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Estado de Minas

Em fotos históricas, Paris recebe A luta dos yanomami

Exposição retrata o cotidiano e a luta dos povos indígenas a partir do olhar de Claudia Andujar


postado em 02/02/2020 04:00

Desde o começo dos anos 1970 Claudia mergulhou no universo yanomami, registrando o cotidiano desse povo indígena a partir de Roraima e do Amazonas (foto: fotos: CLAUDIA ANDAJUR/DIVULGAÇÃO)
Desde o começo dos anos 1970 Claudia mergulhou no universo yanomami, registrando o cotidiano desse povo indígena a partir de Roraima e do Amazonas (foto: fotos: CLAUDIA ANDAJUR/DIVULGAÇÃO)

São Paulo – Aos 88 anos, a fotógrafa brasileira de origem suíça Claudia Andujar defende há cinco décadas os direitos dos yanomami. A incansável octogenária, no entanto, considera que essa é uma luta contínua.

Andujar começou a registrar a vida desse grupo indígena em 1971, depois de visitar a comunidade situada nas profundezas da selva amazônica, em Roraima, na fronteira com a Venezuela.

A maior retrospectiva de sua obra está sendo exibida em exposição em Paris desde a última quinta-feira (30), onde ficará até 10 de maio. Na mostra, a fotógrafa busca enfatizar as novas ameaças enfrentadas pelos yanomami no governo do presidente Jair Bolsonaro, alinhado com políticas conservadoras e apoiado por grupos de agronegócios, garimpo e mineração.

"Os yanomami são meus parentes, fazem parte da minha família, e eu quero defender a minha família", ressalta Andujar em entrevista em seu apartamento, em São Paulo.

Enfrentando o intenso calor amazônico e a malária, a fotógrafa se acostumou a passar várias semanas no território desse povo indígena para capturar o seu cotidiano, registrando suas expedições de caça e seus rituais xamânicos.

"Busco acompanhar o seu modo de vida... fazê-los entender que só queria me tornar amiga deles", conta, ao recordar os seus primeiros dias de convívio com os yanomami.

"Nunca tinha fotografado eles. Eles não entendiam o que eu estava fazendo, e eu não queria que se sentissem invadidos", acrescenta.

Ao fazer uso experimental de filmes infravermelhos, flashes e até mesmo manchando a lente da sua câmera com vaselina, Andujar criou imagens distorcidas que dão uma nova visão do complexo mundo espiritual dos yanomami.

"Ela tentou transmitir e representar elementos que eram invisíveis aos olhos ocidentais", comenta Thyago Nogueira, do Instituto Moreira Salles, e curador da exposição, que será recebida na Fondation Cartier, em Paris.



EM PRETO E BRANCO 

A exposição A luta dos yanomami reúne cerca de 300 fotos – em sua maioria em preto e branco – tiradas entre as décadas de 1970 e 1980. Em 2019, uma versão reduzida da mostra foi exposta em São Paulo e no Rio de Janeiro, chamando a atenção da instituição francesa.

"Não se trata somente de uma jornalista que quer contar uma história ou de uma antropóloga que registra uma sociedade", explica Nogueira. Andujar "submergiu por completo e se sentiu livre para experimentar", acrescenta o curador.

Os yanomami são meus parentes, fazem parte da minha família, e eu quero defender a minha família

Claudia Andujar



À sombra do risco

À medida que os yanomami – que têm uma população de aproximadamente 27 mil pessoas, entre diversas faixas etárias – passaram a sofrer uma crescente onda de ameaças, a exibição mostra a transformação de Andujar de fotógrafa a ativista. Suas terras ficam entre os estados do Amazonas e de Roraima.

Nos anos 1970, os governos militares começaram a construir estradas com o intuito de desenvolver a região amazônica.

Os yanomami e outras etnias foram devastadas pelas doenças propagadas por aqueles que vinham de outros locais para explorar a área, além de sofrerem com invasões violentas de suas terras por garimpeiros.

Depois de ser expulsa da região por autoridades, em 1977, ainda durante o período da ditadura militar, Andujar se aproximou do porta-voz yanomami, o xamã Davi Kopenawa, em uma campanha para obter a demarcação legal das terras desse povo, que foi finalmente concedida em 1992, já em período democrático. Andujar usou sua câmera como ferramenta política para "evitar um genocídio", disse Nogueira.

No entanto, esses direitos conquistados depois de tanto esforço seguem sofrendo ameaças. Os seus temores se intensificaram com a chegada de Bolsonaro à Presidência da República. No primeiro ano de sua administração, o desmatamento na região amazônica aumentou 85%, segundo dados oficiais.

"Se o governo decide que quer extrair ouro e outros minerais, vai tratar de fazê-lo", alerta a fotógrafa, numa referência a projetos em curso na gestão atual para liberação de terras indígenas para exploração mineral. Recentemente, o Executivo antecipou que pretende apresentar ao Congresso uma lei para nesse sentido, como já defendia o atual presidente ainda como candidato. "Bolsonaro não tem experiência nenhuma com os indígenas", afirma Andujar.

Bandeira por direitos

Ao deixar a Europa em plena Segunda Guerra Mundial, a fotógrafa viveu dois anos em Nova York e então voltou a morar com a sua mãe no Brasil, em 1955. A morte de seu pai, um judeu húngaro, e de boa parte de sua família nos campos de concentração alemães e poloneses, influenciou o aumento da sua determinação em proteger os direitos dos yanomami. Uma luta por questões nesse nível "foi algo que não pude fazer durante a Segunda Guerra Mundial", explica. A última vez que visitou os yanomami foi há dois anos, e ainda não sabe se voltará. Andujar revela que pretende, na exposição em Paris, conhecer líderes políticos como o presidente da França, Emmanuel Macron, para discutir as suas preocupações. “Os indígenas têm direito de viver, eles que têm que decidir o que querem, e não o governo", defende.



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