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Estado de Minas Consciência Negra

Favela e periferia invertem o jogo e ocupam o centro da cena cultural de BH

No Mês da Consciência Negra, diretores, músicos, artistas visuais e dançarinos exibem a potência de sua criação em eventos voltados para o cinema e hip-hop


07/11/2021 04:00 - atualizado 07/11/2021 08:47

Jovem mulher conversa com senhora de turbante, ambas negras, no filme ''Matriarcas da Serra'', sobre a história do Aglomerado da Serra, em BH
Filme "Matriarcas da Serra", dirigido por Simone Moura, reconta, sob olhar feminino, a história do Aglomerado da Serra, em Belo Horizonte (foto: Renca Produções/divulgação)

"A gente tem filmes de ficção, documentários, animação, curtas, médias e longas. Não necessariamente eles falam sobre a periferia, não passa por aí. O que nos interessa é entender a multiplicidade de linguagens que emerge da periferia"

Siomara Faria, coordenadora do Cine Santa Tereza


Neste Mês da Consciência Negra, a periferia está no centro de Belo Horizonte – geográfica e simbolicamente. Até 28 de novembro, a 2ª Mostra de Cinema Periferia do Mundo apresenta um panorama da produção audiovisual das favelas e áreas periféricas da capital e região metropolitana. A programação reúne 28 títulos, a maioria deles inéditos e produzidos durante a pandemia.

Em outra frente, começa, neste domingo (7/11), o Circuito Hip-Hop e das Batalhas de Danças Urbanas, com shows, disputas de MCs, artes visuais, oficinas e debates virtuais. As duas ações ocorrem no âmbito da Secretaria Municipal de Cultura de Belo Horizonte. A mostra de filmes é parceria também com o Cine Santa Tereza, onde os filmes vêm sendo exibidos.

"Temos percebido o protagonismo da juventude negra como produtora de cultura em BH"

Aline Vila Real, diretora da Fundação Municipal de Cultura

Com sessões diárias, sempre a partir das 19h, a mostra abarca curtas, médias e longas-metragens como “Matriarcas da Serra”, de Simone Moura, que busca reconstruir a história do Aglomerado da Serra pela visão das mulheres.


“É a mistura de documentário e ficção. A gente entrevistou várias mulheres, mais de 70, principalmente as mais velhas, para recuperar a história da comunidade. Trabalhamos no projeto desde 2018, as gravações começaram em 2019. O filme está em processo, não foi finalizado. Com a pandemia, a gente teve de adiar o lançamento. Estamos apresentando um recorte”, diz a coprodutora Gabriela Matos.

Integrante da Renca Produções, criada na comunidade para prestar serviços audiovisuais – além de assinar suas próprias produções, como o curta “Ser”, incluído na mostra –, Gabriela diz que a ideia é lançar sete livros a partir das entrevistas com as moradoras do Aglomerado da Serra. “Montamos um roteiro com coisas importantes para se falar dessa comunidade por meio do olhar feminino”, explica.
 
 

A Cabana do Pai Tomás,a região Oeste de BH, é representada pelos filmes “Talibã”, de Éberson Martins, além de  “Desocupados” e “A morte da pomba da paz”, ambos de Dea Vieira – o primeiro, em parceria com Marcos Vieira. “Os dois são a mistura de documentário com cinema experimental”, conta Dea. Artista plástica e moradora do Cabana, ela lida com produção audiovisual há 10 anos.

“A gente começou nossa produção autoral com 'Da lona ao Pai Tomás’, documentário sobre o início da construção do bairro, em 1963. Escravos habitavam aqui, a gente foi atrás dos primeiros moradores do Cabana para contar sobre o processo de ocupação. Ele foi lançado em 2016, e a gente fez a primeira apresentação aqui. O processo de construção teve a colaboração de vários moradores do bairro”, conta Dea.

Vários títulos da mostra falam dos lugares de origem dos criadores, mas a diversidade dá o tom, com espaço até para a ficção científica “Abdução”, de Marcelo Lin, do Aglomerado da Serra. O caráter plural da produção periférica é destacado por Siomara Faria, coordenadora do Cine Santa Tereza e uma das responsáveis pela curadoria do evento.

“A gente tem filmes de ficção, documentários, animação, curtas, médias e longas. Não necessariamente eles falam sobre a periferia, não passa por aí. O que nos interessa é entender a multiplicidade de linguagens que emerge da periferia, a produção de narrativas e conteúdos”, destaca.
 
O que orienta a curadoria é a busca por realizadores que criam narrativas a partir das próprias vivências. “Trata-se de tentar entender a periferia não só como lugar físico, geográfico, que está nas bordas dos centros, mas como um lugar simbólico, rico e complexo. Tentamos trazer filmes que pensam na periferia não só como lugar de exclusão, mas de resistência e de invenção de possibilidades narrativas”, aponta.

