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Estado de Minas POUSO FORÇADO

Indústria da música prevê que shows não voltem em 2020

Setor busca alternativas para arrecadar receitas, como a realização de 'lives', e cobra auxílio do poder público


postado em 10/05/2020 04:00 / atualizado em 08/05/2020 18:14

Público vibra com show do Festival Sarará, na Esplanada do Mineirão, em agosto passado. Edição 2020 segue agendada, mas produtora admite que evento pode ser adiado ou cancelado(foto: Alexandre Guzanshe/D.A.Press )
Público vibra com show do Festival Sarará, na Esplanada do Mineirão, em agosto passado. Edição 2020 segue agendada, mas produtora admite que evento pode ser adiado ou cancelado (foto: Alexandre Guzanshe/D.A.Press )

"Hoje sabemos que o buraco é mais embaixo. Talvez não voltemos por agora, talvez nem neste ano. Então fica a incerteza, mas estamos fazendo tudo com plano A, B e C"

Bel Magalhães, sócia da produtora A Macaco

Música ao vivo não tem faltado na quarentena. Pelo menos no Brasil, a agenda das lives é agitada, com várias sendo realizadas a cada dia e atraindo enormes audiências virtuais. Apesar do sucesso, o formato não passa de um paliativo para quem era acostumado a ver, do palco, uma multidão diante de si. Os shows ao vivo eram o motor da indústria musical e sua suspensão desorganiza uma cadeia que envolve profissionais de diversas especialidades.
Com o quadro de disseminação do novo coronavírus se agravando no Brasil e diante da falta de uma previsão concreta para a retomada de eventos musicais, produtoras, casas de shows e músicos se preparam para um cenário muito difícil, lamentam a falta de apoio do poder público, mas não deixam de acreditar no futuro da música.

“Grandes eventos, como shows e esportes, quando as pessoas dizem que vão reagendar para outubro de 2020, não tenho ideia de por que elas acham que essa é uma possibilidade plausível. Essas coisas serão as últimas a voltar. Realisticamente, estamos falando no outono de 2021 (segundo semestre, no hemisfério Norte), no mínimo”, afirmou o diretor do Instituto de Transformação da Saúde da Universidade da Pensilvânia, Zeke Emmanuel, ao jornal The New York Times, no mês passado.

No Brasil, profissionais envolvidos com a realização de eventos musicais lidam com a hipótese de retornar a algo próximo à normalidade de antes apenas no primeiro semestre do ano que vem. “Quanto aos shows presenciais e festivais, que são nosso carro-chefe, estamos aguardando uma direção mais concreta das autoridades. Há dois meses, fizemos uma reunião sobre como seria esse período e, naquela época, imaginávamos que a quarentena seria rápida, que agora já estaria terminada”, afirma Bel Magalhães, sócia-proprietária da produtora belo-horizontina A Macaco, responsável pelos festivais Sensacional e Sarará, além do gestão artística da carreira de vários artistas, entre eles a banda Lagum. “Hoje sabemos que o buraco é mais embaixo. Talvez não voltemos por agora, talvez nem neste ano. Então fica a incerteza, mas estamos fazendo tudo com plano A, B e C”, diz ela.

A edição 2020 do Sarará, um dos maiores festivais de Minas, realizado na Esplanada do Mineirão, está prevista para 29 de agosto, ainda sem atrações confirmadas. A produtora trabalha com a possibilidade de adiamento da data, aguardando posicionamentos mais precisos do poder público sobre prazos, possibilidades e condições.

Nos protocolos lançados pelo governo estadual na semana passada para a retomada de atividades econômicas, a produção de shows ou qualquer evento com potencial de aglomeração não foram sequer incluídos, por “necessitarem uma ótica diferenciada de tratamento”, segundo o texto. O documento os classifica entre “setores que só poderão ser retomadas quando houver controle da pandemia”.

RESTRIÇÕES 

Também está claro que, mesmo quando a realização de shows for liberada, as condições podem ser bem diferentes, com muitas restrições. “Temos a leitura de que o público estará em condições financeiras complicadas depois da quarentena. Isso também é um impacto. A cultura vai precisar de um olhar especial, vamos precisar do poder público, pois vai ser um baque. É toda uma cadeia de profissionais. Fomos um dos primeiros a parar, seremos os últimos a voltar. Será preciso medidas para fortalecer produtores, músicos, DJs, profissionais da técnica, limpeza”, diz Bel Magalhães.

Entre as casas de show, o momento é de preocupação, mas não de falta de ideias. A Autêntica, um dos principais redutos da música autoral de Belo Horizonte, teme por não poder permanecer no mesmo local futuramente, devido à dificuldade de pagar os aluguéis sem faturamento.

Contando com colaborações do público, por meio de lives musicais, para pagamento da folha de funcionários, Leo Moraes, um dos proprietários da casa, afirma que “a maior apreensão é o espaço, manter o local”, e que existem conversas entre casas de todo o país sobre possibilidades para o futuro.

