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Estado de Minas MÚSICA

Bemti lança 'Logo ali', disco 'associado à ressaca das eleições de 2018'

Segundo álbum do cantor, compositor e violeiro traz parcerias de destaque, como em ''Quando o sol sumir'', com Fernanda Takai


04/10/2021 04:00 - atualizado 04/10/2021 17:52

Cantor, compositor e violeiro mineiro Bemti
Músico diz que faixas de ''Logo ali'' foram feitas com a intenção de serem atemporais (foto: Rafael Sandim/Divulgação)

Em 2019, o músico mineiro Bemti estava na estrada para divulgar seu primeiro álbum solo, "Era dois" (2018), quando foi tomado pela vontade de escrever músicas. Não demorou muito até ele perceber que era hora de começar a planejar o segundo, "Logo ali", lançado nas plataformas digitais na última quarta-feira (29/09). Nos dois anos que passou arquitetando a chegada do registro inédito de estúdio, o cantor, compositor e violeiro consolidou o conceito do trabalho, aprofundou sua estética e firmou parcerias com artistas como Fernanda Takai, Roberta Campos, Marcelo Jeneci e Jaloo.

"Quando o 'Era dois' saiu e eu comecei a tocar o disco ao vivo, muitas músicas começaram a surgir. Elas já me indicavam o caminho que o segundo disco deveria seguir. Quando eu estava escrevendo o projeto para submeter no edital do Natura Musical, me veio o conceito do disco, que está muito associado à ressaca das eleições de 2018", ele conta.

Segundo Bemti, "Logo ali" é um disco sobre "amar, desamar e seguir em frente, ainda que atravessados pelo fim e o recomeço de todas as coisas". "É um disco muito sobre o íntimo e o superlativo. As músicas dele relatam experiências pessoais atravessadas pela sensação de que o mundo está acabando", ele explica.

Essa sensação de terra arrasada, relacionada às consequências da eleição de Bolsonaro e à ascenção da extrema-direita no Brasil, ganhou um significado ainda mais negativo por conta da pandemia. Em 2020, Bemti planejava continuar a divulgação de seu primeiro disco até maio, com shows marcados inclusive em Portugal. Depois disso, em junho, seria a hora de lançar um single para anunciar a chegada do disco, no mesmo ano. Mas a COVID-19 o impediu de cumprir esse cronograma.

"Foram muitos altos e baixos. O último um ano e meio foi muito difícil emocionalmente. No início da pandemia, quando eu estava na roça, na casa dos meus pais, tive um bloqueio criativo muito grande e nada novo surgia. Foi mais ou menos no meio do ano, em julho, que começaram a vir novas canções e eu consegui dar continuidade ao disco", conta ele, que é natural de Serra da Saudade.

''Não queria que as letras ficassem datadas. Quero que elas funcionem agora, daqui a 10 anos e também se alguém conseguisse ouvir na década de 1970''

Bemti, músico


CATÁSTROFE TROPICAL

Bemti iniciou a divulgação do novo disco em novembro do ano passado com o single "Catastrópicos!", em parceria com o artista paraense Jaloo. Apesar do tom esperançoso, a música reflete sobre a sombra que paira sobre os tempos atuais. Segundo o músico, ela trata da "catástrofe de ser brasileiro" e foi feita para soar atemporal, assim como o restante do trabalho.

"Não queria que as letras ficassem datadas. Quero que elas funcionem agora, daqui a 10 anos e também se alguém conseguisse ouvir na década de 1970. A letra de 'Catastrópicos' tem muito disso. É sobre essa catástrofe tropical que é ser brasileiro e estar sempre atravessado por todas as mazelas que ficam cada vez mais horríveis. É sobre encontrar refúgio no afeto e na criação", ele explica.

Já neste ano de 2021, o músico lançou outros três singles: "Samba!" (com o duo paulistano Àvuà), "Se entrega!" e a ótima "Quando o sol sumir", que une a voz de Bemti com a de Fernanda Takai. Além de adiantarem muito da intenção do disco, os singles também revelaram o quanto esse disco foi feito a muitas mãos.

