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Estado de Minas

Nesta terça-feira, o Brasil lembra os 130 anos da poeta Cora Coralina

Mulher à frente do seu tempo, a escritora goiana é inspiração para as mulheres da Cidade de Goiás, onde nasceu


postado em 20/08/2019 04:00 / atualizado em 19/08/2019 21:54

Além de escrever, Cora Coralina vendeu linguiça, fez doces e trabalhou na roça(foto: Arquivo CB/D.A Press)
Além de escrever, Cora Coralina vendeu linguiça, fez doces e trabalhou na roça (foto: Arquivo CB/D.A Press)


Nesta terça-feira (20), Cora Coralina completaria 130 anos. A mulher que estudou apenas até a terceira série do curso primário se tornou o maior nome da literatura goiana e uma das mais admiradas poetisas brasileiras, apesar da estreia tardia na carreira, aos 75. As letras eram um passatempo, ela ganhava a vida como doceira.

Os delicados versos de Cora levaram sua terra natal – a Cidade de Goiás, também conhecida como Goiás Velho – para o mundo. Os poemas falam da vida simples na primeira capital goiana. Ela deixou obra ainda não integralmente divulgada. Vicência Brêtas Tahan, a única filha viva da autora, guarda inéditos da mãe. Alguns escritos a lápis. Esse tesouro é tornado público de tempos em tempos, a conta-gotas.

“Uma mulher além do seu tempo. Mesmo enfrentando dificuldades e preconceitos, ela acreditou nos valores humanos, sempre recomeçando. Nossa cidade se alegra neste 20 de agosto, a semente foi lançada em terra fértil. Celebrar os 130 anos de nascimento de Cora é, acima de tudo, relembrar a importância que ela tem para a sua terra natal. Cora não pertence à velha Goiás, ela é do mundo”, afirma Marlene Velasco, amiga da escritora e diretora do Museu Cora Coralina.

A programação desta terça será aberta com uma cavalgada, que percorrerá o Caminho de Cora – das ruínas do antigo Arraial de Ouro Fino, um dos primeiros povoados da região, ao museu dedicado à escritora. O governador Ronaldo Caiado (DEM) abrirá o Ano de Cora Coralina e os Correios vão lançar selo comemorativo. Haverá serenata e missa em ação de graças no Santuário Nossa Senhora do Rosário.

LEGADO Com ruelas de pedra ladeadas pelo casario dos séculos 18 e 19, Goiás Velho, município de 22 mil moradores, conserva muito dos tempos de sua filha mais ilustre. Escrever poesia e fazer doces cristalizados são costumes de mulheres de idades e classes sociais variadas. Muitas vendem seus produtos em casa. São extrativistas de cajuzinho, murici, cagaita, cajazinho.

Criada em 2016, a associação tem o objetivo de trocar experiências, além de expandir os negócios e a mente. Mulheres Coralinas nasceu para combater a violência doméstica. Teve Cora Coralina como inspiração.

Desde 2017, a associação ocupa uma loja no antigo Mercado Central. No pequeno e charmoso espaço, elas expõem doces e artesanato – tudo aliado aos versos de Cora.

Cecília Souza Santos da Costa, de 74 anos, é uma das coralinas mais ativas. Doceira de mão cheia, adora declamar os poemas da mulher que a inspirou. Faz questão de deixar claro que nem todas ali foram vítimas de violência. “Casei-me aos 72 anos com um homem carinhoso. Ele me trata como uma princesa”, diz a contabilista aposentada.

Por outro lado, Maria Sebastiana da Silva Santa, de 61, não esconde as dificuldades da vida como bordadeira, doceira e escultora de argila. “Sempre trabalhei muito. Com as minhas habilidades, criei a minha família e construí a minha casinha”, conta. “Com o Mulheres Coralinas, mudei o meu jeito de pensar. Era uma mulher muito retraída, não tinha opinião. Hoje, só faço o que quero. Aqui, aprendo e ensino.” (Com Roberta Pinheiro)


Uma vida de obstáculos

Anna Lins dos Guimarães Peixoto, a Cora Coralina, nasceu na Cidade de Goiás em 20 de agosto de 1889. Filha de Francisco de Paula Lins dos Guimarães Peixoto, desembargador nomeado por dom Pedro II, e de Jacinta Luísa do Couto Brandão, dona de casa, cursou apenas até a terceira série do curso primário.

