Os textos ditos pelos atores Carla Diaz (Suzane Richthofen) e Leonardo Bittencourt (Daniel Cravinhos) reproduzem trechos dos autos do processo em 'A menina que matou os pais' e 'O menino que matou meus pais'

Os textos ditos pelos atores Carla Diaz (Suzane Richthofen) e Leonardo Bittencourt (Daniel Cravinhos) reproduzem trechos dos autos do processo em "A menina que matou os pais" e "O menino que matou meus pais"

Fotos: Stella Carvalho/Divulgação

Faça no Google uma pesquisa com o nome Suzane. Invariavelmente, você será encaminhado a páginas com conteúdo sobre a menina loira de classe média alta paulistana que, na madrugada de 31 de outubro de 2002, três dias antes de completar 19 anos, ordenou o assassinato dos próprios pais. Dentro de casa, enquanto dormia, o casal foi morto a marretadas pelo namorado da filha e pelo irmão dele. 

Neste século, no Brasil, somente o caso Nardoni (2008) teve igual repercussão à do caso Richthofen. Passados quase 20 anos do crime, qualquer notícia sobre Suzane e os irmãos Cravinhos (Daniel e Christian) tem grande reverberação. A mais recente, da última semana, é que Suzane, que cumpre pena de 39 anos e meio e está no regime semiaberto na Penitenciária Feminina de Tremembé, interior de São Paulo, foi autorizada pela Justiça a cursar farmácia em uma universidade de Taubaté, na mesma região.

É compreensível, pela relevância do caso, que ele gere desdobramentos: livros, filmes e séries. A novidade que será lançada nesta sexta (24/09) na Amazon Prime Video chega em formato duplo e com um atraso de um ano e meio. 

“A menina que matou os pais” e “O menino que matou meus pais” são dois longas de ficção com roteiro criado a partir dos autos (que são públicos) do processo, que culminou com a condenação, em 2006, dos três envolvidos no crime – Daniel Cravinhos teve pena igual à de Suzane e o irmão dele, Christian, de 38 anos e meio.

INÉDITO 

Dirigidos por Maurício Eça, os filmes foram rodados simultaneamente em 2019. Teriam, em 2 de abril de 2020, um lançamento inédito no mundo: estreariam em 600 salas de cinema, em sessões alternadas. 

Veio a pandemia e o resto da história é conhecido: os longas acabaram sendo vendidos para uma plataforma de streaming. Com a mudança, a dupla narrativa estará disponível nos 240 países em que a Prime Video opera. 

A ideia de filmar o caso Richthofen é de Eça, mas foi com a chegada de Ilana Casoy (criminóloga e autora de dois livros sobre o crime, “O quinto mandamento”, de 2009, da Ediouro, e “Casos de família”, de 2016, da Darkside) e de Raphael Montes (escritor de romances policiais e roteirista) que o projeto se desmembrou em dois filmes.

DEPOIMENTO 

“A menina que matou os pais” foi baseado no depoimento de Daniel Cravinhos nos autos; e “O menino que matou meus pais”, no de Suzane. São versões absolutamente díspares, em que basicamente um culpa o outro pelo ocorrido. Suzane processou a produtora Santa Rita, responsável pelos longas, mas o caso foi considerado improcedente.

O crime em si é pouco mostrado nos filmes. Ambos tratam sobretudo da vida dos Richthofen – os pais, Marisia (Vera Zimmermann) e Manfred (Leonardo Medeiros), e os filhos Suzane (Carla Diaz) e Andreas (Kauan Ceglio) – e dos Cravinhos – os pais Astrogildo (Augusto Madeira) e Nadja (Débora Duboc), e os filhos Daniel (Leonardo Bittencourt) e Christian (Allan Souza Lima) – a partir de 1999, quando o jovem casal se conheceu por meio do aeromodelismo. 

POLÍCIA 

O começo dos filmes é o mesmo: a chegada da polícia na casa dos Richthofen e a descoberta dos corpos e, em 2006, o início do julgamento. A partir daí, as narrativas são feitas em flashback, mostrando a relação dos jovens – a paixão, a descoberta do sexo e das drogas, as brigas com as famílias, as diferenças econômicas – até o crime. 

“A história do que aconteceu todo mundo sabe. O que não se sabia é como eles chegaram ali. Cada um contou uma história completamente diferente do outro. A grande sacada é que os pontos de vista se complementam, são necessários para entender o crime. Tem coisas que o Daniel fala e a Suzane não; coisas que se vê num filme e no outro não. Acho que é uma história que pode proporcionar uma discussão para tentar entender a mente humana”, diz Eça.

A primeira noite do casal Suzane e Daniel é um bom exemplo de como as “cenas-espelho” funcionam. Na versão dele, após um jantar, é a própria Suzane quem toma a iniciativa. Na dela, a situação se parece com um abuso. Montes diz que tudo o que está nos filmes foi tirado dos autos. “A Suzane conta que a primeira vez dela foi diferente de tudo o que tinha imaginado. Nós, como roteiristas, escolhemos como narrar, mas os eventos estão todos nos depoimentos.” 

