Até que ponto alguém suportaria tudo por amor? Esse é o dilema vivido por Valentina em "Stupid wife", personagem interpretada pela atriz Priscila Buiar, de 31 anos. Realizada pela produtora independente carioca Ponto Ação, a websérie teve grande repercussão entre o público LGBTQIA+.
 
 
“Stupid wife” é baseada em uma fanfic (narrativa ficcional criada por fãs, tendo ídolos reais como personagens) escrita por Nathália Sodré, com foco na banda feminina Fifth Harmony.
 
O grupo, formado no show de talentos americano “The X Factor” em 2012, se desfez em 2017. Ali se destacaram as cantoras Camila Cabello e Lauren Jauregui, que hoje seguem carreira solo.

Na fanfic brasileira, Camila Cabello “virou” Luiza, interpretada por Priscila Reis, de 33 anos. A moça, que sofre de amnésia dissociativa, perde a memória da vida adulta. A última lembrança é de quando, ainda jovem, odiava Valentina (inspirada em Lauren Jauregui), papel de Priscila Buiar.
 
Priscila Buiar

Priscila Buiar, a Valentina de "Stupid Wife"

Lukkas Marques/Divulgação
 
 
Luiza e Valentina se casaram, têm um filho, mas tudo isso se apagou na memória de Luiza. Os oito episódios da primeira temporada mostram a reviravolta na vida dela ao se redescobrir como mãe de Léo (Thomás Araújo, de 5 anos) e ao se reapaixonar pela esposa.
 

Confira a entrevista com Priscila Buiar:

Como começou sua história na atuação?

Comecei a fazer teatro aos 9 anos para me ajudar a perder a timidez e socializar. Durante o colégio, sempre fiz teatro amador e cursos gratuitos oferecidos pela prefeitura da cidade. Prestei vestibular para duas faculdades: design, sempre gostei de pintar e desenhar, e artes cênicas.

 

Passei nas duas e tive que escolher. Acho muito legal falar isso, porque, na carreira artística, muitas vezes as pessoas não têm muito apoio da família, é uma coisa mais difícil. Comigo foi ao contrário. Minha mãe falou: ‘Filha, faz artes cênicas porque você adora fazer teatro, vai lá fazer isso’. Comecei a fazer de uma maneira mais profissional, mais ou menos com 17 anos.

 

Fiz faculdade de artes cênicas no Paraná e quando acabei tive de me mudar, porque lá não tem tanta oportunidade de trabalho, não dá para crescer muitoi. Fiquei entre Rio e São Paulo, mas escolhi vir para o Rio. Já tinha vindo para cá fazer trabalho de modelo, me apaixonei pela cidade e me mudei em 2014. Agora estou aqui.

 

Quando vieram os primeiros papéis na TV?

Antes de me mudar para o Rio. Eu não fiz a louca, já tinha uma agência aqui no Rio tanto de modelo quanto um agente de trabalho de atuação. Já tinha feito meu cadastro na Globo, teste para peça de teatro. Eu, inclusive, passei para uma peça que seria produzida no Rio. Vim fazer essa peça, mas ela não aconteceu porque era de um livro do Walcyr Carrasco e acho que não tinham conseguiram os direitos para produzi-la. 

Cheguei a fazer algumas peças, mas naturalmente a coisa foi se encaminhando para TV e cinema. Fiz participações na Globo, na Record, muitos curtas-metragens também, o que é uma boa maneira da gente exercer a profissão, aprendendo e conhecendo gente do meio.

No meio disso tudo, descobri a galera das webséries, então foi tudo meio junto. Em 2016, mais ou meno,s comecei a fazer. Foi tudo junto, uma coisa vai complementando a outra e até hoje é assim. Todas essas linguagens vão acontecendo juntas.

Essa experiência facilitou para conseguir o papel de Valentina em "Stupid wife"? Como foi o convite?

Conheço a Ponto Ação há muito tempo, até antes de começar a fazer websérie. Ouvi falar no Rio Web Fest, que eles tinham sido muito bolados. Um amigo, que fazia outra série, falava: ‘Cara, essa série ganhou uns prêmios muito bons, A melhor amiga da noiva’. Fui atrás para pesquisar. Depois, acabei conhecendo a Priscilla (Pugliese) gravando ‘Magenta’ e a gente se encontrou em vários projetos. A Ponto Ação estava no meu radar há muitos anos. 

