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Estado de Minas TRAGÉDIA DE BRUMADINHO

Daniela Arbex reconstitui em livro as 96 horas seguintes ao desastre

"Arrastados: os bastidores do rompimento da barragem de Brumadinho" será lançado nesta terça (25/1), às 12h28


25/01/2022 04:00 - atualizado 25/01/2022 02:28

Bombeiros trabalham na lama para resgatar corpo de vítima do desastre de Brumadinho
Força-tarefa entre Corpo de Bombeiros militar, bombeiros civis e proprietários rurais faz resgate do corpo de uma mulher, vítima do rompimento da barragem da Vale (foto: Alexandre Guzanshe/EM/D.A PRESS - 27/1/2019)

“Em 10 segundos, o maciço de 86 metros de altura se desmanchou no ar”, diz um trecho do livro “Arrastados: os bastidores do rompimento da barragem de Brumadinho, o maior desastre humanitário do Brasil”, de Daniela Arbex, situando o exato momento em que a encosta que continha o mar de lama cedeu, às 12h28 de 25 de janeiro de 2019. 

Exatos três anos depois da tragédia, a jornalista e escritora participa de uma live, às 12h28 desta terça-feira (25/1), com transmissão pelo seu perfil no Instagram (@daniela.arbex) e também pelo da editora Intrínseca (@intrinseca), para marcar o lançamento oficial da obra, que reconstitui em detalhes as primeiras 96 horas da catástrofe.

Embora desativada, a B1 – barragem da mina do Córrego do Feijão, explorada pela Vale – armazenava o equivalente a 400 mil caminhões-pipa carregados de rejeitos de mineração. Seu rompimento provocou um tsunami de lama tóxica que avançou por mais de 300 quilômetros, a 108km/h. 

A avalanche encobriu e carregou tudo que encontrou pela frente – casas, pontes, árvores, bichos – e provocou a morte de 272 pessoas. Embora as buscas nunca tenham sido interrompidas pelos bombeiros, seis vítimas não foram encontradas até hoje.

Autora do livro “Todo dia a mesma noite”, sobre o incêndio que matou 242 pessoas na boate Kiss, em Santa Maria (RS), em 2013, Daniela conta que, no exato momento do colapso da barragem em Brumadinho, ela estava a caminho da cidade gaúcha, a 291 quilômetros de Porto Alegre, para se encontrar com os parentes das vítimas e passar com eles a data que marcaria os seis anos da tragédia.

No final de fevereiro, quando retornou a Juiz de Fora, cidade onde mora, ela propôs ao seu editor no jornal em que trabalhava uma reportagem sobre a situação em Brumadinho após o desastre. Alguns dias depois, já estava na cidade, localizada na Região Metropolitana de Belo Horizonte. 

Daniela conta que, até aquele momento, não tinha o intuito de escrever um livro. “Quando cheguei lá, encontrei uma cidade traumatizada. Os atingidos estavam com medo de falar, porque, do dia para a noite, passaram a ser dependentes da Vale, que era quem os estava hospedando em hotéis próximos, tentando remediar a situação”, diz.

CENÁRIO DE GUERRA 

Ela recorda que, diante do que viu, entendeu que a população local precisaria de mais tempo para processar a situação, entender o contexto em que estava inserida. “Naquele primeiro momento, estava tudo muito confuso. As pessoas estavam ainda muito reativas, muito em choque. As informações eram desencontradas até para os próprios bombeiros. A lista de desaparecidos tinha mais de 700 nomes. Era um cenário de guerra. Naquele momento, só foi possível reportar isso, não deu para mergulhar nas histórias, dar nome e sobrenome, rosto e voz para as pessoas”, afirma.

Daniela ainda estava em Brumadinho quando recebeu o telefonema de Renata Rodriguez, editora da Intrínseca, sinalizando que gostaria que ela escrevesse um livro sobre o desastre. Desafio aceito, ela resolveu dar o tempo que a comunidade precisava, terminou de escrever o livro em que estava trabalhando, “Os dois mundos de Isabel”, e retornou a Brumadinho posteriormente para, conforme diz, oferecer uma escuta mais atenta a todos os envolvidos – parentes das vítimas, testemunhas, bombeiros, autoridades locais e médicos legistas, entre outros.

