(none) || (none)
UAI
Publicidade

Estado de Minas

Norte de Minas vive o milagre do algodoeiro

A despeito da severa seca, Norte de Minas colhe resultados surpreendentes com programa de retomada de algodoais. Tecnologia e uso racional de água garantem alta produtividade


postado em 15/05/2017 06:00 / atualizado em 15/05/2017 08:22

Kinha adotou técnicas inovadoras e colheu 125 arrobas por hectare(foto: Tibúrcio Carvalho/Divulgação)
Kinha adotou técnicas inovadoras e colheu 125 arrobas por hectare (foto: Tibúrcio Carvalho/Divulgação)
Montes Claros – O Norte de Minas Gerais sofre com as lavouras arrasadas de milho e feijão,  pastagens destruídas, rios e córregos esturricados, consequências acumuladas em quatro anos seguidos de seca. É nesse cenário impiedoso de  prejuízos que um grupo de agricultores familiares, enfrentando a estiagem prolongada, consegue ver motivo para comemorar bons resultados do seu trabalho. A vitória surge na colheita de algodão. O milagre vem do uso da irrigação complementar e do melhor aproveitamento dos poucos recursos hídricos disponíveis na região.

A estratégia foi adotada dentro do Programa de Retomada do Algodão do Norte de Minas, que envolve 97  agricultores de seis municípios: Catuti, Mato Verde, Pai Pedro, Monte Azul, Porteirinha e Matias Cardoso. “O segredo é o plantio com a tecnologia voltada para o semiárido e o aproveitamento racional da água disponível num lugar onde chove pouco”, revela José Tibúrcio de Carvalho Filho, assessor técnico da Cooperativa dos Produtores Rurais de Catuti (Coopercat), que coordena o projeto. A entidade conta também com o apoio da Associação Mineira dos Produtores de Algodão (Amipa).

A expressão que batiza o projeto faz todo o sentido, já que o Norte de Minas tem tradição na cotonicultura, mas, devido às chuvas escassas e ao ataque das pragas do bicudo-do-algodoeiro, a atividade entrou em declínico na década de 1990. Como consequência, milhares de agricultores se viram obrigados a migrar para os grandes centros urbanos.

Implantado há nove anos, o programa é considerado modelo para garantir a atividade familiar e a convivência com a seca. A região já recebeu as visitas de várias delegações estrangeiras (de Moçambique, Angola, São Tomé e Príncipe, Cabo Verde e Peru) interessadas em conhecer o sistema. Despertou também a atenção de instituições que estimulam práticas solidárias, como o Projeto "Tecendo Valor, desenvolvido pela Fundação Solidariedade Latino-americana, com recursos do Instituto C & A.

Os agricultores do Norte de Minas plantaram 480 hectares (ha)  de algodão na safra 2016/2017, dos quais 400ha de sequeiro e 80 hectares semi-irrigados. É esta última parcela das áreas que exibe a grande inovação trazida pelo programa e que garante a boa produção da região semiárida. Os plantios foram feitos no período chuvoso e, mesmo assim, contaram com equipamentos de irrigação, recebendo a chamada 'molhagem mecânica' somente quando a chuva demora – no veranico.

Tibúrcio Carvalho diz que foram registrados 450 milímetros no Norte do estado entre novembro do ano passado e março. Em janeiro e fevereiro, época que se esperava que as lavouras vingassem, veio o sol forte de forma devastadora, com perdas de milho e feijão superiores a 80%. Diferentemente das perdas, o sistema inovador encampado pelos produtores de algodão assegurou produtividade entre 250 e 300 arrobas por hectare nas áreas onde as plantas foram irrigadas no momento em que São Pedro decidiu não atender aos apelos por água.

Para viabilizar a irrigação complementar, foram adotadas medidas para otimizar o aproveitamento da pouca água disponível, por meio do sistema de gotejamento. O técnico da Coopercat explica que como os poços da região têm baixa vazão, à água precisa ser usada de forma racional. Os agricultores recorreram a água de poço tubular para irrigar os algodoais sempre que a chuva atrasou.

Os agricultores acreditam que a área cultivada de algodão herbáceo no Norte de Minas poderá apresentar crescimento exponencial com a consolidação dos investimentos na irrigação em áreas estratégicas de produção. “Eles buscam a alta produtividade, aumento da eficiência no trato cultural da lavoura e qualidade do produto colhido, agregando maior valor ao preço final da pluma”, diz o assistente técnico. Numa área de plantio de 400 hectares de sequeiro, os produtores obtiveram 40 arrobas, em média, por hectare, ganho razoável dadas as condições adversas. Não fosse a severa estiagem, a produtividade média poderia alcançar 100 arrobas por hectare.

