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O alquimista

Um dos pioneiros das picapes no Brasil, KL Jay comemora 31 anos de carreira com disco solo. DJ compara seu ofício à alquimia, arte de criar algo novo a partir de antigos saberes


postado em 07/01/2019 05:02

(foto: KLAUS MITTELDORF/Divulgação)
(foto: KLAUS MITTELDORF/Divulgação)



Alok, Vintage Culture e FTampa – DJs brasileiros que hoje atraem multidões – nem sequer tinham nascido quando KL Jay, mestre das picapes e linha de frente do grupo de rap Racionais MCs, estreou comandando bailes em casas de família na Zona Norte paulistana. Quarenta e nove anos de idade, 31 de ofício, esse pioneiro dos scratchs mantém o pique de garoto. Semanalmente, vara madrugadas animando festas em São Paulo e outras cidades. Agora, acaba de reunir nada menos de 33 rappers, DJs e produtores de várias gerações em seu segundo disco solo, Na batida vol.2 – No quarto sozinho.
Praticamente “operário-padrão”, o workaholic DJ do Racionais tem respeitada carreira solo. Em 1º de janeiro, saudou 2019 em seu hábitat preferido: a pista. Eclético, ouve de tudo – inclusive rádio FM. Seu set reflete esse ecletismo: vai do peso do trap, Jorge Benjor, rap dos anos 1990 e Rihanna a Racionais, Michael Jackson, funk carioca e sons que estão bombado nos EUA... Em seu caldeirão musical, KL tempera passado e presente.


Se os jovens DJs celebridades arrastam multidões a parques de exposições e megaeventos, Kleber Geraldo Lelis Simões arrasa tanto em clubes, bares e performances mais intimistas quanto no festival Bananada, a sensação de Goiânia. Aliás, abriu o novo ano animando o Ubatuba Experience, no litoral paulista. Em meados de dezembro, cá estava ele em BH, agitando o Deputamadre...


Quem já o viu em ação sabe: não interessa se são 100 ou 10 mil pessoas na pista. Certa vez, KL trouxe à capital mineira sua festa Sintonia. Naquele dia de halloween, pouco mais de 200 jovens compareceram ao evento, pouco divulgado e realizado num galpão no Prado. A farra só acabou depois das 3h. Ninguém arredou pé até KL Jay desligar as picapes. Tocou como se houvesse uma multidão na pista. Deu uma aula de amor ao ofício – o álbum No quarto sozinho é uma espécie de resumo desse “sacerdócio”.


KL explica que o nome do disco não remete a solidão e isolamento, mas a momentos de introspecção, à conexão dele com o universo. Espiritualista e vegetariano, em seu quarto metafórico se concentram, sobretudo, energias. “Você pode não ver, mas há muitas presenças ali”, garante, ao se referir à madrugada no próprio apê. “Mergulho no meu subconsciente mais profundo/ E trago à tona tudo que escondo do mundo”, diz a letra de Aori.


O novo disco – o segundo da trilogia iniciada em 2001 – levou sete anos para ficar pronto. Reúne companheiros do rap, pioneiros como ele: Sandrão do RZO (em Munição), Kamau (Na atividade), Edi Rock (o companheiro do Racionais, na faixa Ambição) e Xis (Tudo por você também). Também estão lá os cariocas Aori (No quarto sozinho), Batoré do Cone Crew e Akira Presidente (em Volto de bonde). Destaques da cena contemporânea de SP, Rael (A trajetória) e Rincon Sapiência (Ambição) batem ponto no álbum do DJ, entre muitos outros.

DINA DI Entre as vozes femininas, Nathy MC chama a atenção. KL é conhecido por apoiar as mulheres na cena hip-hop. Em Resiliência, Nathy fala da luta de quem não se deixa abater – “como uma fênix/ volta das cinzas/ coloca seu tênis/ forte pra corrida”. KL conta ter criado as batidas dessa faixa para Dina Di (1976-2010), pioneira do hip-hop feminino no Brasil. Ela morreu sem gravá-las, aos 34 anos, depois de complicações no parto.


Vários nomes da novíssima geração de produtores, MCs e DJs se juntaram ao veterano: Filiph Neo, Will, Renam Saman, Lay, Kalfani e Hanifah, entre outros. As letras do disco falam de autoestima, racismo, do rap neste mundo violento, das conquistas da periferia e do legado africano ao Brasil. Também abordam amor, espiritualidade e família. Netos de KL Jay e filhos de Xis são as vozes infantis na fofa Tudo por você também.


