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Estado de Minas MÚSICA

Rock pesado de Minas incentiva público a 'gritar contra o que não concorda'

Celeiro do metal, BH vê surgirem novas bandas, como Falsa Luz, que fez lançamento em cassete, e novos trabalhos de grupos já existentes, como Os Decréptos


26/09/2021 17:03 - atualizado 27/09/2021 17:37

Prestes a completar 15 anos de trajetória, a banda Os Decreptos lançou no sábado passado seu primeiro álbum completo
Prestes a completar 15 anos de trajetória, a banda Os Decreptos lançou no sábado passado seu primeiro álbum completo (foto: Angelo Arantes/Divulgação)


Em meados dos anos 1980, com o sucesso do Sepultura e os lançamentos do selo Cogumelo, Belo Horizonte ficou conhecida como a capital nacional do heavy metal. Aquela efervescência arrefeceu nos anos e décadas seguintes, mas a cidade se manteve, ainda que em fogo brando, como um importante nicho para o gênero. 
 
A movimentação no underground seguiu, com novas bandas surgindo e algumas, como Eminence e Pesta, se elevando, em diferentes momentos ao longo dos últimos 30 anos, a um patamar de maior visibilidade e reconhecimento.
 
Neste período de pandemia, o cenário do rock pesado em BH voltou a entrar em ebulição, inflamado por três frentes distintas. Prestes a completar 15 anos de estrada, a banda punk Os Decréptos lançou no sábado passado (25/9) seu primeiro álbum completo. 
 
Formada em 2020, a partir (e por causa) da chegada da pandemia, a banda Falsa Luz, que mistura punk, grunge e black metal, lançou, no final do ano passado, nove músicas, sob o título “Vozes penadas”. Desde então, o trabalho tem gerado burburinho entre fãs do gênero, e a Falsa Luz prepara para 2022 o lançamento de um compacto em vinil. 
 
E a banda Os Contras, originalmente formada em 1985 e reativada em 2018, após 17 anos fora da cena, lançou um EP em 2019 e prepara um álbum para o próximo ano.
O baterista Rodrigo Teles, um dos fundadores dos Decréptos ao lado do vocalista Daniel Moreira, diz que há muitos anos a banda alimentava o desejo de lançar um disco, e que esse sonho começou a tomar forma em 2019. 
 
Ele conta que o grupo começou o processo de gravação, que, no entanto, foi abortado em função da saída do guitarrista Gustavo, também integrante da formação original. “A gente já tinha gravado algumas músicas, então resolvemos lançar como EP, intitulado ‘Do jeito que o diabo gosta’, e reformular tudo, com um novo guitarrista e um novo baixista, para criar material novo e fazer esse disco a partir do zero”, conta.
 
Ele recorda que Os Decréptos surgiu como uma ação entre amigos que gostavam de punk rock, num momento, em 2007, em que havia muitos shows e festivais do gênero sendo realizados. Teles destaca que, de lá para cá, o grupo se apresentou em diversas casas de shows na capital e também em cidades do interior, como Ouro Preto, onde diz ter um público fiel.

INTERNET “Sempre fomos uma banda muito ativa no cenário. Com a internet, a gente ampliou o público, tem gente espalhada pelo Brasil inteiro curtindo, inclusive com eventuais convites para tocar em São Paulo e no Rio de Janeiro, então é um momento propício para lançar esse disco”, afirma.
Ele considera que também é favorável para o momento que a banda vive a perspectiva de retomada de shows presenciais, que atenderão à demanda reprimida de um público ávido. “É um pessoal que está aí há quase dois anos numa carência grande, então acho que, quando a situação voltar a ser de uma maior normalidade, vai ter muito show e muito público”, aposta.
 
“Outra coisa é o atual panorama político do país, que pede esse tipo de música que a gente faz. O punk sempre foi uma música de contestação, de protesto. A gente quer motivar a galera a gritar contra o que não concorda”, diz.