Em 1908, publicou os primeiros versos, aos 14 anos, no jornal de poesia A rosa, criado com algumas amigas. Em 1910, seu conto Tragédia na roça saiu no Anuário Histórico e Geográfico do Estado de Goiás, com o pseudônimo de Cora Coralina. Em 1911, ela fugiu, grávida, com o advogado Cantídio Tolentino Bretas, casado com outra mulher. Os dois se mudaram para o interior de São Paulo. A poeta teve seis filhos.

Cora e Cantídio só se casaram em 1925, quando ele ficou viúvo – à época não havia divórcio. Quando ele morreu, Cora vendeu linguiça, banha e livros, fez doces e trabalhou na roça para sustentar os filhos. Considerava os cristalizados de caju, abóbora, figo e laranja melhores do que seus poemas, escritos em folhas de caderno.

Em 1946, ela decidiu voltar para Goiás, com os filhos já crescidos. O primeiro livro só foi publicado em 1965, Poemas dos becos de Goiás e estórias mais. O reconhecimento veio aos 75 anos, quando Carlos Drummond de Andrade elogiou publicamente os versos dela em crônica publicada no Jornal do Brasil. Cora morreu em Goiânia, devido às complicações de uma pneumonia, em 10 de abril de 1985. (RA)

Vicência Brêtas Tahan, a única filha viva de Cora Coralina, diz que o machismo não calou os versos de sua mãe (foto: Daniel Ferreira/CB/D.A Press %u2013 13/5/11)
Vicência Brêtas Tahan, a única filha viva de Cora Coralina, diz que o machismo não calou os versos de sua mãe (foto: Daniel Ferreira/CB/D.A Press %u2013 13/5/11)
Tesouro sem fim

Vicência Brêtas Tahan é a guardiã dos escritos de Cora Coralina. A única filha viva da poetista diz ter poemas, contos, cartas e discursos para mais cinco ou seis livros da mãe. Sem contar os três já no prelo da Global. Dois deles – seleção de poemas para jovens e o infantil Lembranças de Aninha, com 12 textos já publicados – estão previstos para 2020. Um novo lote de inéditos, que chegou recentemente à editora, está no processo de seleção.

Cora Coralina só publicou três livros em vida – Poemas dos becos de Goiás e estórias mais (1965), Meu livro de cordel (1976) e Vintém de cobre: meias confissões de Aninha (1983). Hoje, há 16 títulos nas lojas, incluindo um livro de receita e oito para crianças.

"Minha mãe começou a escrever muito cedo, aos 14 anos, mas naquele tempo ninguém dava valor à escrita da mulher. Ela foi guardando, guardando. Depois, se casou e meu pai era daquela geração bem machista: não deixava mostrar os poemas. E ela continuou guardando. Até que, aos 75 anos, já viúva, com os filhos criados e casados, voltou a se interessar por publicar e conseguiu", conta Vicência.

Em seu apartamento, na capital paulista, Vicência guarda 15 pastas azuis com textos de Cora. Histórias, mesmo, só os netos ganharam – e delas nasceram alguns livros infantis. "Não, não tinha isso de ela contar historinha. Ela estava trabalhando, cuidando da loja para nos sustentar", comenta.

A poetisa dos versos simples foi mãe exigente. "Ela nunca aceitou que a gente ficasse em cima do muro. Com ela, era assim: ou você toma partido ou fica de boca fechada. E, quando tomar partido, fique firme até ser convencido a mudar de opinião. Nunca aceitou que alguém falasse ‘não sei’, ‘quem sabe’. A gente tinha que saber."

Uma lembrança marcante é a de Cora lendo jornal e livros. "É muito importante estar em dia com os acontecimentos. A leitura é uma base extraordinária para a gente, para a convivência, para a prosa, para o conhecimento mesmo. Quem não lê está perdido, ainda mais hoje em dia, quando as coisas acontecem de uma hora para outra. Meu Deus, como está o mundo, não? Se não estamos em dia, somos postos de lado", diz Vicência. (Estadão Conteúdo)

Livros

» Poemas dos becos de Goiás e estórias mais 
Poesia, 1955
» Meu livro de cordel 
Poesia, 1976
» Vintém de cobre: meias confissões de Aninha 
Poesia, 1983
» Estórias da casa velha da ponte 
Contos, 1985
» Os meninos verdes 
Infantil, 1980
» Tesouro da casa velha 
Poesia, 1996 (obra póstuma)
» A moeda de ouro que um pato engoliu
Infantil, 1999 (obra póstuma)
» Vila boa de Goiás 
Poesia, 2001 (obra póstuma)
» O pato azul-pombinho 
Infantil, 2001 (obra póstuma)


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