A produção é assinada por Luis Calil e Pedro Altério. Entre os músicos convidados estão Helio Flanders (da banda Vanguart), Paulo Santos (do grupo Uakti) e Marcelo Jeneci (que co-produziu, tocou e cantou na faixa 'Livramento'). No time de compositores com quem Bemti colaborou estão Roberta Campos, Berro e Nina Oliveira.

A lista de convidados ainda inclui a cantora e compositora baiana Josyara, na faixa "Salvador (Interlúdio)", e o artista português Murais, em "Do outro lado (Mantra tornado grito)".

"O que mais me atrai é o poder criativo do encontro e o surgimento da fusão entre diferentes artistas. Entre esses pontos de encontro me ajuda muito como artista. Eu vejo por aí muitas parcerias injustificadas, para gerar mídia. Comigo é diferente. O meu rolê é o significado desses encontros e eu confio muito no poder das músicas que nascem dessas parcerias", Bemti comenta.

CAPA CAIPIRA

Outro chamariz do disco é a capa, feita pelo artista mineiro Paulo Marcelo Oz a partir de fotografia do também mineiro Matheus Lustosa. Trata-se de uma "reinvenção expandida" do quadro "O derrubador brasileiro" (1879), do pintor Almeida Júnior (1850-1899).

"O Almeida Júnior é um pintor que foi o primeiro a retratar o universo caipira com um rigor acadêmico. Pesquisando a obra dele, chamou muito a atenção a maneira como ele mostra uma paisagem tropical, mas de forma densa, escura e pesada. Queria brincar com o clichê do que as pessoas entendem que é a brasilidade. A pintura mostra um cara que está repousando no meio de uma floresta meio derrubada", ele comenta.

O interesse de Bemti pelo universo caipira não está somente traduzido na capa do disco. Uma das principais características de suas músicas é a presença da viola caipira de 10 cordas presente na maioria das 12 faixas do álbum "Logo ali".

O músico conta que entrou em contato com o instrumento pela primeira vez quando estava gravando o curta-documental "Ele me chamava de Rosa" (2015), apresentado como trabalho de conclusão de curso da faculdade de Audiovisual, que ele cursou na USP.

"Fazendo esse documentário eu encontrei uma viola abandonada da família e pensei em fazer a trilha toda com ela. Foi uma iluminação. É um instrumento muito bonito que apresenta muitas possibilidades. O meu rolê virou explorar a viola. Toda a minha obra autoral se desenvolveu depois que eu comecei a tocar viola", ele afirma.

"Nos shows, eu toco uma viola elétrica e, nesse disco, eu usei bastante pedal para distorcer o som dela. É um tipo de experimentação que acho que só eu estou fazendo hoje no Brasil", acrescenta.

QUEERNEJO

Por conta do uso do instrumento, Bemti já foi associado ao universo da música sertaneja, na verdade com um nicho mais específico desse gênero: o queernejo, que busca trazer representatividade LGBTQIA+ para dentro de um universo marcado por um discurso machista.

Musicalmente falando, o trabalho de Bemti não orbita muito no universo da música sertaneja mainstream de hoje. Tanto é que, em seus perfis nas redes sociais, ele se define como um artista de queer-folk, MPB e indie-pop. Mas a questão identitária ainda continua importante em seu trabalho, independente de ser ou não sertanejo.

"Eu sinto muita falta de representatividade nas músicas que eu ouvia na infância e adolescência. E fico muito feliz que hoje em dia quem é adolescente tem uma fama muito maior de representações diversas para se espelhar. Até mesmo para poder se identificar e descobrir quem se é", afirma.

E o retorno dessa preocupação vem em forma de reconhecimento. "Desde que eu lancei o 'Era dois', recebo muitas mensagens de pessoas que cresceram ouvindo viola caipira e jamais imaginaram ouvir um cara gay cantando sobre as experiências com as quais eles se identificam. Isso é muito importante para mim", diz.

LOGO ALI
• Bemti 
• 12 músicas
• Independente/Natura Musical
• Disponível nas plataformas digitais 


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