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Estado de Minas

Curadora da Virada tentou reverter cancelamento de performance trans

Gabriela Santoro conta como foi o trabalho de organização do evento, encerrado no domingo (21), e avalia seus resultados


postado em 23/07/2019 04:08 / atualizado em 23/07/2019 12:30

Público acompanha show de encerramento da Virada Cultural de BH na Praça da Estação (foto: Leandro Couri/EM/D.A Press)
Público acompanha show de encerramento da Virada Cultural de BH na Praça da Estação (foto: Leandro Couri/EM/D.A Press)

Depois de três anos sem ser realizada, a Virada Cultural de BH voltou neste 2019. Realizada no fim de semana passado, após múltiplos adiamentos pela gestão do prefeito Alexandre Kalil (PSD), a quinta edição do evento foi marcada pelas baixas temperaturas na madrugada de sábado para domingo, ruas tomadas por pedestres, apresentação de diversos artistas locais e nacionais e uma grande polêmica.

Na sexta-feira (19), Kalil anunciou o cancelamento da performance da Academia TransLiterária, prevista na programação. A decisão veio após protestos de grupos religiosos insatisfeitos com a Coroação da Nossa Senhora das Travestis, na qual viram um ato de blasfêmia e ofensa religiosa. O episódio gerou agradecimento dos que pediram o veto ao prefeito e crítica dos que são contrários à ideia de que uma manifestação artística seja submetida ao crivo político.

Responsável por selecionar a Academia TransLiterária, o Instituto Periférico, organização da sociedade civil escolhida por edital para realizar a Virada Cultural de BH em parceria com a prefeitura, precisou mediar esse e outros problemas. Gabriela Santoro, diretora-presidente da instituição, afirma que a postura da organização foi procurar uma solução mais democrática diante da insatisfação dos grupos religiosos e da decisão da prefeitura de retirar a performance da programação. Ela admite que algumas negociações foram feitas para evitar o cancelamento, mas foi preciso acatar a decisão tomada pelo prefeito para “não gerar prejuízos”.



As 24 horas de programação passaram sem grandes ocorrências, mas houve falhas técnicas como a que prejudicou o show de Moraes Moreira na noite de sábado no Parque Municipal, com o manifesto desagrado do artista. Gabriela Santoro minimiza esse problema diante de um resultado geral que ela avalia como muito positivo.

Com um orçamento de R$ 2,5 milhões, foram contratadas mais de 400 apresentações, em cinco locais do Hipercentro. A expectativa dos organizadores era atrair 500 mil pessoas. Até o fim da tarde de ontem, contudo, nenhuma estimativa de públilco havia sido divulgada. Confira a seguir entrevista com a presidente do Instituto Periférico.

Qual é sua avaliação sobre a Virada Cultural em relação às expectativas de público, logística e organização?

A avaliação é superpositiva. Cumprimos bem o objetivo do projeto de criar um espaço de convivência e fruição no Hipercentro da cidade. Contribuímos para que a população se apropriasse novamente desses espaços coletivos e conseguisse enxergar essa zona da cidade com um olhar diferente, observando as belezas que temos ali, os monumentos, dentro de uma programação cultural. Nossa expectativa de público, sem sombra de dúvida, foi muito exitosa.

A véspera da abertura ficou marcada pela polêmica retirada do evento da Academia TransLiterária da programação. Como se deu esse processo? Foi uma decisão do prefeito que vocês tiveram que acatar? Houve negociação?

A gente procurou trabalhar em parceria com a PBH para não criar insatisfação com diversos grupos. Trabalhamos como um espaço democrático que agrega todos os tipos de manifestação. Houve uma decisão por parte da prefeitura. Fizemos algumas negociações para evitar o cancelamento, mas a decisão foi tomada e foi o que tivemos que fazer para não gerar prejuízos.

Você concorda com o cancelamento?

Quando trabalhamos um evento dessa magnitude, temos diversos interesses que devem ser respeitados. A gente preza pela livre manifestação de todas as ideologias e crenças. E procuramos trazer para nossos projetos sempre esse equilíbrio. Existem diversos interesses que envolvem segurança, integridade de todos, algumas observações legais e várias análises de cenário. A posição do Instituto Periférico é resguardar indistintamente todos os tipos de manifestação. Nesse processo todo, eu, como Instituto Periférico, defendo que precisamos valorizar a trajetória que esse coletivo (Academia TransLiterária) tem na cidade. Tem uma importância imensa. Eles fazem um resgate social importante de pessoas que estão na rua, em internação manicomial, em situação de envolvimento com drogas e, por meio da arte, conseguiram trilhar outro caminho. Nossa preocupação toda ao longo desse processo, independentemente de indisposições que foram criadas, foi abraçar o coletivo e garantir os direitos estabelecidos no contrato da Virada, mas, sobretudo, valorizar o trabalho deles numa performance. Um episódio específico foi polemizado em uma performance que teria, supostamente, um cunho religioso que foi mal interpretado por alguns.

