Fotografia de Rui Cézar mostra vaso de antúrio sobre mesa de casa simples

Cenas prosaicas do cotidiano inspiram Rui Cézar, cujo trabalho valoriza as memórias de família

Rui Cézar/divulgação

'Tem a foto que tirei em Nova Viçosa, na Bahia, no interior de uma casa. É uma mesa de centro pequena, adornada com algumas coisas, com toalha bonitinha. Aquilo me remeteu à infância na minha cidade natal, Cascalho Rico (no Triângulo Mineiro). Para mim, é a confirmação do que vivi e experimentei'

Rui Cézar, fotógrafo



"Olhar desmedido”, título que batiza a retrospectiva do fotógrafo Rui Cézar que será aberta neste domingo (16/7), na galeria do Centro Cultural Unimed-BH Minas, denota a principal característica do conjunto da obra do artista: a diversidade. Com curadoria de Paulo Rossi, a mostra está dividida em quatro seções temáticas – “Paisagens”, “Arquitetura”, “Retratos” e “Relíquias”.

“O olhar particular de Rui Cézar trouxe para o universo da fotografia um discurso amplo, inovador e bastante diversificado”, diz Rossi. As 73 imagens abarcam a trajetória de Rui, de 75 anos, desde 1971 – quando, conforme diz, nem tinha equipamento próprio e fotografava de maneira ocasional – até os dias atuais. São 60 painéis, que o curador chama de mosaicos, um deles com 16 fotografias.

Rui Cézar evoca o escritor, sociólogo, semiólogo e filósofo Roland Barthes para explicar o que direciona seu olhar como fotógrafo. O autor francês trata dos conceitos de “studium” e “punctum”. O primeiro se refere à qualidade artística da imagem, envolvendo composição, equilíbrio e contraste. O segundo é aquilo que impressiona, comove e atinge. Rui diz que o “punctum” lhe interessa mais.

“Studium são as boas maneiras, aquilo transmitido na escola de arte, a técnica. Ensinam como produzir, mas não o que produzir. Você conversar com uma pessoa muito bem-educada, mas que não tem nada para te dizer, não é legal. Meu interesse pessoal são as emoções baratas. Fotografo o que me emociona, o que realça a vida”, destaca.
 
Fotografia de Rui Cézar  mostra a Acrópole em Atenas

Acrópole de Atenas, sob as lentes do fotógrafo adepto do filósofo Roland Barthes

Rui Cézar/divulgação
 

Há cerca de três anos, quando Rui procurou Paulo Rossi, o “compadre” com quem convive há quatro décadas, a ideia era produzir um livro. O curador encaminhou o projeto de exposição para o Centro Cultural Unimed-BH Minas. “Acatei a proposta. Sou da opinião de que quando você produz, lança sua produção na praça e ela se torna pública, não te pertence mais”, diz o fotógrafo.

Rossi destaca que a seleção das 73 imagens foi guiada por sua longa relação com Cézar e pelo conhecimento da obra do amigo. “Realizamos trabalhos juntos desde a década de 1980. Montei exposições fora do Brasil com fotos produzidas por Rui, então conheço bem o acervo dele. Fiz a proposta desta mostra e comecei a selecionar a partir do conjunto de 2 mil imagens”, diz.

De acordo com o curador, o trabalho do fotógrafo não tem divisão estilística, mas a ideia de estabelecer quatro segmentos se impôs como forma de orientar o que seria exposto. “A gente poderia fazer exposição só com os retratos, mas pensei na arquitetura, porque Rui fotografou muitos prédios históricos. Fez registros Brasil afora, no interior da Inglaterra, na Grécia e em outros lugares”, pontua.

O que o curador categoriza como “relíquia” não remete exatamente a raridades. Trata-se de fotos do acervo de Rui Cézar que variam de uma carcaça de boi à natureza morta clássica. “A maior parte são paisagens e arquiteturas, além de retratos. Há cerca de 20 anos, fiz exposição dele na sede do Grupo Corpo só com os retratos”, destaca.

Laboratório londrino

Rui Cézar comprou sua primeira câmera em 1973 e passou a fotografar com frequência. Porém, o interesse real por essa forma de expressão surgiu três anos depois, quando ele se mudou para a Inglaterra para estudar. “Tinha lá uma sociedade fotográfica com laboratório de revelação muito bem montado”, relembra.