Tendo viajado mais de 10 vezes à cidade, onde entrevistou cerca de 300 pessoas, ela destaca que todo o processo de apuração do ocorrido foi muito difícil. Como aponta o prefácio do livro, assinado por Pedro Bial, tudo nessa história tem uma escala industrial. “A gente está falando de uma dor gigantesca, de uma devastação enorme, entrando num território bilionário. Eram muitas informações, muitos dados”, comenta.

“A gente que é leiga não tem noção de como funciona uma mina. Compreender esse processo, entender a lógica da mineração, isso tudo foi muito complicado”, observa. De todas as entrevistas que a autora fez, aproximadamente 200 personagens figuram nas páginas de “Arrastados”. “Lidar com esse volume de informação foi um grande desafio”, salienta.

ESPECTADOR DA TRAGÉDIA

Ela pontua que, quando começou a efetivamente trabalhar na apuração para escrever o livro, se propôs a colocar o leitor dentro da mina do Córrego do Feijão, como um espectador presente, desde as primeiras horas do dia da tragédia. “Você vai entrando no livro pelo olhar dos trabalhadores que estavam naquele ônibus chegando ali na mina, e vai entender onde cada um estava quando a barragem entrou em colapso. Daí vou revelando tudo o que aconteceu nas 96 horas seguintes, quase que em tempo real.”

Montar várias linhas de espaço e tempo para tentar entender tudo o que havia acontecido foi a estratégia usada por Daniela. Qual o horário da primeira chamada para o Corpo de Bombeiros? Qual o horário da decolagem da primeira aeronave rumo a Brumadinho? Quanto tempo de voo até o primeiro helicóptero chegar lá? 

“Fui em busca dessas respostas, ao mesmo tempo em que coletava informações das pessoas em situação de trauma. Teve a parte técnica e teve a parte da empatia, da escuta cuidadosa das pessoas. E teve o trabalho no Instituto Médico-Legal (IML). Como identificaram as pessoas? O livro mergulha nisso tudo e traz informações inéditas”, afirma.

"Num país marcado por tamanho racismo estrutural, as vítimas de Brumadinho estavam todas iguais, tinham todas a cor da morte. Isso me marcou muito, por isso dei ao livro esse nome"

Daniela Arbex, jornalista e escritora



Quando fala de empatia, ela alude a um episódio em especial, externo ao trabalho de feitura do livro, mas que se imiscuiu nele: a morte de seu irmão, por COVID-19, aos 49 anos, em março do ano passado. Daniela conta que havia retornado a Juiz de Fora no final de fevereiro, após ter passado todo o mês em Brumadinho, e ficou sabendo que a família havia sido infectada pelo novo coronavírus.

“O quadro do meu irmão foi se agravando, ele foi internado e, uma semana depois, morreu. É brutal você não poder se despedir de quem você ama. Tanto eu quanto os parentes das vítimas do rompimento da barragem não pudemos nos despedir. No meu processo de luto, fui percebendo muito do que meus personagens de Brumadinho relatavam sobre esse processo, sobre essa ausência”, diz, destacando que, por um momento, pensou em desistir da empreitada de “Arrastados”. Somente um mês depois da morte do irmão é que ela decidiu dar continuidade ao projeto.

“Pensei que, se eu parasse, estaria deixando de honrar a memória do meu irmão. Falei para mim mesma que ia continuar por ele, que fez comigo o documentário do ‘Holocausto brasileiro’ (seu livro sobre o Hospital Colônia de Barbacena, lançado em 2013) para a HBO e sabia da importância de se contarem histórias e de se preservar a memória. Mas escrevi esse livro em carne viva.”

Diferentemente de outros livros sobre o rompimento da barragem em Brumadinho – como "Engenharia de um crime" (2019), de Murilo Rocha e Lucas Ragazzi, que se debruça sobre a investigação criminal em torno do ocorrido –, “Arrastados” tem foco nos personagens, é centrado no relato das pessoas. 