PUNK E BLACK METAL Novata no cenário do rock pesado em BH, a banda Falsa Luz é direta em sua apresentação: “Um projeto nascido da frustração e tristeza pandêmica de 2020”, que mistura gêneros distintos para chegar a um resultado “claustrofóbico e acinzentado”.
Os comentários elogiosos em torno do som que o grupo apresenta se ancoram justamente nessa originalidade alcançada a partir da junção de referências já muito cristalizadas para os diletantes do rock pesado.
 
A banda é nova em folha, mas seus integrantes já têm uma vasta quilometragem na cena metal, punk e indie rock da cidade. Eles gostam de se apresentar apenas pelas iniciais – DC (vocal), DD (guitarra e baixo) e GN (bateria) – mas algumas notícias a respeito publicadas em sites especializados entregam as identidades de Diogo CVMN, Daniel Debarry e Gentil Nascimento, músicos com passagens por bandas como Carahter, Oceania, Young Lights e Avalanche.
 
“Queremos que o som fale por si só. Nossos nomes ou nosso histórico não têm importância”, justifica o vocalista. “Atualmente, essa questão da imagem tem até mais peso do que o som, e a gente busca o contrário disso, queremos retomar um pouco do primitivismo daquela cena metal que projetou Belo Horizonte e Minas Gerais para o mundo; retomar um pouco a forma como as coisas eram feitas”, afirma, citando como referências para o som do Falsa Luz bandas como Mayhem, Ildjarn, Rudimentary Peni e Dinosaur Jr.
 
Essas balizas explicam um pouco a crueza e o despojamento que cerca as produções da banda, seja na sonoridade ou na forma como ela se mostra ao mundo. “Vozes penadas” foi gravado e mixado ao vivo em processo analógico de fita no estúdio Ilha do Corvo, capitaneado por Leonardo Marques, e masterizado pela própria banda. O lançamento ocorreu em edição limitada no formato de fita cassete. As músicas também estão disponíveis na plataforma Bandcamp. E só.

CASSETE “Não tem nenhuma resposta clara para o fato de a gente ter optado por lançar em fita cassete. Na verdade, é um formato que a gente gosta. Eu escuto muita coisa em cassete. As músicas não estarem no Spotify, por exemplo, tem a ver com isso. A gente faz o som que a gente gosta de escutar e embala num formato que a gente acha interessante”, diz DC.
 
“Desde que resolvemos criar a banda, motivados pela chegada da pandemia, a gente quis buscar esse black metal mais primitivo, despido de excessos, e isso acabou nos aproximando de outras coisas, como o punk. No final das contas, deu esse resultado que está um pouquinho fora de qualquer rótulo. Aquelas primeiras bandas lançadas pela Cogumelo tinham isso, faziam um som pesado que passava por gêneros diversos sem estarem presas a nenhum”, comenta o vocalista.
 
Sobre a gravação de “Vozes penadas”, DC destaca que o processo foi fragmentado, porque teve início entre março e abril do ano passado, no auge do confinamento provocado pela chegada da pandemia. “Começamos a compor por telefone e videochamada. Fechamos as músicas e, assim que o cenário da pandemia melhorou, fomos para o estúdio Ilha do Corvo, com o Leonardo Marques, que é um músico e produtor já bastante reconhecido em Minas e que a gente já conhece há muito tempo. Registramos as músicas tocando ao vivo no estúdio”, diz.
 
Foi também lá, na Ilha do Corvo, que o grupo gravou, no primeiro semestre deste ano, as novas músicas, que virão à luz em compacto de vinil a ser lançado no próximo ano.

PIONEIRA Decanos da cena, pioneiros do punk e do hardcore em Belo Horizonte, Os Contras estrearam em 1985, seguiram em atividade até 2001 – quando um dos fundadores, o baixista e vocalista Dota Bones, se mudou para Curitiba, para administrar a carreira dos filhos skatistas, que já participavam com êxito de competições nacionais e internacionais – e só retomaram a carreira 17 anos depois, em 2018. Esse retorno já rendeu o lançamento, em 2019, do EP “Quem somos nós”, produzido por André Cabelo no Estúdio Engenho, e promete, para 2022, um álbum completo.
 