Como foi a relação de vocês com os artistas nessa decisão do cancelamento?

A única possível: de diálogo franco e acolhimento. Não teria nenhuma outra postura. Não poderia tratar de outra forma, sem ser com acolhimento. Sempre buscamos o diálogo.

Dentro dos trâmites contratuais estabelecidos com a Academia TransLiterária, como fica a situação diante do cancelamento?

Eles estão cobertos contratualmente em caso de cancelamento alheio à vontade deles. Vamos ter uma reunião para resolver todas essas questões, mas eles não serão lesados.

Isso tem algum impacto na realização de futuras viradas? Vocês tem interesse de participar do processo novamente? Se isso ocorrer, vocês procurarão incluir na programação outros eventos como a performance da Academia TranLiterária, dentro desse objetivo de buscar a representatividade, a inclusão e a diversidade cultural?

Acho que vamos lidar como sempre fizemos. Primeiro, temos que entender quais são os próximos eventos, se teremos sorte de ser escolhidos novamente, mas sempre seguiremos essa conduta. Procurar fazer um evento o mais democrático e representativo possível, em todos segmentos culturais. A Virada abraça muito mais do que apresentações artísticas. Deixamos isso claro. Queremos traduzir com a Virada uma questão de comportamento, de como as pessoas convivem com a cidade, como acontecem essas trocas. Naturalmente, numa próxima, vamos sempre prezar pela maior representatividade possível, a partir das manifestações que estiverem em evidência naquele momento.

O show de Moraes Moreira no Parque Municipal enfrentou problemas técnicos. Ele reclamou, se desculpou com o público e pediu paciência. O que houve exatamente nessa situação? Na sua avaliação, quais foram os outros principais problemas e como foram corrigidos?

Na Virada, a gente trabalha com cerca de 50 fornecedores, todos de BH e região metropolitana. Isso é muito relevante em termos de impacto de movimentação econômica. A gente prezou pela qualidade desses fornecedores. Lógico que num evento que tem tantos palcos ao longo de 24 horas, um espaço curto de troca de palco entre uma atração e outra, sempre há um problema ou outro. Mas todos foram contornados. O do Moraes Moreira foi questão técnica sem grande relevância. Óbvio que cria um transtorno, uma indisposição para artista e público, mas não é nada que mereça ser destacado diante da complexidade e plenitude do evento como um todo. É algo tão complexo em termos de logística e entrega técnica que eu só posso agradecer por conseguir, num tempo muito curto de pré-produção, trazer tanta qualidade técnica.

O que vocês avaliam como principais fatos dessa Virada?

O primeiro deles é a gente conseguir, junto com órgãos públicos, o fechamento estruturado do Hipercentro e ocupar as vias exclusivamente para o fluxo de pedestres, estruturas e intervenções. Essa, sem dúvida, é a maior conquista. E também levar um olhar para além da música. Lógico que (a música) é uma manifestação importantíssima, mas a gente acredita nessa força da pluralidade da criação artística em BH. A Virada traz a possibilidade de demonstrar essa diversidade e mostrar quão rica é. E foi difícil. Tivemos muitas propostas legais, um total de 1.554, daí você entende a dimensão.

A Virada deve voltar a ser anual? Vocês participam desse processo?

Nosso contrato é único e exclusivamente para 2019. Não há conversas para outros anos. Isso precisa respeitar trâmites legais específicos. Mas o que a gente queria fazer, sabendo da expectativa da cidade e sabendo como foram as quatro anteriores, era botar muito rigor na organização e planejamento, para voltar com força máxima. Acho que demonstramos nesta edição que a Virada é um evento da cidade e que a cidade o abraça. Foi lindo ver o encerramento com o Djonga e 40 mil pessoas se divertindo na Praça da Estação, num clima absolutamente pacífico. O que o Periférico se propôs a fazer – trazer representatividade, excelência técnica e um planejamento que permitisse uma fruição diferente do Hipercentro – foi bem-sucedido. Além disso, demonstramos que esse evento precisa ocupar o calendário contínuo. Se teremos outras, o destino dirá. Precisamos respeitar prerrogativas legais. Ainda estamos vivendo a Virada de 2019, não tem como pensar em 2020.




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