No começo de 2022, eles já estavam fazendo a seleção para a série através de uma plataforma de atores. A Rafa, que era produtora deles na época, entrou em contato comigo pelo Instagram. Os testes já estavam rolando, as datas de gravação estavam marcadas, então já peguei a coisa meio encaminhando. 

Aí ela falou: ‘Eu preciso do teste até amanhã’. Isso era sexta-feira à noite. Falei: ‘Cara, essa menina está louca’ (risos). Eu estava indo assistir a uma peça e falei ‘Ta bom, te mando amanhã de manhã’. Decorei o texto rapidinho antes de gravar, fiz uma vez. ‘Quer saber? É isso, fé, se der certo, vai dar’, pensei. Deu tudo certo. Eles gostaram do teste e consegui realizar esse sonho.

Como é fazer o papel de uma mulher lésbica?

Para mim, nunca foi uma questão. Nunca passou pela minha cabeça aquele 'será que faço? será que não faço?'. Porque enquanto atriz, o que me move é poder usar o meu trabalho e minha voz para dar voz às pessoas que não têm esse espaço. Eu me sinto muito honrada de uma maneira que não sei nem explicar.

Coincidentemente, já trabalho com essa temática há um tempo, em ‘Magenta’, ‘Encontro’. Fico muito feliz que a história esteja alcançando tantas pessoas, recebo diariamente mensagens muito lindas de como as pessoas se sentem atingidas pela história, de como aquilo reverbera de maneira positiva na vida delas. 

Leu a fanfic? Já conhecia as meninas da banda?

Conhecia, mas não sou tão fã, era só ouvir as músicas mesmo. Aí, lógico, fui ler a fanfic para pegar referências. Queria ter lido antes de gravar a primeira temporada, mas como peguei a coisa andando, não tive muito tempo de preparação, foi mais ou menos um mês e não consegui acabar o livro.

Então, fui lendo ele depois que a gente gravou a primeira temporada. Mas foi muito interessante também, porque a gente não se influenciou por tudo o que estava na história. Foi legal, quando fui lendo, fazer comparações de coisas que às vezes naturalmente a gente criou, coisas muito sutis. um beijo na testa, uns trejeitos que criamos para Valu. Vi no livro, depois, as mesmas coisas. E ninguém tinha falado para a gente fazer isso, foi uma coisa que naturalmente aconteceu.

O que você tem de semelhante e de diferente da Valentina?

Nossa, sou tão diferente da Valentina (risos). Acho que faço de tudo pelas pessoas que eu amo. A Valentina tem muito isso de fazer tudo pela Luiza, insistir naquele relacionamento. Tenho muito disso, não só em relacionamentos amorosos, mas com meus amigos também. Dou tudo de mim, o que posso e não posso, vou até o final. Essa lealdade é muito bonita.

De diferente, é 80% dela. Valentina é marrenta, a da faculdade se acha a última bolacha do pacote, não tem nada a ver comigo. Mas foi bem lega,l porque é um desafio fazer uma pessoa completamente diferente de você. Eu me diverti muito.

Como você se preparou para fazer uma personagem tão diferente de você?

Cada trabalho é um trabalho, mas sempre assisto a muitas referências. Naquela cena específica da faculdade, usei música. Engraçado que eu não estava escutando música, porque a gente estava usando um telefone antigo, então ele não estava funcionando. Mas na hora veio uma música na minha cabeça que traz empoderamento. Usei isso em cena.

Uma coisa que me ajuda bastante nessa transformação é o momento da caracterização. Eu, na vida, não uso bota daquele estilo, apesar de aquela ser minha. Não uso cabelo tão puxado, tão liso, mas o processo de transformação foi me ajudando a trazer essa personalidade. Fora as técnicas, tem as coisas que a gente usa. Visto aquela roupa, chapo o cabelo e viro a Valentina. 

Qual foi o maior desafio da primeira temporada?

São vários, todo trabalho tem desafios. Mas uma coisa que me ensinou muito, não só na primeira quanto agora na segunda, são muitos dias de trabalho, essa continuidade, esse espaçamento. A gente não grava as cenas em ordem cronológica, então a Valentina da faculdade foi a última coisa que a gente gravou. Eu também não sabia como faria, então a gente fica meio insegura.

