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Estado de Minas LITERATURA

Ricardo Aleixo convoca a poesia a combater o bom combate

Poeta mineiro lança 'Extraquadro' e defende que a poesia ocupe lugar central no debate sobre a conjuntura do país


25/07/2021 04:00

O poeta Ricardo Aleixo com seu livro, na Praça da Liberdade, tema de um dos poemas da coletânea(foto: Leandro Couri/EM/D.A.Press)
O poeta Ricardo Aleixo com seu livro, na Praça da Liberdade, tema de um dos poemas da coletânea (foto: Leandro Couri/EM/D.A.Press)

Na esteira de seu aniversário de 60 anos, em setembro do ano passado, o multiartista Ricardo Aleixo, amplamente reconhecido por seu trabalho na seara da literatura, pretendia lançar dois livros de poesia. Às vésperas do lançamento, contudo, ele foi diagnosticado com glaucoma e precisou interromper tudo para fazer o tratamento, que resultou numa cirurgia “bastante delicada”, conforme aponta, em abril deste ano. 

Agora, passado o susto, ele finalmente traz à luz “Extraquadro”, que reúne poemas escritos entre 2013 e 2020 – muitos deles divulgados apenas nas redes sociais e outros tantos que permaneciam totalmente inéditos. E daqui a dois meses será lançada a outra coletânea de poemas, batizada “Diário da Encruza”.

Ricardo explica que, já há alguns anos, tornou-se um procedimento comum escrever poemas que publica nas redes sociais e que vão, com o tempo, formando um conjunto. A resposta e a aceitação são o que leva à publicação desses textos. 

“Isso aconteceu com o ‘Impossível como nunca ter tido um rosto’, que lancei em 2015, aconteceu com o ‘Antiboi’, de 2017, acontece agora com o ‘Extraquadro’ e vai acontecer com o ‘Diário da Encruza’, que vai sair por uma editora da Bahia, a Organismo”, cita. “O paradoxal nesse processo é que a criação desses poemas tem sido determinada pela urgência em relação ao enfrentamento da situação brasileira. Às vezes, eu já acordo com muito ódio de tudo, daí escrevo um poema e posto imediatamente. E às vezes isso ganha uma unicidade”, diz.

MARGEM 
Sobre “Extraquadro”, Aleixo salienta que o próprio título do livro já entrega o fio que costura os 32 poemas nele reunidos. Extraquadro, ele explica, é um procedimento técnico tanto da fotografia quanto do cinema para tratar de questões que não estão no centro da imagem, que estão à margem, porém intrinsecamente relacionadas com a cena. 

“Com a emergência do fascismo no Brasil, senti a necessidade de acompanhar um pouco como ele se organiza, e não apenas criticá-lo. É inútil dizer que o fascismo não passará. Ele já passou, está passando e vai continuar a passar. O lugar onde ele habita é o desejo, e o desejo está no cerne do capitalismo, é justamente o que o capitalismo explora, então, enquanto houver capitalismo, haverá fascismo”, afirma.

O poeta aponta que, dessa forma, o que “Extraquadro” pretende é captar aquilo que não está dado a ver. “A gente não consegue acompanhar o que sustenta essas aberrações todas. O livro é uma forma de tentar entender, por meio da poesia, que para mim é um campo de conhecimento, aquilo que está na margem”, ressalta. 

“Extraquadro”, assim como toda a produção recente de Ricardo Aleixo, tem a ver com o diálogo que ele tem mantido com o pensamento radical negro, transnacional, especialmente com o pensamento das feministas negras. “São poemas que refletem esse diálogo de forma bem íntima”, diz.

CRÍTICA 
Ele considera que o estímulo decisivo que o levou a rever, a partir do final de 2020, sua produção nos últimos anos e reuni-la em um volume (ou dois, no caso, já considerando “Diário da Encruza”) foi o entendimento de que a poesia “pode e precisa se colocar criticamente em face do que acontece no mundo”. 

