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Estado de Minas MÚSICA

Disco do quarteto Ludere reiventa a música de Baden Powell

Liderado pelo pianista Philippe Baden Powell, grupo criou faixas a partir de trechos incompletos de melodias que o genial violonista deixou


14/11/2020 04:00

Quarteto Ludere recriou trechos incompletos de melodias que Baden Powell deixou (foto: Acervo)
Quarteto Ludere recriou trechos incompletos de melodias que Baden Powell deixou (foto: Acervo)
O que faz um menino ao descobrir que vive na mesma casa em que Batman viveu? Sai pelos cômodos abrindo portas e armários em busca das pistas que o Homem-morcego deixou até encontrar a passagem secreta que leva aos maiores segredos de seu herói. O Batman de Philippe era seu pai, Baden Powell, e o esconderijo estava logo ali, nos armários do violonista, em partituras envelhecidas e algumas poucas gravações em fitas cassete. Baden não gostava de tanta modernidade. Preferia escrever suas melodias sem anotar sequer os acordes que elas sugeriam. No dia em que Philippe as encontrou, abriu duas portas ao mesmo tempo. Uma levava ao passado, nas tardes em que o pai colocava o violão sobre a coxa, e outra ao futuro, onde Baden adorava sempre estar.

O pianista nascido na França, irmão do violonista Marcel Powell, Philippe construiu um projeto arrojado com o material que encontrou nos alfarrábios do pai. Ao se deparar com trechos de melodias deixadas sem conclusão e outras que se tornariam algumas de suas famosas obras, priorizou as primeiras. Um tempo depois, com um coletivo arregimentado pelo trompetista Rubinho Antunes, colocou as cartas que tinha na mesa e pediu que os parceiros selecionassem as músicas. Cada integrante do quarteto Ludere, formado por ele, Rubinho, o baixista Bruno Barbosa e o baterista Daniel de Paula, escolheu duas que gostaria de arranjar. O grupo já havia lançado os discos Ludere (2015), Retratos (2017) e Live at Bird's Eye (2019).

 Homenagens e versões abastecem a música brasileira há mais de 100 anos. Mas esta novidade requer reflexão. Pode trazer dúvidas o fato de ali estarem apenas fragmentos pensados por Baden, muitos deles abandonados talvez por ideias mais promissoras. Então, veio a proposta de Philippe. Trechos completos ganhariam arranjos do quarteto, as segundas partes e os incompletos seriam finalizados em parcerias. Algumas músicas receberam letra. E esse trabalho resultou no álbum Baden inédito.

O que se extrai do disco não são músicas de Baden em sua integridade, mas desenvolvimentos de inspirações. Philippe vai ouvir que o Ludere se distanciou da essência do violonista, e isso muitas vezes foi exatamente o que aconteceu. Tirando o violonista convidado Thiago Carreri, o álbum não coloca o instrumento maior de Baden no foco. Então, como equalizar a expectativa de se ouvir Baden sem que Baden esteja presente em seus maiores signos?

Eis a grandeza de Baden inédito. Assim como o violonista ensinou a só fazer algo que pertencesse a alguém se fosse para deixar sua marca, o quarteto ignorou o fato de orbitar ao redor do filho do próprio homenageado. Ao descolar do Baden que esperamos, o álbum traz algo que, talvez, não tenha tido tempo de existir.

Vai coração recebeu letra de Pretinho da Serrinha e a voz de Vanessa Moreno. Um samba cheio da tradição evocada por Pretinho, mas com bateria reta e pulsante de Daniel, difícil de ser feita pelas tentações em quebrá-la.

Ainda mais longe da ideia de um Baden conservador, algo que ele nunca foi, a faixa Afrossambagroove tem de novo o rumo ditado pelo motor rítmico de Daniel de Paula. Tradicionalistas podem ter dificuldades em digeri-la como obra de Baden, mas é bom saber como era o Baden em casa.

“Não fico nessa de rezar missa de sétimo dia, de velar os mortos o tempo todo. Meu pai sempre me incentivou a olhar para a frente e me trazia discos de Whitney Houston e de Michael Jackson”, conta Philippe. A sequência traz o jazz Lamento para Milton Banana, lembrando um dos maiores bateristas do samba jazz, que tocou muito com Baden nos anos 1960. Uma balada para deixar mais à vontade o piano de Philippe e o trompete de Rubinho – um dos maiores sopros de sua geração, ele não recorre a exibicionismos impressionistas.

IMPROVISO 
A faixa Partido tem um Baden mais explícito em sua melodia, mas até que o tema seja diluído pelos improvisos. Depois de Mergulhador, Meias verdades parece atingir o ponto mais longe de qualquer resquício de Baden, mas ele está lá, tranquilo, até que Fabiana Cozza surja na faixa seguinte. O samba A lua não me deixa, com letra de Eduardo Brechó, é difícil, cheio de caminhos tortos, sem uma cama harmônica tão confortável, mas que a voz e a afinação de Fabi dominam sem temor.

Philippe não morava com o pai em seus últimos anos de vida, no final da década de 1990. Por isso, não pegou a fase em que o violonista deixou de interpretar os afrossambas feitos em parceria com Vinicius de Moraes para ser coerente com sua conversão ao cristianismo evangélico. O que diria Baden se visse o papa Francisco abrir uma janela no Vaticano para evocar um trecho de Samba da bênção? Iria ficar confuso, como o próprio papa pode ter ficado, ao saber que levou à Igreja um samba que louva a “pele macia de Oxum”. (Estadão Conteúdo)

BADEN INÉDITO
De Ludere
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