em seus próprios interesses, mas também incrivelmente solidários. Em sua maioria são cristãos e exercitam valores da família e da vida em socie- dade. Disciplina, objetividade, autocontrole, gerenciar com equilíbrio os problemas e adversidades, não perder tempo com o que não é relevante, cuidar da saúde e aproveitar a vida são outras características. Tenho aprendido muito com eles.

As tendências da decoração são globais, mas existe algo que é recorrente, não pode faltar 
em um projeto em Miami?
Miami é, hoje, uma cidade cosmopolita, que abriga e recebe pessoas do mundo todo. Percebo que os americanos de maior poder aquisitivo têm apreciado, cada vez mais, conhecer e consumir o design contemporâneo. Esse é um movimento relativamente novo e nós, brasileiros. somos muito preparados para ajudá-los nisso. Os americanos mais tradicionais ainda optam por estilos clássicos, às vezes temáticos. O que acho que não pode faltar no interior design em Miami e em toda Flórida são cantos de sofás, poltronas ou até bancos que permitam aos usuários contemplar a extravagância de suas belezas naturais: céu, mar, lagos e belíssimos jardins. Nessa região, as janelas, terraços e varandas revelam paisagens paradisíacas.

Você tem um escritório montado, funcionários, como tinha aqui em BH?
Tenho um escritório para quando preciso juntar equipe, fazer reuniões, receber os clientes. Com a pandemia, tenho usado menos, mas conto com o meu home office, onde o processo de produção funciona muito bem. Tenho um gerente de escritório no Brasil, que me acompanha há muito tempo, minha nora em São Paulo, que ajuda em quase todos os projetos, mais três assistentes eventuais de projeto e um administrativo por aqui.

Participa de algum evento de decoração/arquitetura na cidade?
Já participei de muitos, mostras de decoração, planejamento dos espaços, decoração e curadoria para grandes lojas de design e projetos para apartamentos e casas-modelo, o que aqui chamamos de staging. Além disso, meus projetos estão nas melhores revistas da região e em alguns livros, como o Decor year book Florida.

O que considera relevante hoje em um projeto de um imóvel ou interior design?
Como profissional, tento priorizar as necessidades e preferências pessoais dos meus clientes tentando informá-los e atendê-los da melhor forma possível. Sempre tentei planejar junto com eles o budget para cada obra e projeto. Ao trabalhar para brasileiros no exterior, esse fator se torna o principal para nortear os rumos e especificações de cada projeto.

No atual estágio, o que acha que mudou na sua forma de ver a arquitetura?
Comecei a trabalhar nos anos 1980 em um momento em que, no Brasil e no mundo, o aspecto plástico e formal era supervalorizado, algumas vezes em detrimento das verdadeiras necessidades dos usuários. A preocupação com o meio ambiente e a sustentabilidade quase não existia entre nós, mas na Europa, os primeiros movimentos de alerta eram levantados. Surgiram cursos, seminários e leis para instruir, equipar os profissionais de projeto e construção a preservar o meio ambiente. Atualmente, em nenhum lugar do mundo nossa atividade pode ser exercida sem esse respeito e seguindo as normas locais. A consciência global obrigou todos nós a contribuir para a construção de cidades e casas mais saudáveis, felizes, seguras e acolhedoras. Acredito, cada vez mais, na evolução dos projetos de arquitetura e interiores que sejam eficientes, no orçamento previsto, e não menos belos e impactantes dos que fazíamos nas décadas passadas.

O que é um bom projeto para você?
Um bom projeto é aquele que atende às necessidades do cliente, onde toda a família utiliza tudo e se sente à vontade, que inova sem constranger, que respeita as referências de quem contratou e não o estilo do designer, que acolhe sem precisar de excessos e que torna a casa o lugar preferido de todos.

