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Estudo: vírus da COVID-19 pode causar mais uma doença em crianças

A infecção pelo Sars-CoV-2 desencadeia a síndrome inflamatória multissistêmica, cujos sintomas agudos se equiparam a casos graves da COVID-19 em adultos


19/08/2020 10:02

(foto: Ina Fassbender/AFP)
(foto: Ina Fassbender/AFP)
Aos poucos, especialistas da área médica conseguem entender melhor os efeitos do novo coronavírus no organismo humano, principalmente em perfis distintos de pacientes. Em um estudo publicado nesta terça-feira, na revista Nature Medicine, cientistas ingleses mostram dados que apontam para a ocorrência da síndrome inflamatória multissistêmica (MIS-C) em crianças infectadas pelo Sars-CoV-2.

Os pesquisadores explicam que o problema de saúde difere-se da síndrome de Kawasaki, outra enfermidade apontada como possível consequência da infecção pelo novo coronavírus em indivíduos mais jovens, que, aparentemente, são menos acometidos pela COVID-19.

No estudo, os cientistas destacam que pesquisas recentes têm apontado uma nova síndrome clínica em crianças infectadas pelo Sars-CoV-2, responsável por sintomas como erupção cutânea, dor abdominal e febre, também sinais da COVID-19. "Antes, pensava-se que essas características seriam apenas um agravamento da infecção. Mas vimos que ela pode ser considerada uma enfermidade já conhecida, definida como síndrome inflamatória multissistêmica em crianças (MIS-C)", destacaram os autores do artigo, liderados por Manu Shankar-Hari, pesquisador do Kings College London.

No trabalho, os pesquisadores mostraram o perfil imunológico e a caracterização clínica detalhada de 25 pacientes (15 meninos e 10 meninas), com idade entre 7 a 14 anos e o diagnóstico de MIS-C. Os autores descobriram que 17 crianças eram soropositivas para os anticorpos do Sars-CoV-2.

Das oito com teste soronegativo, seis haviam tido sintomas da infecção por COVID-19, estiveram em contato próximo com alguém que teve a nova doença ou tinham um dos pais trabalhando na área da saúde. “Os resultados sugerem que a MIS-C, que é uma doença imunopatogênica distinta de covid-19, pode estar associada à infecção anterior pelo Sars-CoV-2”, afirmam os especialistas.

Os pesquisadores também observaram que 18 crianças apresentaram sintomas gastrointestinais e sete tinham evidências radiológicas de pneumonia. Outras sete sofreram dilatação da artéria coronária ou aneurisma. “Um ponto importante visto é que a soropositividade para a covid-19 estava associada a maior prevalência de sintomas gastrointestinais e dilatação da artéria coronária”, enfatizaram.

Os cientistas constataram ainda que, na fase aguda da doença, os pacientes apresentaram níveis elevados de citocinas (proteínas liberadas pelas células do sistema imunológico), uma atividade também vista em adultos com covid-19. Durante o estágio agudo da MIS-C, o número total de células B e tipos diferentes de células T, ambas moléculas de defesa do corpo, diminuíram. “Declínios semelhantes foram observados nas respostas imunes de adultos com covid-19. Esses dados sugerem que as respostas imunológicas em pacientes com MIS-C e em pacientes adultos com o Sars-CoV-2 compartilham algumas semelhanças.”

Diferenciando

Natasha Slhessarenko, pediatra e patologista clínica do laboratório Exame, em Brasília, destaca que o estudo inglês também ajuda a entender melhor o comportamento do coronavírus em crianças. “No começo, achávamos que elas não tinham casos graves da doença, mas, em abril, começamos a ver sinais de um problema inflamatório pediátrico, a síndrome de Kawasaki, e tivemos a suspeita de que essa enfermidade poderia estar relacionada ao novo coronavírus”, detalhou. “Porém, novos estudos mostram que os sintomas que essas crianças infectadas apresentam são mais semelhantes aos da MIS-C.”

A médica explica que o estudo inglês, apesar de ter sido feito em um grupo de pacientes pequenos, mostra dados que ajudam a entender melhor essa diferenciação. “Eles viram, por exemplo, que esses sintomas atingiram crianças maiores. Na Kawasaki, temos crianças bem menores. Outro ponto foi a dor abdominal, que é um sintoma da MIS-C apenas”, comparou.

No artigo, os autores do estudo indicam que o pico da incidência da síndrome de Kawasaki foi entre 1 e 3 anos, a de MIS-C, 12, anos, e indicam outras diferenciações entre as doenças. “Sintomas gastrointestinais e disfunção miocárdica são incomuns na doença de Kawasaki, sendo que ambos foram mais prevalentes em nossos casos de MIS-C soropositivos”, escreveram.

Segundo Slhessarenko, as semelhanças relacionadas ao comportamento do sistema imune das crianças e dos adultos em relação ao Sars-CoV-2 observadas no estudo também corroboram outra suspeita levantada por especialistas da área. “Essas similaridades nos mostram que essa síndrome nas crianças seria semelhante à fase três da COVID-19 em adultos, chamada de resposta hiperinflamatória, quando ocorre a chamada tempestade de citocinas, algo que já se tinha desconfianças”, detalhou.

Para a médica, pesquisas maiores ajudarão a esclarecer melhor os efeitos do coronavírus em pacientes infantis. “Só poderemos esclarecer melhor esse tema com mais pesquisa, e, como os autores desse estudo também ressaltam, com testes genético, que podem ser a chave para definir por que algumas pessoas têm reações mais graves a enfermidade e outras, não.”

Inflamação dos vasos

É uma doença pediátrica que causa febre, lábios ressecados e manchas na pele. Esses problemas são provocados por uma inflamação dos vasos, chamada vasculite. A causa dessa enfermidade ainda não foi descoberta. Com o surgimento da COVID-19, os pesquisadores começaram a notar um aumento de casos da síndrome, que é considerada rara, em crianças infectadas pelos Sars-CoV-2. Com isso, especialistas passaram a suspeitar que poderia existir ligação entre as duas doenças.


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