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Estado de Minas DISPUTA POR ÁGUA NO SUBSOLO

Poços clandestinos sugam água do subsolo, comprometem abastecimento e elevam risco de contaminação

Pequenos produtores culpam agronegócio pela extração volumosa de águas de aquífero em Araguari, no Triângulo Mineiro, onde poços clandestinos já comprometem córregos e geram risco de contaminação por agrotóxicos


postado em 06/07/2015 06:00 / atualizado em 07/07/2015 08:18
https://www.em.com.br/app/noticia/especiais/guerra-da-agua/2015/07/06/noticia-especial-guerra-da-agua,665349/disputa-chega-ao-subsolo.shtml

Poço de captação abandonado por falta de água na zona rural de Araguari(foto: Leandro Couri/EM/DA Press)
Poço de captação abandonado por falta de água na zona rural de Araguari (foto: Leandro Couri/EM/DA Press)

Araguari - Perfurações que penetraram 200 metros no subterrâneo encontraram apenas argila seca. Aflitas por uma fonte de água para sobreviver, 44 famílias insistiram o quanto puderam. Em Araguari, no Triângulo Mineiro, dos 10 poços escavados no solo das roças do Bom Jardim, dois verteram o líquido de um lençol profundo. O que pareceu por um tempo alívio, porém, voltou a ser angústia: “Há 5 anos, conseguimos tirar 3 mil litros por hora de cada poço. Agora, não temos 500 litros. Isso dá para uma família beber, mas não enche cocho de gado nem irriga horta”, lamenta o sindicalista Alcides Lima de Souza, de 53 anos, que culpa as extrações volumosas do agronegócio pelo rebaixamento do nível da água. A segunda reportagem da série do Estado de Minas sobre a guerra da água mostra como os aquíferos estão sendo sugados indiscriminadamente e como fazendeiros estão entrando em confronto por causa do desvio de água.

"Hoje, uso água da chuva no meu telhado para dar ao gado e trago água da cidade no porta-malas do carro para casa", Alcides Lima (d), produtor rural, ao lado do irmão José, que não consegue mais captar água para as plantações (foto: Leandro Couri/EM/D.A PRESS )
Alcides e a família abandonaram o campo, porque a caixa d’água vazia já não permitia cozinhar nem ter higiene básica. E o infortúnio na zona urbana é o mesmo, pois o município de 115 mil habitantes depende completamente da água que bombeia do subterrâneo, e essa fonte tem ficado cada vez mais profunda e contaminada pelo excesso de uso, sobretudo clandestino, mesmo estando Araguari sobre uma das mais volumosas reservas de água do subsolo brasileiro, o Aquífero Bauru.

Presidente do Sindicatos Trabalhadores Rurais de Araguari, Alcides e seu irmão José, de 54, contam que “teimaram muito” antes de desistirem de produzir nas roças do Bom Jardim. “A gente buscava água na carroça para dar ao gado e aguar as plantações. Eram muitas viagens e (o cultivo) nem sempre vingava. O arado e o trator a gente comprou com recursos do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf)”, lembra. Mas a redução dos recursos hídricos, que especialistas apontam ter ocorrido com o grande volume de extração do aquífero, fizeram o córrego quase secar.

“A gente teve de parar. E uma cascavel envenenou o meu cavalinho, que morreu. Sem ter como trazer água, tive de vender o trator e não produzimos mais nada. Queríamos trabalhar a terra. Mas, hoje, uso água da chuva no meu telhado para dar ao gado e trago água da cidade no porta-malas do carro para casa”

A guerra pela água em Araguari mostra que as disputas pelos recursos hídricos não ocorrem apenas na superfície, mas também no subsolo, nas áreas dos aquíferos que muitos imaginam ser uma reserva intocada de prosperidade. “O uso desse recurso só aumenta e a recarga reduziu com o desmatamento e a urbanização que impedem o amortecimento e infiltração da água da chuva que a terra suga e chega ao aquífero”, afirma o hidrogeólogo Adelbani Braz da Silva, que tem pós-doutorado na Colorado School of Mines (Escola de Minas do Colorado), nos EUA.

O Serviço Geológico Brasileiro (CPRM) atesta que a situação de Araguari é grave e em seu último relatório, deste ano, destacou que o Aquífero Bauru sofre “interferências na quantidade e na qualidade” da água, devido à forte pressão que recebe na região, destacando como causas a “alta densidade de poços na zona urbana e em localidades agrícolas”.

O documento alerta que há “probabilidade de comprometimento da produtividade dos poços” e “risco de contaminação” sobretudo na “área urbana de Araguari, que é edificada nesse aquífero”. Os poços de controle do CPRM no município são um termômetro da situação e apresentaram rebaixamento médio de três metros nos últimos três anos.

Segundo a coordenadora de águas subterrâneas do CPRM em Minas Gerais, Maria Antonieta Alcântara Mourão, o crescente número de poços clandestinos precisa ser combatido. “Araguari é uma das áreas mais sensíveis de Minas Gerais em termos de conflito hídrico pelas águas subterrâneas. Temos notícia de grande número de poços irregulares que não permitem saber qual o volume de recursos extraídos nem ter garantias de que as perfurações não se tornarão fontes de contaminação por agrotóxicos, no campo, e poluentes, na zona urbana”, disse. Apenas a Superintendência de Água e Esgoto da prefeitura estima que haja pelo menos 90 captações no município sem licenciamento. O estado tem 744 poços cadastrados em Araguari.

A morosidade do estado em liberar outorgas mesmo com documentações em dia tem contribuído para que muitos produtores rurais perfurem poços para irrigar suas plantações e só depois procurem a legalização, afirma o sócio-proprietário da Araguari Poços Artesianos, Alexandre Campos. O negócio, segundo o empresário, cresceu 20% no ano passado devido ao uso excessivo dos poços existentes e da seca prolongada. “Os cafeicultores estavam assistindo suas plantações precisando de água por causa da estiagem. Com isso, usaram muito mais água de seus poços e precisaram de furar mais. Isso tudo colaborou para que os lençóis baixassem demais. Mas não recomendo a perfuração sem licenciamento”, afirma.

CÓRREGOS

O uso crescente da água subterrânea impactou diretamente na recarga dos córregos, de acordo com produtores da agricultura familiar. “Está tudo ligado. A água do subterrâneo é a mesma que aflora em nascentes e abastece rios”, afirma o biólogo e consultor em recursos hídricos, Rafael Resck. E se o agronegócio conseguiu fazer com que seus cultivos sobrevivessem, o agricultor familiar não teve recursos para fazer o mesmo e suas propriedades se tornaram improdutivas e quase abandonadas.

Campos que chegaram a produzir maracujá, limão, feijão, hortaliças e formar pastagens se tornaram capoeiras com mato entrelaçado entre arados de metal enferrujados com discos ainda cravados na terra. Carroças usadas para trazer a água de córregos distantes mais de quatro quilômetros apodrecem sem utilização. Os instrumentos de trabalho no campo são símbolos do drama dos colonos do assentamento Bom Jardim, onde, desde 2000, em terras onde o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) jamais conseguiu captar um litro sequer de água subterrânea.

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