“A partir do momento em que voltei para Belo Horizonte, em 2010, depois de quase 10 anos em Curitiba, comecei a ser convidado para tocar em bandas. Integrei as formações do Divergência Socialista, do Consciência Suburbana, do Bulldogs, então, como já estava nesse ritmo, pensei: por que não voltar com Os Contras? Chamei o Valério, que era da formação original, para a guitarra, o Lau, para a bateria, e começamos a compor músicas novas”, conta Bones.
 
Ele diz que outro estímulo para retomar o trabalho com Os Contras foi o fato de um de seus filhos, Paulo Alexandre Almeida Santos, ter se tornado famoso como o produtor Coyote Beatz, parceiro do rapper Djonga desde 2013.
 
GRANA “Quando chegamos a BH, ele começou a trabalhar com o Djonga e explodiu, montou um baita estúdio. Isso me animou, ver o cara ganhando grana, com autonomia. Hoje eu penso em fazer um disco punk com produção dele, chamando convidados de peso, como o Jairo Guedz, que foi da primeira formação do Sepultura”, ressalta.
 
Paralelamente ao trabalho com Os Contras, Bones diz que continua organizando campeonatos de skate, no Parque Lagoa do Nado, onde também promove um festival que, ao longo de sua história, já reuniu diversas bandas do underground de Belo Horizonte. Ele considera que há uma relação estreita entre a cultura do skate, o rap e o hardcore. 
 
“A gente sempre tocou muito em campeonatos de skate, porque ali tem uma mistura muito grande, é a cultura de rua, o grafite, o rap, o punk, tudo junto. Como faço eventos de skate toda hora, tento usar esse espaço para agregar a música. O skate é uma família, então hoje me tornei também um produtor de eventos”, diz.
 
Bones garante que Os Contras de 2021 mantêm o mesmo espírito de 1985, no sentido de exprimir de forma contundente a insatisfação com o cenário político e social, que não era bom naquela época e não é bom hoje. Ele entende, contudo, que o cenário é completamente outro.
 
“Hoje a gente está na mesma plataforma que qualquer banda do mundo. O Sepultura e o Metallica estão no Spotify e a gente também está ali. Antes, se você queria aparecer, tinha que estar na MTV. Antes você era refém de gravadora. Se você não entrasse na Cogumelo, você não era ninguém aqui. Hoje tem uma mídia aberta para todo mundo, então é aproveitar, seguir produzindo, porque hoje a gente tem tudo na mão, está mais fácil”, diz.
 
Lançando uma visão panorâmica sobre a história do rock pesado em Belo Horizonte, ele observa que o gênero perdeu terreno, principalmente para o rap – o que ele não acha ruim. Bones acredita que, para recuperar a musculatura que a cena já teve outrora, é necessário mais atividade, mais união e mais abertura, o que, conforme aponta, é justamente um ensinamento do movimento hip hop. 
 
“O jeito de passar a mensagem mudou. Você não precisa mudar de estilo, só tem que ser mais ativo e ser mais unido, como o pessoal do rap é. Independentemente do estilo, acho que tem que misturar mais, punk com metal com rock com blues, para cativar a geração mais nova, para que ela possa absorver melhor o que a gente tem a dizer”, aponta.
 
Ao fazer uma análise da cena, Rodrigo Teles, dos Decréptos, também percebe um envelhecimento do culto ao rock pesado. “Você não vê mais moleques no rolê, quem segura esse cenário ainda é a galera dos anos 1980, 1990 e 2000. Minha preocupação é com o futuro, porque parece não haver herdeiros”, aponta. 
 
Já DC, do Falsa Luz, enxerga uma clara diminuição do espaço que o rock pesado ocupa hoje em relação ao seu período áureo na capital mineira, mas ele vê, também, uma permanência sólida, distante de um ponto final. “BH sempre teve bandas de rock pesado, nos anos 1980, 1990, 2000. É uma cena que funciona por si só, que conseguiu se carregar sozinha durante todos esses anos e virar referência.”


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