“Temos um grupo com gente do Brasil todo, do Circo Voador, do Rio; do Cine Joia, de São Paulo, casas do interior. Nossa expectativa é que, quando voltar, não será com capacidade total das casas. Imaginamos restrições, primeiro 20% da capacidade, depois 50% e assim por diante. Acredito que trabalhar com capacidade total só em 2021”, afirma.

Entre as questões que circundam a volta dos shows, segundo Leo Moraes, há também a confiança do público para voltar a participar de aglomerações. “Pode haver uma euforia inicial, quando as casas forem reabertas, mas, até que haja uma vacina, será uma situação delicada. A tendência é que muitas casas fechem as portas, festivais não aconteçam, mas estamos acostumados a trabalhar em situação adversa. O meio cultural vai sobreviver, vai se reinventar, tem muita gente pensando em soluções.”

No caso d’A Autêntica, a tendência é “focar só na cena local inicialmente. Um custo menor, com público reduzido. As cidades vão ter que olhar mais para si mesmas, porque vai ser mais difícil viabilizar a vinda de artistas de fora, com limitação de público. Outra alternativa trabalhada é trazer grandes artistas para espaços menores, mais intimistas, podendo cobrar um preço maior no ingresso, que viabilize o show. Mas é um dia após o outro, só com o tempo saberemos como o público irá reagir”.

INCERTEZA 

Enquanto os planos são feitos num cenário de grande incerteza, muitos dos agentes envolvidos na realização de shows encontram nas "lives" uma forma de se manter em atividade.

“Uma certeza absoluta é que as experiências ao vivo são insubstituíveis, mas o movimento é que o mercado se torne mais híbrido nesse sentido. Os produtores que já eram preparados para entregar seus eventos no meio digital estão sofrendo menos”, diz Gabriel Temponi, head de marketing do Sympla, uma das principais plataformas de promoção de eventos e venda de ingressos do Brasil.

Temponi entende que o momento demanda solidariedade e parceria. “É fundamental pensar na cadeia de profissionais. Não adianta pensar em mercado sem pensar no próximo. Importar-se com a cadeia nunca foi tão importante quanto agora, pois, quando os eventos voltarem, e vão voltar, ela tem que estar viva”, afirma.

O executivo diz que tem conversado com produtoras de todo o Brasil. Ele cita que sua empresa criou o Sympla Streaming, voltado para realização de eventos on-line de setores além do entretenimento, como corporações e cursos e diz que os resultados têm sido positivos. A expectativa dele é que haja um esforço dos profissionais ligados à música para aprimorar o que ele chama de “entrega de conteúdo on-line”.

Na opinião do cantor e compositor Makely Ka, integrante do Fórum da Música, formado por artistas e outros profissionais do setor, a volta dos shows é uma questão secundária no momento. “Tenho visto muitas conversas, previsões de retorno e acho uma bobagem. Temos de permanecer vivos agora. ‘Ah, porque o mercado da música movimenta bilhões’. Movimenta para quem? É sempre na perspectiva dos grandes eventos. Os pequenos artistas ganham pouco. Queremos permanecer vivos, diante dessa pandemia, por isso cobramos do poder público, que até hoje não soltou nada”, afirma.

Makely ressalta que foi solicitado ao governo de Minas, via Secretaria de Estado de Cultura e Turismo, o lançamento de editais emergenciais para a cultura, utilizando o Fundo Estadual da Cultura – pedido formalizado em carta com dezenas de signatários, incluindo o Fórum da Música, em 31 de março.

As principais reivindicações são 800 bolsas de criação e pesquisa para trabalhadores individuais no valor de R$ 10 mil cada e 100 prêmios de manutenção para grupos e entidades culturais, em valores escalonados entre R$ 50 mil e R$ 100 mil.

O secretário interino de Cultura, Bernardo Silviano Brandão Vianna, afirmou ao Estado de Minas no mês passado que a pasta preparava um edital emergencial para socorrer “a base da pirâmide”. Até o momento, a iniciativa não se concretizou.

“Não faz sentido antecipar nada. Quando tudo se acalmar, OK. Retomamos os shows. Do contrário, imagine o constrangimento de um show com pessoas separadas, ou com todo mundo desconfiado, com medo”, diz Makely.

Embora seja difícil prever quando os shows poderão voltar a ser realizados, alguns dos grandes eventos de música do país seguem programados. O Lollapalooza, inicialmente marcado para março, mantém sua agenda para a primeira semana de dezembro, com Guns'n' Roses, Travis Scott e The Strokes como principais atrações. Em Minas, o Breve, reagendado deste mês de maio para 31 de outubro, no Mineirão, com O Grande Encontro, Orishas e Ney Matogrosso, também segue com ingressos à venda.

O Mettalica, que passaria pela capital mineira no mês passado, remarcou para dezembro. No entanto, durante live realizada na semana passada, o baterista Lars Ulrich afirmou: “Sabemos que há uma chance significativa de nenhuma dessas datas acontecer, pois juntar milhares de pessoas em shows talvez não seja a ideia de saúde e segurança para todos em 2020”.


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