Montes, que diz que os filmes são “um feliz encontro entre a ficção e a não ficção”, cita outras produções como inspiração para o formato: a recente série “The affair” (2014-2019) e o clássico “Rashomon” (1951), de Akira Kurosawa. No longa do mestre japonês, um estupro e assassinato são descritos por quatro testemunhas com versões contraditórias – o longa virou a grande referência para produções que apresentam diferentes pontos de vista para os mesmos fatos.

Na intenção e no discurso dos realizadores, os dois filmes fazem exatamente isso. No entanto, ao telespectador o que mais interessa é como fazem. Aí a questão se complica. “A menina...” e “O menino...” foram filmados quase como uma “Malhação” com um crime como pano de fundo. Eça, que fez escola nos videoclipes (é dele o antológico “Diário de um detento”, do Racionais MCs) imprime o mesmo clima. Várias sequências são rodadas como um grande vídeo com músicas de Charlie Brown Jr. e O Rappa ao fundo.   

CARICATURA 

Pior: para dois filmes sobre uma mesma história, faltam nuance e densidade em todos os aspectos. As interpretações são rasteiras e sem meios tons – ou se é bom ou ruim. Ainda que a semelhança física ajude, a Suzane de Carla Diaz recai na caricatura, principalmente nas sequências de tribunal. Além disso, os personagens não ajudam – o casal Suzane/Daniel é chato tanto apaixonado quanto às turras. 

Quando você chega ao segundo filme, tenha começado pela ordem que for, o interesse, dada a previsibilidade da trama, já desapareceu. Melhor voltar para o Google – lá, pelo menos, o mundo cão, para os que gostam do gênero, traz sempre uma nova história.

“A MENINA QUE MATOU OS PAIS” E “O MENINO QUE MATOU MEUS PAIS”
Os filmes estreiam nesta sexta (24/09), na Amazon Prime Video

Réus tentaram proibir obras

Além dos já citados livros de Ilana Casoy, também foram publicados outros volumes sobre o caso: “Richthofen: O assassinato dos pais de Suzane” (2011, Editora Planeta), de Roger Franchini, ex-investigador da Polícia Civil de São Paulo, e “Suzane: Assassina e manipuladora” (2020), do jornalista Ulisses Campbell.

Este último teve, em novembro de 2019, sua publicação proibida pela Justiça de São Paulo, a pedido de Suzane. A censura durou 37 dias – foi derrubada pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Valendo-se do ocorrido, autor e editora (Matrix) lançaram o volume com o selo “O livro que a Justiça proibiu” estampado na capa.

No início deste ano, Christian Cravinhos entrou com pedido no TJ-SP para censurar o episódio da série “Investigação criminal” que aborda o caso. O mais velho dos Cravinhos pedia que o episódio fosse retirado do ar, além de indenização de R$ 500 mil. O pedido foi negado. O episódio em questão foi lançado em 2012 e está disponível na Amazon Prime Video.

Carla Diaz afirma que seu primeiro desafio foi se distanciar do caso real para interpretar Suzane Richthofen

Carla Diaz afirma que seu primeiro desafio foi se distanciar do caso real para interpretar Suzane Richthofen



três perguntas para...

CARLA DIAZ E LEONARDO BITTENCOURT
atores

Como vocês se prepararam para o filme?
Carla – Eu tinha 12 anos na época (do crime), lembro-me muito bem da repercussão no noticiário e ficava me perguntando o que se passava na cabeça de uma filha para fazer isso com os pais. O primeiro desafio foi encontrar um distanciamento do casal real, o julgamento pessoal, para interpretar as personagens dentro das variações.
Leonardo – A Carla foi aprovada (nos testes) antes; eu cheguei nos 45 do segundo tempo, houve uma busca muito grande para o (ator desse) papel. É um caso que todo mundo conhece e, ao mesmo tempo, sabe-se muito pouco. O que nos ajudou a mudar a “chave” (dos papéis para cada filme) foi entender que um tinha certo domínio e o outro era dominado. A preparação foi muito bem dividida, o que nos ajudava a entender que um mesmo cara tinha uma versão e na outra era completamente diferente. 

Quais foram as cenas mais difíceis?
Carla – A sequência do tribunal em que o cenário era exatamente igual (ao real), onde estava o elenco inteiro mais figuração, a equipe completa. Era muita gente e a concentração foi essencial para os filmes darem certo. Houve uma divisão para o que tinha que ser feito para o filme 1 e para o filme 2. Estava todo mundo emocionado, pois ali as falas eram exatamente as mesmas dos autos do processo.
Leonardo – Para mim foi a gravação do crime e do tribunal. (Essa última) Mexia comigo, porque o clima foi muito próximo de quem esteve ali. E a do crime teve a exaustão da cabeça e do corpo. Foram dois dias de gravação com muitas ações físicas, equipamentos pesados. No final, tive uma travada na coluna.

Carla, passados meses do fim do “BBB21”, acredita que sua participação no reality tenha valido a pena? 
Carla – Pela exposição, as pessoas puderam ver a Carla como pessoa, e era exatamente isso que eu queria. No ano passado, tive um câncer de tireoide, me curei, então quis mergulhar de cabeça no projeto, vivenciar emoções bem diferentes das que uso na composição de personagens. Claro que foi positiva, senão não estaria trabalhando tanto quanto estou. Estou correndo pra lá e pra cá, lancei duas coleções, uma de óculos e uma de lenços, e estou com projetos para este ano e para o próximo.