Qual o valor da aparência na nossa vida? Sou muito preocupada com a imagem que as pessoas têm de mim. Por isso me fecho e inibo minhas vontades. Escreva sobre isso.
Catarina, de Belo Horizonte
Existem dois fenômenos muito importantes em nossa vida. O primeiro, físico, é o nosso corpo. Ele é centro de nossa existência, pois, por meio dele, respiramos, andamos, conversamos, fazemos amor, rezamos, trabalhamos etc. O seu valor é o próprio valor de existirmos. Somos o corpo e nisso estabelece a sua sacralidade. Cuidar dele, amá-lo, apesar de todos os seus limites, aceitá-lo, protegê-lo e enfrentá-lo fazem parte da autoestima, do autoamor.
O outro fenômeno é o que as outras pessoas pensam de nós. É a chamada imagem. Embora menos importante que o corpo, ela tem o seu valor na convivência social, uma vez que a sociedade em que vivemos é profundamente narcisista. O grande problema é a hierarquia de valores entre essas duas realidades. Devemos cuidar da aparência, da nossa imagem, mas não podemos viver em função dela ou, em outras palavras, da opinião alheia.
A criança aprende a se ver com os olhos dos pais. A autoimagem vai se formando, então, por meio das opiniões emitidas pelas figuras paterna e materna e, posteriormente, por meio de outras figuras significativas para a criança, como professoras, padres, vizinhos etc.
À medida que vamos crescendo de maneira sadia psicologicamente, vamos abrindo mão do olhar dos pais, de vez que já podemos ter de nós a própria percepção. Já não precisamos nos definir pelas palavras de outras pessoas. Nesse momento, tanto a crítica quanto o elogio alheios perdem força e são vistos apenas como referências, e não como determinantes da nossa vida.
A principal marca do amadurecimento pessoal é a autonomia. Crescer enquanto pessoa é ir se separando das outras pessoas, não dependendo excessivamente da opinião alheia. Não podemos permanecer eternamente em relações misturadas, dependentes, infantis. A partir de determinada idade, só devemos admitir tratamentos que nos coloquem como semelhantes, como sujeitos, sem prepotência e dominação.
Santo Agostinho dizia: “Nem fico maior quando me elogiam nem menor quando me ofendem”. Isso significa assumir responsabilidade pela própria vida, começando por não se sentir responsável em atender a expectativas, ordens ou pedidos de outras pessoas.
O caso de Catarina, de outras formas e em outras circunstâncias, é a história da maioria de nós. Outro dia, encontrei-me com uma amiga de 30 anos, solteira e que está grávida. Ela me falou do seu sofrimento, provocado pela forma como o seu pai a está tratando tão logo soube da gravidez. Ele passou a desprezá-la, não conversa mais com ela.
Dependemos excessivamente da opinião alheia, nos melindramos e sofremos muito quando alguém nos critica, queremos agradar sempre e procuramos em tudo aprovação alheia, principalmente das pessoas próximas a nós. Grande parte do sofrimento e dos conflitos nas relações tem a ver com isso. Em vez de valorizar a autonomia, a liberdade individual, seja dos nossos filhos, seja dos nossos cônjugues, seja dos nossos funcionários, valorizamos o controle, a submissão, a dependência e a proteção. Sair do ninho psicológico é a primeira condição para o desenvolvimento do equilíbrio emocional. Condição essencial para a felicidade.
A invasão do espaço psicológico de alguém é sempre uma violência, venha de onde vier. E isso, obviamente, não é amor. O amor proteção que é dado às crianças tem que dar lugar necessariamente ao amor liberdade, à medida que os filhos crescem.
O contrário disso provoca opressão, que vai se traduzir em angústia, depressão ou revolta. O grande terapeuta Fritz Pearls, da Gestalt-terapia, fazia seus clientes recitarem diariamente o seguinte texto, a que ele deu o nome de Oração da Terapia: “Eu sou eu e você é você. Eu faço minhas coisas e você faz as suas. Não estou neste mundo para viver de acordo com suas expectativas e nem você está neste mundo para atender às minhas.
Eu sou eu e você é você”.
Se nós nos encontrarmos assim, será maravilhoso, é o amor. Se não, o que eu posso fazer?