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Estado de Minas

Músicas que surpreendem são as mais ouvidas

Em testes, pesquisadores detectaram, em imagens do cérebro de voluntários, reações de preferência por canções com surpresa e interesse em harmonia, tudo na medida certa


postado em 03/11/2019 04:00


Qual o segredo para que uma música seja mais apreciada do que outra? Uma quantidade moderada de imprevisibilidade e outra pitada de incerteza. O ouvinte precisa se surpreender com a canção, mas não a ponto de se desinteressar por ela, segundo cientistas canadenses. Os pesquisadores chegaram a essa receita graças ao uso de um modelo matemático que mede a inconstância de fragmentos musicais. Em testes, detectaram, em imagens do cérebro de voluntários, reações de preferência por canções com ambas as características. Os resultados foram apresentados na última edição da revista especializada Journal of Neuroscience.
 
A pesquisa foi feita com base na teoria da estética e da curiosidade de Daniel Berlyne. O psicólogo britânico defende que as pessoas ficam mais intrigadas e satisfeitas com estímulos de complexidade intermediária. “Segundo essa teoria, estímulos muito simples são chatos e desinteressantes, enquanto os muito complexos são caóticos e, em última análise, desinteressantes”, explica Benjamin Gold, pesquisador do Instituto de Neurologia de Montreal, no Canadá, e um dos autores do estudo.
 
Gold conta que medir a previsibilidade é uma tarefa difícil, principalmente em se tratando de música. Para cumprir esse desafio, ele e sua equipe se concentraram nos dois aspectos da complexidade musical de maneira rigorosa e matemática. A imprevisibilidade, explica ele, está relacionada a quão surpreendente é uma peça musical, com relação a notas e acorde. Já a incerteza “está relacionada ao quão confiante alguém pode estar sobre como uma peça musical será realizada, ou seja, quantas continuações são prováveis”.
 
Após medir a complexidade de vários fragmentos musicais considerando as duas características, os pesquisadores apresentaram as canções para uma série de voluntários e pediram que eles apontassem de quais mais gostavam, enquanto tinham as reações cerebrais monitoradas em exames de imagem. “As músicas favoritas dos ouvintes foram, em sua maioria, aquelas com alta incerteza e baixa imprevisibilidade. Em outras palavras, aquelas cujas previsões eram cheias de dúvidas, mas, finalmente, provadas corretas”, diz Benjamin Gold. “Algo do tipo, acho que a próxima nota será A, mas não tenho certeza. E era a A”, exemplifica.
 
Segundo Sérgio Nogueira Mendes, professor adjunto do Departamento de Música da Universidade de Brasília (UnB), essa necessidade de imprevisibilidade mostra que o homem busca por composições que tenham mais qualidade. “E aqui não falamos de um estilo ser melhor do que outro. A questão é de construção das composições. Ouvir as mais complexas faz com que esse estímulo pelo novo seja alimentado, que é o que a cultura faz conosco”, frisa.

APRENDIZAGEM Além de ilustrar a teoria de Daniel Berlyne, a pesquisa comprova uma tese da neurociência sobre a relação entre estética e aprendizado. Segundo estudiosos dessa área, os humanos gostam daquilo que os ajuda a aprender. “Ultimamente, têm surgido muitas pesquisas sugerindo que o aprendizado é intrinsecamente gratificante e que envolve estruturas neurais importantes para o prazer e o comportamento motivado. Isso também observamos durante a audição agradável da música”, diz Benjamin Gold.
 
“Parece que essa recompensa pelo aprendizado pode explicar por que desfrutamos de complexidade intermediária em geral. Afinal, é provável que não aproveitemos muito uma experiência ou uma lição que já entendemos completamente ou uma que seja tão caótica e surpreendente ao ponto de não podermos nem mesmo nos agarrar a ela. Da mesma forma, parece que a música que nos ajuda a aprender – provando que estamos certos ou nos surpreendendo quando temos certeza suficiente para entendê-la – pode ser intrinsecamente recompensadora”, segue o pesquisador.
 
