O cantor Paulinho da Viola no palco

Batucando uma caixa de fósforos, o cantor e compositor abriu a apresentação do último sábado com a inédita "Ele", homenagem ao samba e à figura do compositor

Túlio Santos/EM/D.A.Press

Paulinho da Viola é pura elegância. Aos 80 anos, que completou em novembro do ano passado, esbanjou simpatia e serenidade no show que fez no último sábado (1/7), no Arena Hall, em Belo Horizonte, pela turnê em comemoração à efeméride.


A apresentação, marcada para começar às 22h, teve um pequeno atraso de 10 minutos. O público se manteve animado do início ao fim - houve, inclusive, quem abandonasse os assentos para cair no samba.

Sozinho, batucando apenas em uma caixa de fósforo, Paulinho começou o show com a canção inédita “Ele”. “Não é nem mais uma canção inédita, porque eu venho apresentando ela em todos os shows dessa turnê”, brincou o músico.



O samba-canção é um retrato melancólico do sambista apaixonado, um alter ego, talvez, do próprio compositor. “Anda triste, tenta esquecer o passado / Pede a viola, um sol maior, por favor, / Mas não consegue falar mal desse amor”, cantou Paulinho.


“Samba na madrugada” 

Na sequência, a banda composta por Adriano Souza (piano), Mário Sève (sopros e teclado), Dininho Silva (baixo), Ricardo Costa (bateria), Esguleba (percussão) e Celsinho Silva (violão) se juntou ao sambista para tocar “Samba original”, de Elton Medeiros e Zé Keti. A canção foi gravada por Paulinho em seu disco de estreia, "Samba na madrugada" (1966), em parceria com o próprio Medeiros.

O repertório não seguiu a ordem cronológica dos discos. “Acontece”, por exemplo, lançada no disco “A dança da solidão”, de 1972, veio antes do hit “Foi um rio que passou em minha vida”, do álbum homônimo, de 1970.



Sobre “Acontece”, Paulinho contou um curioso caso a respeito da origem da música. “Ela é de um compositor que nós amamos, o Cartola, que fez para que uma cantora, que também todos nós amamos, gravar. Mas ela não quis por alguma razão. E acabou que a música ficou por um bom tempo guardada”, disse, sem revelar quem foi a cantora que desdenhou da canção.

“Depois de tocar Cartola, vamos de Lupicínio (Rodrigues)”, disse Paulinho, antes de começar “Nervos de aço”, gravada por ele no disco de mesmo nome, lançado em 1973.

Ora no violão, ora no cavaco e ora sem tocar nenhum instrumento, o portelense fez um show de uma hora e meia de duração sem grandes contratempos - talvez a única exceção tenha sido uma pessoa mais exaltada, que, sem motivo, gritou “Mangueira”, da plateia. 

Entre as músicas de sua própria autoria, o sambista cantou os clássicos "Dança da solidão"; “Coração leviano”, “Foi um rio que passou em minha vida”, apresentada durante o bis, e “Timoneiro”, composta com Hermínio Bello de Carvalho.

Em “Bebadosamba”, prestou as tradicionais homenagens aos cerca de 40 “irmãos de samba”, mas abriu espaço para inserir nomes como Clementina de Jesus e Elza Soares, morta em janeiro do ano passado. Foi Elza, inclusive, quem defendeu a música “Sei lá Mangueira”, de Hermínio Bello de Carvalho e Paulinho da Viola, no  IV Festival de Música Brasileira da Record, em 1968.


Sufoco 

“Eu passei um sufoco com essa música”, revelou o artista. “O poeta Hermínio Bello de Carvalho tinha feito um passeio pelo Morro da Mangueira com o Cartola e o Carlos Cachaça, e ficou encantado com tudo o que viu. Então, ele decidiu montar um musical sobre a Mangueira e me chamou até a casa dele para mostrar as letras que já tinha feito. Fiquei maravilhado com aqueles versos ‘Vista assim do alto / Mais parece um céu no chão’”, continuou.

Quando Hermínio saiu da sala para preparar um café, lembrou Paulinho, o sambista pegou o violão que o amigo tinha em casa e compôs a melodia para encaixar aqueles versos. “Foi coisa de 15 minutos”, relembrou.

Hermínio, contudo, não levou adiante a ideia do musical e resolveu inscrever a canção num festival de música de São Paulo, dando os devidos créditos a Paulinho da Viola. Por azar do compositor portelense, a música foi selecionada para disputar o primeiro lugar. 

“Eu fiquei desesperado com aquilo, porque eu era da Portela e não tinha falado com ninguém de lá que eu tinha feito uma música em exaltação à Mangueira. Fui para São Paulo pedir que retirassem a canção da semifinal, mas me disseram que não daria, porque, se fizessem isso, teriam que ouvir mais uma centena de músicas inscritas para escolherem a substituta. Quando voltei para a Portela, o pessoal não me disse nada, mas ficou me olhando com cara fechada. Foi até melhor, porque eu pensei que ia tomar uns cascudos”, brincou o músico.

Ao tocar “Sei lá Mangueira”, a iluminação do show, predominantemente azul e branca em referência à Portela, ficou verde e rosa durante a interpretação do sambista, em homenagem à escola de samba que ele chama de irmã.

Não faltaram homenagens à Portela, claro. Além da iluminação e da apresentação da já citada “Foi um rio que passou em minha vida”, ele interpretou “Passado de Glória", de Monarco, e "Esta Melodia", de Bubu da Portela e Jamelão.

“Aposto que ninguém conhece o Bubu. Mas ele é um importante nome da Velha Guarda da Portela e um grande sambista”, explicou Paulinho.

Depois do bis, com a mesma serenidade e elegância que subiu ao palco, Paulinho se levantou, agradeceu ao público e foi embora, ouvindo ainda gritos de “mais um”.