Para o autor, a poesia não pode se manter alheia, precisa recuperar sua dimensão crítica, próxima da filosofia, no sentido de pensar o mundo. “Isso vale não só para o ‘Extraquadros’, mas para qualquer evento meu. Trata-se não só de comentar o que acontece, mas, às vezes, antecipar o que vai acontecer. É participar de corpo aberto da discussão acerca do que acontece no Brasil e no mundo, é o que me move.”

Já o impulso para, agora, retomar o lançamento de “Extraquadro” e, em breve, o de “Diário da Encruza” tem a ver, conforme ele conta, justamente com o problema ocular que interrompeu esse processo. “Acabei fazendo um filme-ensaio a respeito das 16 horas que vivi sem enxergar absolutamente nada entre a cirurgia a que fui submetido e a retirada dos curativos. Foi muito importante no sentido de eu recuperar a confiança em mim mesmo e na vida. Foi o estímulo para retomar esses lançamentos”, revela.

Forma que embala o conteúdo

O componente visual tem uma importância grande em “Extraquadro”. Os poemas assumem diferentes composições no livro, como uma espécie de partitura. O modo pelo qual Ricardo Aleixo os dispõe ao longo da obra provoca no leitor não somente a ida ao encontro com esses textos, mas, principalmente, o encontro com possibilidades e caminhos para performar cada poema. 

O projeto gráfico do livro, realizado pelo artista e designer Mário Vinícius, potencializa os poemas e as imagens feitas por Aleixo presentes na obra, além de dar um diferente trato às páginas, à capa e à sobrecapa. “Extraquadro” possui um trabalho minucioso na capa, que apresenta um corte feito com faca especial no título, criando uma tipografia “vazada”. Já a sobrecapa que envolve todo o livro foi pensada de modo que, ao ser desdobrada, ela se transforme em um pôster.

“Eu sempre pensei que a poesia é a mais materialista das formas da palavra. Alguém que lança um livro de contos, crônicas ou um romance não tem tanta preocupação com o aspecto visual. E eu sou também um artista visual. Mas tem o seguinte: descobri, de uns anos para cá, que não sou o melhor editor para minhas obras nem o melhor designer gráfico para elas. O Mário (Vinícius), ele fez o projeto gráfico do livro de 2015 e eu gostei muito do trabalho. Ele é um tipógrafo também, e criou as fontes do ‘Impossível como nunca ter tido um rosto’. Passei a chamá-lo de maestro, e desde então estabeleci essa parceria com ele. O Mário é um orquestrador”, diz, elogiando a forma como o parceiro consegue pôr ordem em processos que, aparentemente, não têm nenhuma.

“Nós fizemos uma sessão lá em casa, uma jornada de experimentações. Eu trouxe desenhos, manuscritos, trabalhos visuais, e o Mário foi fotografando tudo e conversando comigo. E depois ele me volta com tudo aquilo organizado, na forma de um projeto que não demonstra toda essa entrega que a gente viveu nessa jornada, que foi muito anárquica. Não dava para entender, acompanhando aquela jornada, que iria sair dali algo tão limpo. Daí essa imagem do orquestrador, do maestro, que consegue um resultado límpido e que vai direto ao ponto. O Mário é alguém para quem eu não consigo falar o que eu quero; como grande conhecedor do meu trabalho, ele já se antecipa”, diz.

"Extraquadro"
.Autor: Ricardo Aleixo
.Projeto gráfico: Mário Vinícius
.Impressões de Minas (68 págs.)

Obras no Museu da
Língua Portuguesa

No próximo dia 31, será realizada a reinauguração do Museu da Língua Portuguesa, em São Paulo, com duas obras de Ricardo Aleixo, sendo uma delas a filmagem de uma performance que será exibida numa tela de 100 metros, um trabalho inédito, feito a convite do museu.



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