Na primeira temporada, tinha a coisa da Luiza despersonalizada, então a gente tinha de ter um roteiro muito bem anotado e estudado. ‘Agora elas estão se reconquistando’ ou ‘agora elas acabaram de brigar’ ou ‘hoje eu dormi na sala e ela não vai descer para jantar’. Só que isso tudo é no mesmo dia, então uma hora você está aqui e outra ali. Ter tudo isso bem claro no roteiro ajuda na cena, pois a gente não tem muito tempo de preparo de uma coisa para a outra. Tem de ser uma coisa meio ágil. Mas a gente estudou bem, se preparou bem.

Teve alguma cena que mais gostou de gravar na primeira temporada?

Eu amo a cena da faculdade. Foi a que mais me desafiou e adoro um desafio, ter frio na barriga tipo ‘será que vou conseguir fazer?’. Foi a minha preferida porque foi a mais difícil.

Qual foi a mais difícil?

A cena do último episódio na casinha foi uma das mais difíceis. Não tenho dificuldade em cenas de intensidade dramática, então para mim é tranquilo. Mas como somos duas atrizes e tem a parte técnica, a sua intensidade dramática e também a da outra atriz, vocês devem adequar a atuação dentro da parte técnica. 

Então, por exemplo, a Luiza está tendo uma crise e às vezes quando a gente está muito dentro do personagem, você não sabe se vai parar virada para lá, se vai se movimentar para cá, você fica muito dentro. Como a gente está fazendo um trabalho audiovisual, você tem de parar na marcação do foco, tem de segurar a atriz aqui, sendo que ela está tendo uma crise e quer se movimentar, mas tem de segurar ela. 

Mergulhar na emoção tendo essas marcações é sempre um desafio, você tem de estar um pouco mergulhada e um pouco fora. Tem de transitar entre os dois lugares, então essa cena foi desafiadora.

O que pode destacar sobre a conexão que você tem com a Priscila Reis?

É muito legal (risos). Tem um meme em que sou a Wandinha e a Reis é a Lobinha da série. Mas ela não assistiu, aí não entende. Porque somos duas personalidades completamente opostas. Quando juntamos, a gente não sabe o que vai acontecer. Então é muito divertido. 

Ela é muito engraçada, agradeço muito por estar trabalhando com uma pessoa que admiro, respeito e tenho um bom convívio. Agora a gente está convivendo diariamente há três meses. Deve ser muito difícil trabalhar com uma pessoa com quem você não se dá bem, então agradeço. É bom demais.

O que pode nos contar da Valentina na segunda temporada?

Eu acho que muitas coisas vão se esclarecer, o pessoal estava pedindo muitas cenas de diálogos do casal, de comunicação. É uma coisa que tem muito na fanfic, no livro em si, e sentiram um pouco de falta na primeira temporada. Mas acho que também faz parte, porque foi para deixar um mistério. Então, muita coisa vai ser explicada agora na segunda, muita coisa vai fazer sentido.

Valentina vai ter bons momentos. Vai ser menos chororô, tristeza, vai ser um momento bom para ela. O pessoal sempre gosta de ver aquelas cenas fofas em família, tem muita cena legal com o Thomás, tem muita coisa deles brincando - o carinha e a Valentina. É legal essa relação dos dois de quase irmãos, menos mãe e filho. As cenas foram muito legais de fazer, o pessoal vai gostar de assisti, as cenas dão um respiro na temporada e na série como um todo.

Como é gravar com uma criança?

É sempre um desafio gravar com ele, porque é uma criança. Às vezes a gente está fazendo uma cena super tensa, tem uma na primeira temporada que adoro: ele deveria falar ‘vocês já fizeram as pazes?’ e ele fala ‘já fizeram as bases?’. Eu estou super concentrada, a Valentina chateada. Não tem o que fazer, ele é criança, então a gente tem que ter paciência.

Às vezes a cena é muito tensa, mas ele não entende por quê. Mas é divertido também porque a gente nunca sabe o que ele vai falar. Às vezes ele tem de falar umas palavras difíceis, aí erra, se confunde, é muito engraçado.

Tem cenas em que você fala: ‘Ele não vai entender o que é isso, vamos jogar com o que ele dá’. De repente, ele entrega umas coisas e você pensa: ‘Caraca, ele tocou no ponto’. Agora passou quase um ano da primeira temporada e ele já amadureceu um pouco. Ele vai tendo um entendimento e dá para perceber. Quando é criança, sempre pega no sentimento, um apelo maior. Mas está bem legal. 