Quais foram as suas principais influências?
Tive os melhores professores na Escola de Arquitetura da UFMG, que se tornaram meus amigos, como Flávio Almada, Gustavo Penna, e Lanza. Trabalhei em vários escritórios em que, confesso, me ensinaram mais do que a escola e, entre eles, encontrei um profissional fora da curva de nome Cid Horta. Com ele aprendi a exercer o maior dom que um arquiteto pode ter: criar. Projetos imprevisíveis, cada um único, desenhados com lápis de cor. Era muito ousado e o espírito mais livre que já conheci. Sempre fui fã da Freuza (Zechmeister) e me impressionava o conjunto da obra de Oscar Niemeyer. Terminando a faculdade, fui para Paris, onde permaneci por quase três anos e tive a oportunidade de aprender e me inspirar com gênios como Renzo Piano, Phillipe Stark, Jean Nouvel, Zaha Hadid e Andre Putman.

Você sempre foi uma profissional que lutou pela sua carreira. Como foi estudar na França? 
Aos 23 anos, depois de me formar, fui para Paris, onde já havia sido aceita em uma escola pública de arquitetura para uma especialização. Naquela época, também foi bem difícil, pois vivi todas as dificuldades de imigrante que vivi aqui em Miami, porém, aos 20 anostemos mais energia e necessitamos de menos para viver. Adaptei-me superbem e fui me inscrevendo em outros cursos, como design de interiores, história da arte e civilizações, línguas, etc…Tive o privilégio de trabalhar em renomados escritórios na época, como o de Paul Chemetov em obras do governo Mitterrand, e detalhando projetos de interiores dos irmãos Michael e Daniel Bismut. Decorei apartamentos de amigos e familiares e projetei, construí e decorei uma casa de 800 metros quadrados, no Norte Paris. Eram os anos 1986, 1987 e 1988.

Você lançou um livro com os seus principais projetos. Levou alguns exemplares como cartão de visitas ou para presentear seus clientes?
Quando comecei a trabalhar no meu livro coletânea de projetos, de 1998 a 2015, não tinha ideia que ele se tornaria uma ferramenta tão importante no meu futuro. Sim, trouxe vários exemplares e ele tem me aberto muitas portas.

Quais os vínculos que mantém com Belo Horizonte? Sente falta da cidade?
Muitos e imortais vínculos, como família, amizades de décadas, médicos insubstituíveis, que também são amigos. Sinto falta da comida e das nossas lindas montanhas. Mantenho um escritório na cidade e tenho novos e antigos clientes, que me honram com sua confiança.

A pandemia afetou seu trabalho?
Afetou sim, a velocidade de tudo diminuiu processos e projetos, até porque a Flórida também foi um grande foco do vírus. Como tenho escritório virtual há mais de 15 anos, quando comecei a trabalhar em São Paulo essa parte não foi surpresa para mim. Mas, nos últimos meses, evitei muitos deslocamentos não urgentes, como ir ao Brasil. Estou com muitas saudades, principalmente dos meus filhos. Não costumo ficar mais de quatro meses sem ir a Belo Horizonte, e, agora, está fazendo um ano. Porém, estarei embarcando em breve.

Algo mais que queira contar ao Caderno Feminino?
Queria compartilhar que a pandemia me obrigou a ter um formato para projetos virtuais. Já o desenvolvia, e no ano passado mesmo projetei, acompanhei as obras e decorei uma casa em Itajubá, no Sul de Minas, sem nunca ter ido lá. Estou terminando a decoração de um apartamento na 5th Avenue, em Manhattan, ainda faltam detalhes, e não fui pessoalmente ao imóvel. Creio que todos nós estaremos, cada vez mais, envolvidos no trabalho on-line a partir de agora. Para confirmar a produtividade desse momento, aceitei convite de uma mostra virtual de arquitetura e design em Belo Horizonte. Criei uma sala dedicada aos novos tempos, que toda família adoraria possuir. Em BH ou qualquer lugar do mundo. 


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