O diretor de cinema André Novais de Oliveira, de braços cruzados, sorri para a câmera
O cineasta André Novais de Oliveira e a produtora Filmes de Plástico se destacam em festivais no Brasil e no exterior (foto: Acervo pessoal)

CONTAGEM 

Há alguns anos, essa produção vem conquistando destaque na cena cultural tradicional. Trabalhos da produtora Filmes de Plástico, de Contagem, foram premiados em importantes festivais, por exemplo. “Esses filmes já estão se deslocando da margem para o centro, ganhando notoriedade entre a crítica cinematográfica”, observa a curadora.

O movimento tem sido possível graças ao equipamento digital, o que torna os meios de produção audiovisual mais acessíveis, e a políticas de incentivo implementadas dos anos 2000 até meados da década passada. “Há maior presença de pessoas da periferia nas universidades, estudando cinema e audiovisual, conseguindo acessar mecanismos de incentivo. O cinema, que é uma arte tão cara, chegou nas mãos dessas pessoas”, ressalta Siomara.

A dimensão da potência dessa produção no tecido cultural de BH é evidenciada também pela Associação Filme de Rua, o coletivo Cine Leblon, localizado no bairro Jardim Leblon, e a mostra A Cidade em Movimento, que contemplou filmes de comunidades na última edição da CineBH – Mostra Internacional de Cinema de Belo Horizonte, realizada em setembro.

“Ainda somos um povo colonizado, simbólica e culturalmente. As imagens que consumimos vêm de fora, são produzidas por outros povos, outras vivências, outras experiências”, comenta Siomara Faria. “A periferia traz o que há de mais forte no sentido de produzir imagens contracoloniais, no sentido de repensar nossa história. Os realizadores tensionam esse lugar, questionam as imagens colonialistas que nos cercam.”

Sorridente e de óculos escuros, o músico Real da Rua posa do alto de uma laje, tendo ao fundo casas de um bairro da periferia da Grande BH
O músico Real da Rua é uma das atrações do Circuito Hip-Hop e das Batalhas de Danças Urbanas, que começa neste domingo (7) (foto: THL/divulgação)

CIRCUITO DE HIP-HOP

A pujança dessa produção artística está expressa na agenda do 2º Circuito Hip-Hop e das Batalhas de Danças Urbanas. “O circuito foi criado para valorizar artistas dos diversos territórios de BH. Para isso, o Teatro Marília, no Centro, e importantes espaços dedicados à cultura hip-hop nas regionais recebem vasta programação”, explica Aline Vila Real, diretora de promoção das artes da Fundação Municipal de Cultura.

 Gratuito e majoritariamente presencial, o evento foi concebido em consonância com as ações do Mês da Consciência Negra. “Temos percebido o protagonismo da juventude negra como produtora de cultura em BH. O hip-hop é uma linguagem artística muito presente nesse movimento, até pela capacidade de organizar várias linguagens artísticas, a dança, a música, as artes visuais. Há nessa linguagem a potência produtiva que a gente sente pulsar na cidade”, diz Aline..

Até o próximo domingo (14/11), o Centro Cultural Urucuia, no Barreiro, a Casa Hip-Hop, no Taquaril, e o Teatro Marília, no Centro, vão receber os rappers Real da Rua, Matéria Prima, Abu, Roger Deff e o convidado especial, KL Jay, o DJ do grupo Racionais MCs. A dança estará representada pelo Coletivo Breaking no Asfalto, Fabiana Santos e Wallison Culu.
 
 

Batalhas de MCs e de danças urbanas terão premiação em dinheiro. A agenda contempla também a exposição “Vendaval”, com obras de Priscila Paes, no Teatro Marília; as oficinas “Histórias do rap, rádio e podcasts” e “Visão literária de quebrada” na Casa do Hip-Hop; e ações virtuais, como a exibição do curta-metragem “Beagá, a capital do hip-hop”, de Artur Ranne. Ações e debates poderão ser acompanhados pelo canal da Fundação Municipal de Cultura no YouTube e pelo site do Circuito Municipal de Cultura.

DJONGA

 

“O hip-hop tem colocado Belo Horizonte em destaque nacional. Pensar no que o Duelo de MCs já proporcionou para a cidade, pensar que um dos principais nomes do rap no Brasil hoje, o Djonga, é daqui e vem com essa força, mostrando que a cidade é diversa, polifônica, negra e periférica, isso tudo nos dá a dimensão da potência dessa expressão na atualidade”, afirma Aline Vila Real.

De acordo com ela, o rap representa uma visão peculiar sobre a cidade e suas complexidades. “Poderia citar também o Fórum Hip-Hop, com uma organização e uma forma de se colocar na cidade muito interessante. É ação de política real, não da política institucional, no sentido de atuar nas bases comunitárias e nas comissões locais de cultura. Eles são muito antenados, participantes. Essa expressão ocupa papel central na produção cultural da cidade”, afirma a diretora da FMC.


MOSTRA DE CINEMA E CIRCUITO HIP-HOP

Agendas da Mostra de  Cinema Periferia do Mundo e do Circuito Hip-Hop e das Batalhas de Danças Urbanas e de MCs em http://portalbelohorizonte.com.br/eventos/circuitomunicipaldecultura/programacao




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