A gente sempre está competindo e até hoje quando ele me vê, fala assim: ‘Mas fui eu que ganhei, hein?’ (risos). Ele me associou à coisa da competição, então fica muito engraçado.

Como foi ver tanta gente se encantando pela história?

É muito doido, né? O episódio três do especial de Natal tem cinco milhões de visualizações, por exemplo. Não consigo dimensionar quanto é isso, quantas pessoas assistiram. E aí fico impactada. Também nunca vou escolher fazer um trabalho pensando no sucesso ou no dinheiro, não é isso que me move. Primeiramente, é contar essas histórias, que acho que precisam ser contadas. Aí você ver que isso chegou para muita gente e do mundo todo é maravilhoso. É muito bom!

Dependendo do sucesso da segunda temporada, existe a chance de ter uma terceira?

Com certeza. Eu espero, inclusive. Todo mundo está nessa expectativa. A gente sempre espera que a história seja contada até o final, quero muito que elas tenham uma boa resolução de todas as questões que vão ser levantadas, espero que dê tudo certo, que o casal fique muito bem e elas sejam muito felizes. 

Qual é o seu aprendizado como atriz?

São tantos… Está sendo uma oportunidade incrível. Dentro desses 22 anos de carreira, acho que sempre quis ter uma oportunidade como esta de fazer um trabalho contínuo, de  gravar todos os dias, porque você melhora tecnicamente, usa suas ferramentas como atriz, e ao mesmo tempo esse trabalho está tendo visibilidade muito boa, uma projeção muito grande. Isso também é novo para mim e me ensina muito.

Sou muito tímida, então a parte de atuar é mais fácil, mas a parte de lidar com as expectativas dos outros, de fazer entrevistas, isso também é um desafio e me tira da zona de conforto. Também é um aprendizado. 

Em algum momento você pensou em desistir?

Muitos! (risos) Trabalhar com arte é sempre um desafio muito grande, ainda não me sustento como atriz, preciso fazer muitas outras coisas para poder sustentar a minha atriz. Brinco que minha modelo sustenta minha atriz.

Antes da pandemia, estava fazendo trabalhos bem legais. Quando parou todo nosso mercado, estava bem difícil, fiquei bem desanimada. Acontecem coisas que às vezes deixam a gente chateada, algo que você não acha correto ou ético. Acho que não só para mim, mas para outras pessoas também, aparecem formas de cortar caminho e se manter firme no propósito com seus valores sabendo que você poderia estar em um outro lugar que gostaria de estar, mas teria de fazer coisas com que não concorda. É sempre muito difícil. 

Tinha acabado de acontecer uma situação bem assim um pouco antes da série. Falei: ‘Não é para mim’. Estava em conflito com meus valores. Às vezes, você vê outras pessoas atravessando à frente e fica refletindo se vai dar certo um dia, se é isso mesmo. E aí apareceu a série, então foi uma injeção de ânimo, vieram as premiações, o carinho das pessoas, a projeção para o mundo todo. Ver que seu trabalho tem valor, que você pode se manter sendo correta, ética, profissional, foi muito importante. 

Que outros projetos podemos esperar de Priscila Buiareste ano?

Tem um longa-metragem que gravei antes da pandemia, de terror, estou com muita expectativa. Deve sair este ano, se chama “Sala escura”. Tem um curta-metragem que gravei ano passado sobre o holocausto brasileiro, trabalho bem pesado. Deve sair este ano, mas não sei se vai estar em exibição, porque eles devem concorrer em festivais antes de ir para o público.
 
Além disso, tem uma websérie dos Marotos, projeto antigo de 2018, bem de quando comecei nesse universo de webséries. Elas tinham parado por causa da pandemia. Vou voltar a gravar em abril e vão colocar em exibição quando estiver pronto o episódio. Por enquanto é isso.

Você conhece Belo Horizonte?

Já fui gravar o curta na cidade, em outubro. Quero muito voltar, passei muito rápido. Só fui no Mercadão, que é a primeira parada de ponto turístico, comprei cachaça e também pé-de-moleque. Quero voltar, quero ir a Inhotim que é superartístico e quero muito conhecer. Eu adoro mineiros, meu melhor amigo é mineiro.