Julie Weingartner, neurocientista do Instituto Idor de Pesquisa, no Rio de Janeiro, acredita que a pesquisa traz dados valiosos sobre uma relação que sempre intrigou especialistas da neurologia. “A relação do homem com a música é algo que sempre chamou a atenção, principalmente devido a essa possibilidade das canções de causar prazer”, diz.
 
A especialista também acredita que a relação de aprendizado detectada no estudo entra em concordância com descobertas anteriores. “Temos teorias que mostram que a música pode ser uma das formas encontradas para fomentar a comunicação humana, e que ela pode contribuir para a coesão dentro de um grupo social. Essa linha do estudo não diverge dessas anteriores, pois o aprendizado é algo essencial para o ser humano”, afirma. “Sentir-se desafiado e ter curiosidade são processos que estão relacionados ao que chamamos de evolução da expectativa, que atinge o setor de recompensa do cérebro, relacionado justamente aos estímulos prazerosos.”

ALÉM DO TOM Para os autores, os resultados podem ajudar a entender a satisfação humana em outras áreas. “Apreciar o que desperta nossa curiosidade é relevante para todos os tipos de entretenimento e ambientes de aprendizado, de filmes e videogames a jogos educativos e salas de aula”, justifica Benjamin Gold. “Por fim, esperamos que essa pesquisa nos leve a uma maior compreensão do por que gostamos das coisas de que gostamos e, portanto, de como encontrar mais prazer ao nosso redor.”
 
Segundo Sérgio Nogueira Mendes, os dados da pesquisa também podem ajudar a entender as razões de músicas fazerem sucesso por muito tempo. É o caso de obras clássicas, como Beethoven, e também de canções da MPB, como as de Tom Jobim. Isso explica por que esses artistas seguem sendo amados, mesmo sem ter a mesma publicidade que tinham na época em que surgiram”, diz o professor da UnB.

RAIVA E TRISTEZA A música pop mudou ao longo dos anos, e os ritmos de 2019 são notavelmente diferentes dos que lideravam as paradas de sucesso nas décadas de 1960 ou 1970. Não apenas eles. Cientistas de dados da Universidade Tecnológica Lawrence, nos Estados Unidos, mostram que o teor das letras também passou por transformações. Usando ferramentas de análise quantitativa, eles identificaram que, ao longo de sete décadas, de 1950 a 2016, a expressão de raiva e tristeza na música popular aumentou gradualmente. Por outro, a de alegria diminuiu.
 
“A mudança nos sentimentos das letras não reflete necessariamente o que os músicos e compositores queriam expressar, mas está mais relacionada ao que os consumidores de música queriam ouvir”, destaca, em comunicado, Lior Shamir, pesquisador da Universidade Tecnológica Lawrence e um dos autores do estudo, divulgado na última edição do periódico Journal of Popular Music Studies.
 
Foram analisadas mais de seis mil músicas do ranking Billboard Hot 100 de cada ano. No passado, as canções eram classificadas principalmente por vendas de discos, transmissão de rádio e peças de jukebox, mas nos últimos anos passaram a ser considerados outros indicadores de popularidade, como streaming e mídias sociais. A análise mostrou que a expressão de raiva aumentou gradualmente ao longo do tempo, atingindo o pico em 2015. O período de menos irritação, pelo menos na música popular, se deu em 1982-1984. Em meados dos anos 1990, porém, a fúria voltou às composições, ficando mais acentuada no começo deste século.
 
A expressão de tristeza, nojo e medo também cresceu ao longo do tempo, embora de forma mais moderada. O desgosto aumentou gradualmente, mas foi menor no início dos anos 1980 e mais alto em meados e no fim dos anos 1990. As letras de música popular expressaram mais medo em meados dos anos 1980, e o medo diminuiu acentuadamente em 1988.
 
O estudo também mostrou que a alegria era um tom dominante nas letras de música durante o fim da década de 1950, mas diminuiu com o tempo e se tornou muito mais suave nos últimos anos. Uma exceção foi observada em meados de 1970, quando a alegria expressa nas letras aumentou acentuadamente. A década é justamente conhecida como a era da discoteca,  em que surgiu a chamada disco music.


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