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O gozo indomável da violência


postado em 17/03/2019 05:14

Vale a pena insistir no tema e ressaltar que nunca tivemos uma fase tão difícil com tantos crimes contra a mulher. O tal feminicídio ganhou as delegacias, manchetes nos jornais e TVs do Brasil, e já não era sem tempo de fazer alguma coisa mais contundente para que este tipo de covardia seja contido, custe o que custar.

Aliás, se está na mira da mídia, não é à toa. O número de denúncias de violência contra as mulheres aumentou quase 30% no ano passado. E a primeira semana de 2019 mostra um quadro assustador. Em seis anos, 6.393 mulheres morreram, apesar de já terem procurado atendimento na rede pública por agressão em outras ocasiões – uma média de três mortes por dia.

O que explica tamanho ódio? Como entender a atitude de um homem que põe fogo na casa da ex-esposa com seus três filhos dentro? Por que um homem quer matar uma mulher quando o relacionamento termina? Por que o amor se transforma em ódio num piscar de olhos?

Tantas perguntas nos levam a buscar uma lógica comum que nos traga um pouco de sentido para um real tão assustador para o qual não temos palavras ou explicação.

Resta-nos apenas tentar entender a onda de odiosidade que vem tomando conta da cena cotidiana brasileira em escala assustadora, e a intolerância toma conta das relações entre as pessoas. O laço que une as pessoas vem se tornando cada vez mais frágil, e a estrutura que sustenta o sujeito em seu eixo gravitacional parece fraca demais para sofrer qualquer abalo. Quando o laço sentido indevidamente como um direito de posse se desfaz, causa tamanha desolação que, em vez da tristeza, é um ódio cego que vem em seu lugar.

Ninguém gosta de perder. A falta incomoda e o luto pode parecer insuportável, sendo então substituídos pela raiva, pela agressividade. Talvez acreditemos no direito de sermos absolutamente plenos. No mito da felicidade. Nada pode contrariar as vontades. Ilusões.

Somos imperfeitos, incompletos, carentes e desamparados. E qualquer coisa que venha nos lançar no rosto estas condições que revelam a solidão, a pequenez humana, pode causar efeitos devastadores e desesperados.

Pode transformar o amor em ódio, produzindo uma passagem ao ato violenta. Para um machista acostumado a mandar e ser obedecido, enfrentar uma situação de abandono é humilhante. Mais do que isso, é inaceitável e o ódio de morte se apodera do sujeito sem que ele possa defender-se de si mesmo. Lembrem-se que a mulher permanece responsável pela casa e filhos quase exclusivamente ainda hoje.

O narcisismo não pode suportar tamanha ferida. Já não se pode pensar. O ego do narcisista é como um balão inflado demais. Explode fácil a qualquer toque. Ele não se desculpa, apenas se ofende e tomado pela raiva fala e faz coisas das quais talvez mais tarde se arrependa ou, quem sabe, nunca.

Pode, tomado por tamanha certeza de estar sempre certo e ser o dono da razão, pagar pelo que fez acreditando que fez certo. E faria de novo! Não pode consentir com desacato, desrespeito, desobediência àquilo que tem como certeza inabalável. É macho!

Certeza que ninguém pode ter. Nenhum de nós tem de ser dono, proprietário da vida e da morte do nosso próximo. O poder fálico é limitado, ou deveria ser. Falta castração ou falha a castração diante do ódio. Ele sabe, mas, mesmo assim, faz e deve ser assim que se sentem os covardes diante da negativa, da separação. Incapazes de ver que existe um semelhante que tem vontade própria e, pode sim, viver sem ele.

Absurdo inaceitável na realidade de uma pessoa que é tomada pela insanidade e pelo ódio mortal e destruidor por ser deixada. Ódio da mulher, de sua casa, de sua cria. Quem ama, odeia e mata. Quem deixa de amar é indiferente. A indiferença é o verdadeiro oposto do amor. O ódio é apenas seu avesso, a outra cara da mesma paixão.

E toda paixão, como a violência, também pode ser, faz parte da natureza humana, de um gozo indomável e mortífero. E a incapacidade de se entristecer, fazer o luto e superar é substituída por sua dimensão trágica que não suporta a falta, o desacato da vontade orgulhosa, a castração do poder fálico.


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