RECONSTITUIÇÃO 

“Meu livro reconstitui todo o cenário, todo aquele momento de ruptura e de desastre que Minas Gerais viveu. Ele é uma reconstituição do que aconteceu na mina do Córrego do Feijão pelo olhar de quem esteve envolvido, os atingidos, os bombeiros, os médicos legistas que fizeram um trabalho silencioso e importantíssimo de identificação das vítimas”, sublinha.

Durante o processo de apuração dos fatos, um dos que mais a surpreenderam foi o que acabou batizando a obra. “Descobri, nas minhas incursões ao IML, que quando os primeiros corpos chegaram, os legistas constataram que todos estavam sem pele. Quando foram arrastadas, as vítimas sofreram abrasão. Não era possível identificar ninguém pela cor da pele, estavam todos com o subcutâneo exposto e apresentavam, portanto, o mesmo tom esbranquiçado. Num país marcado por tamanho racismo estrutural, as vítimas de Brumadinho estavam todas iguais, tinham todas a cor da morte. Isso me marcou muito, por isso dei ao livro esse nome”, conta.

O título do posfácio de “Arrastados” é uma pergunta: “Brumadinho nunca mais?”.  Daniela diz que nem ela nem os especialistas no assunto que entrevistou arriscam uma resposta, mas que é certo que, enquanto perdurar o atual modelo de mineração, ninguém está seguro em lugar nenhum. 

“Temos mais de 20 mil barragens no país e só 10% delas têm informações plenamente confiáveis em relação às suas características, seu funcionamento, e estão com os dados completos. É sabido que existem 122 barragens em estado crítico espalhadas pelo país. Isso dá a dimensão do risco que a gente vive”, aponta.

Ela considera que é preciso mudar o modelo de negócio da mineração e as velhas práticas de poder a ele relacionadas. Daniela observa que, em fevereiro de 2019, foi sancionada a Lei 23.291/19, que ficou conhecida como Mar de Lama Nunca Mais, estabelecendo um novo marco regulatório para a matéria no estado, que, na prática, endureceu as regras do setor.

Segundo a lei, empreendedores passaram a ter como obrigação a descaracterização das estruturas de barragens que utilizem o método de alteamento a montante num prazo de três anos, a contar da data de publicação da lei. A descaracterização prevê que a barragem não receba mais rejeitos de mineração e que seja drenada. Contudo, perto do prazo de expirar os três anos, apenas três das 54 barragens a montante existentes em Minas Gerais tiveram sua descaracterização concluída.

“Agora, aos 45 minutos do segundo tempo, em outubro do ano passado, foi protocolado um projeto de lei que altera os prazos de descaracterização das barragens a montante. Uma lei tão importante, que foi tão comemorada, corre o risco de ter uma ampliação de prazo que não estava prevista”, diz.

Ela ressalta que o projeto de lei protocolado na Assembleia Legislativa de Minas Gerais propõe, por exemplo, que barragens com volume de até 30 milhões de metros cúbicos de rejeitos tenham até 15 de setembro de 2025 para se descaracterizar. Para as que armazenam volume superior, o prazo seria ainda maior: 15 setembro de 2027, ou seja, cinco anos e meio a mais que o previsto inicialmente. “A gente precisa ser mais ágil nas respostas”, afirma.
 
capa do livro 'Arrastados: os bastidores do rompimento da barragem de Brumadinho, o maior desastre humanitário do Brasil'

“Arrastados: os bastidores do rompimento da barragem de Brumadinho, o maior desastre humanitário do Brasil”
Daniela Arbex
• Editora Intrínseca (328 págs.)
• R$ 59,90 (livro impresso) e R$ 29,90 (e-book)
• Live de lançamento com a presença da autora nesta terça-feira (25/1), às 12h28, com transmissão pelos perfis da editora Intrínseca (@intrinseca) e de Daniela Arbex (@daniela.arbex) no Instagram 


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