Quando voltou para o Brasil, estava irremediavelmente fisgado pela fotografia. “Cheguei para cursar doutorado em economia, mas resolvi interrompê-lo. Sou comunista, não teria a chance de ver meu projeto em economia vingar, pois ainda estávamos na ditadura. Pedi transferência do departamento de economia para o de fotografia. Isso foi em 1983”, recorda.
 

Os primeiros passos como fotógrafo remontam aos anos 1970, mas o gosto pela fotografia vem da infância. O pai gostava de fotografar, e Rui ficava horas repassando os álbuns de família. Sua produção está, em boa medida, ancorada nessas memórias.

“No segmento 'Relíquias', por exemplo, tem a foto que tirei em Nova Viçosa, na Bahia, no interior de uma casa. É uma mesa de centro pequena, adornada com algumas coisas, com toalha bonitinha. Aquilo me remeteu à infância na minha cidade natal, Cascalho Rico (no Triângulo Mineiro). Para mim, é a confirmação do que vivi e experimentei. O que atrai meu olhar varia muito, inclusive de acordo com o momento que estou vivendo”, diz.

“Trabalho muito na rua, onde você tromba com as coisas. No estúdio é tudo muito controlado, você produz a imagem. Andando, você vê as coisas que vão te interessar, que têm a ver com sua vida. Nasci em Cascalho Rico, morei na Inglaterra, nos Estados Unidos, rodei o Brasil inteiro. Nesta exposição tem foto da Acrópole, em Atenas, mas também dos meus avós e de coisas do Jequitinhonha”, pontua.
 

'Meu interesse pessoal são as emoções baratas. Fotografo o que me emociona, o que realça a vida'

Rui Cézar, fotógrafo

 

O mineiro cita Cartier-Bresson como uma de suas primeiras referências em fotografia. Depois ele se interessou por Robert Adams e, em seguida, por Bill Brandt. Quando estudou em Nova York, descobriu vários fotógrafos contemporâneos.

Ele dá como exemplo de imagem que cativa seu olhar a foto realizada em um açougue londrino que expõe cabeças de porco. Rui pediu ao açougueiro para colocar uma das cabeças em frente ao rosto e registrou a cena em “Porco chauvinista”.
 
Detalhe de igreja barroca mineira fotografada por Ruy Cézar

Arquitetura mineira é uma das especialidades de Rui Cézar

Rui Cézar/divulgação
 

Jumento na praia

Para Rui Cézar, a graça, a leveza e o prazer têm de estar presentes. Por isso ele se interessa pelas “emoções baratas”. “Fotografei um jumento amarrado à carcaça de um carro na praia, na Grécia. Às vezes, a foto muito bem trabalhada, estilosa, de galeria ou de museu acaba não comunicando muita coisa, porque está limitada ao 'studium'”, comenta.

“Estudei muito para conhecer a história da fotografia. No início, ela disparava para todos os lados, porque os fotógrafos não tinham educação artística formal. A diversidade é algo que aprecio muito”, destaca.
 

'Trabalho muito na rua, onde você tromba com as coisas. No estúdio é tudo muito controlado, você produz a imagem. Andando, você vê as coisas que vão te interessar, que têm a ver com sua vida'

Rui Cézar, fotógrafo

 

O artista deu aula de fotografia em faculdades da PUC Minas, Fumec, Guignard e UFMG. “Muitos alunos gostavam de mim, mas tinha aqueles que me detestavam, porque eu entendia que eles estavam ali só esquentando cadeira. Esses me deram o apelido de 'Ruim Cézar'. Pedro David, João Castilho e Pedro Motta, expoentes da fotografia em Minas, foram meus alunos”, diz o professor universitário.

“Ser fotógrafo não é só fazer imagens”, afirma Rui. Para ele, fotografia é arte popular ao alcance de todos, que encanta, eterniza momentos e traz os sentimentos de saudade, nostalgia e alegria.

“Fotografia é útil de várias maneiras e para várias ocasiões e motivos. Prefiro falar que ela encanta, mas não é realmente mágica. Ela se tornou, no século passado, o modo predominante de descrever, representar tudo. O público a aprecia por sua utilidade afetiva, subjetiva, e como memória”, diz.

“OLHAR DESMEDIDO”

• Fotografias de Rui Cézar
• Exposição em cartaz até 15 de outubro, na galeria do Centro Cultural Unimed-BH Minas (Rua da Bahia, 2.244, Lourdes)
• O espaço funciona de terça-feira a sábado, das 10h às 20h; domingo e feriado, das 11h às 19h
• Informações: (31) 3516-1360