No álbum solo desse fã de John Coltrane ouvem-se jazz, rap, samba, ritmos africanos, funk e balada. Tem “tamborzão” também: o funkeiro MC Guimê brilha em Tá patrão 2.0, com participação da rapper Lay e de Renam Saman. KL criou um batidão irresistível para falar de autoestima – dos negros, dos funkeiros e dos rappers.


Fã de Guimê (“tem uma puta força na voz”), o veterano revela que o DNA daquela batida esperta veio do carnaval. “Usei um pedacinho de bateria de escola de samba”, conta. Tá patrão 2.0 é um rap-funk com a cara do Brasil, resume KL.
“Sou DJ de gosto variado”, comenta. Ressalta que a forte presença do boom bap (estilo de rap vindo dos EUA) na sonoridade do novo disco presta tributo ao impactante hip-hop dos anos 1900 e 2000, presente até hoje na cena musical. Ao definir o encontro de gerações que promoveu em No quarto sozinho, diz que o antigo e o moderno andam juntos.

OFÍCIO Em 31 anos de carreira, KL Jay assiste à valorização de sua profissão. Jovens brasileiros como Alok, por exemplo, viraram celebridades nas pistas globalizadas. Indagado sobre a importância do DJ para a música contemporânea, o paulistano compara o ofício ao do alquimista. Pesquisadores obsessivos, eles são uma espécie de “arqueólogos” da música. Trazem de volta à cena artistas, músicas e discos esquecidos.


Que o diga o maestro e compositor carioca Arthur Verocai, de 73 anos. Talentoso, gravou álbuns emblemáticos na década de 1970, esnobados por gravadoras. Ignorado em seu país, Verocai, no início dos anos 2000, foi “redescoberto” por DJs estrangeiros. Hoje, é venerado nos EUA e na Europa.


KL diz que os alquimistas das picapes criam algo novo a partir de elementos antigos – músicas conhecidas (ou não) e fragmentos delas, por exemplo. “O DJ lembra, resgata, ajuda. Ele faz as pessoas ficarem felizes ao ouvir aquilo”, compara. “DJ é mágico, alquimista, bruxo.”


No caso dele, a matéria-prima do ofício não é apenas música, mas as energias. “DJ é igual ao fogo: ele pode ser a lareira, para aquecer; útil no preparo da comida, para alimentar. Ou o incêndio... Quero que as pessoas deixem o meu set levando a alegria com elas”, afirma

SEGREDO Para KL, sua missão é, antes de tudo, espiritual. “Faço com amor, porque arte não está apenas no plano material. Se não tiver ninguém na pista durante o meu set, toco para os anjos da guarda dali, para o pessoal que já foi embora um dia”, explica o místico “Racional”. “Se há apenas uma pessoa, ela foi ali me ver. Isso é muito libertador, poderoso. Dinheiro é bom, fama é boa, mas a arte, o invisível tem de ser respeitado. Aquele lugar vazio está lotado. Tenho isso pra mim.”
KL comenta que momentos mágicos assim podem explicar por que a respeitada Associação Paulista de Críticos de Artes (APCA) deu ao Racionais o troféu na categoria melhor show de 2018. Detalhe: foi a primeira e única apresentação do grupo no ano passado, pois os integrantes estão de férias por tempo indeterminado para cuidar de projetos solo.


O DJ solta uma gargalhada ao ser indagado sobre a “mágica” de conquistar o respeitado prêmio com um único show, realizado pouco antes de 2018 acabar. Atribui a proeza a Mano Brown, por idealizar a primeira performance do Racionais ao lado de uma banda. “Ensaiamos apenas 10 dias”, conta. KL não tem dúvida: “Tá aí o resultado da alquimia, da bruxaria. Você sente a energia do som daquilo lá”. E brinca: “Macumba muito forte”.


Depois dessa, KL Jay não parece mais tão seguro a respeito das “férias coletivas por tempo indeterminado” do Racionais, anunciadas por ele em fevereiro de 2018. Já admite a possibilidade de voltar à estrada – um show por mês, algo assim. Afinal de contas, em 2019, o grupo de rap mais importante do Brasil comemora seus 30 anos de “bruxaria”.


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