ÁGUA APROVEITADA A retomada do algodão ganhou como aliada a iniciativa de captação e a armazenamento de água de chuva com a construção de tanques de terra batida, também conhecidos como tanques escavados. A técnica consiste na implantação de reservatório, escavando com um trator. Em seguida, o chão é impermeabilizado com lona plástica.

O tanque escavado tem 48 metros de comprimento, 4,6 metros de largura e 1,60 metro de profundidade. Com essas dimensões, armazena 310 mil litros de água. Trata-se de quantidade suficiente para irrigar uma lavoura de algodão de um hectare durante 30 dias.

“Os resultados com a experiência foram muito positivos e vamos aumentar a abertura dos tanques escavados”, diz Tibúrcio Carvalho. Ele conta que a meta é ampliar a área semi-irrigada para 200 hectares no ano chuvoso, elevando ainda o nível do aproveitamento da água de poços tubulares, racionada com o sistema de gotejamento.

Plumas e caroço


Em 80 hectares de algodão semi-irrigados, sistemas de gotejamento e tanques escavados proporcionaram trato adequado à planta durante a estiagem(foto: Tibúrcio Carvalho/Divulgação)
Em 80 hectares de algodão semi-irrigados, sistemas de gotejamento e tanques escavados proporcionaram trato adequado à planta durante a estiagem (foto: Tibúrcio Carvalho/Divulgação)
O algodão, para o Norte de Minas, é sinônimo de geração de renda e sustentabilidade das pequenas propriedades, segundo o técnico Tibúrcio Carvalho. Além de fornecer pluma de qualidade para a indústria têxtil mineira, a cultura fornece como subproduto o caroço do algodão, importante fonte de energia e dieta constante na nutrição de bovinos. “O projeto assume a missão de implantar uma agricultura mais segura, com alta tecnologia e organização. No inicio, houve o apoio do Banco do Nordeste e de outras instituições.  O nosso objetivo, agora, é que os produtores tornem-se independentes e possam andar com as próprias pernas.”

Com união, produtores reduziram as despesas

Os bons resultados do programa de retomada do algodão são comemorados pelos produtores. É o caso de Hermínio Uesklei Silva, o Kinha, de 36 anos, do município de Monte Azul, que plantou um hectare de algodão com o uso da irrigação complementar. Para garantir a manutenção da lavoura nos períodos de veranico, ele recorreu à água captada de um poço tubular e também a um tanque de terra batida aberto em sua propriedade.

O agricultor conquistou produtividade de 125 arrobas por hectare na área da semi-irrigação.  “Foi muito bom, e não seria assim sem a irrigação complementar”, afirma Kinha. Impacto importante foi a geração de empregos nas terras em que trabalha. “Tive que contratar 10 pessoas para a colheita” . Kinha pretende ampliar o cultivo do algodão no sistema inovador em 2018.

Adelino Lopes Martins, o Dila, de 58, também revela a grande satisfação com os resultados do algodoal que mantém em Catuti. Ele plantou 1,5 hectare no sistema de irrigação complementar por gotejamento, usando água de um poço tubular, e atingiu produtividade de 200 arrobas por hectare. “A solução é usar o kit para a irrigação por gotejamento, fazendo a economia de água. Não existe outra alternativa para conviver com a seca”, afirma Adelino. O agricultor também fez o cultivo de algodão em 18,5 hectares de sequeiro, onde colheu 20 arrobas por hectare.

Em suas pequenas propriedades, os produtores recebem assistência técnica, kits para irrigação e apoio no preparo do solo para o plantio. Uma das razões do sucesso da iniciativa é a organização dos produtores em sistema cooperativista, o que reduz custos de produção e facilita o escoamento da colheita. Os insumos são adquiridos no sistema de compra coletiva, a safra é beneficiada em uma usina instalada no município de Mato Verde e viabilizada pelo programa.

Na hora de vender, os produtores dão as mãos novamente e não encontram nenhum embaraço para a comercialização. São formadas cargas com a produção de várias áreas, o que garante escala ao grupo. A matéria-prima já tem como destinatária uma companhia têxtil de Araçaí, na região central de Minas.

A união dos produtores na busca de alternativas para melhorar a produção e a convivência com a seca é enfatizada pelo diretor- executivo da Associação Mineira dos Produtores de Algodão (Amipa), Licio Pena de Sairre. “Esse programa é realmente diferenciado. Podemos dizer que é hoje a menina dos olhos da Amipa", afirma Sairre, destacando inovações com o uso racional da água.

Ele ressalta que a iniciativa tem um grande viés social por permitir que os produtores familiares, mesmo com as adversidades climáticas, se mantenham na atividade formal sustentável. Outro aspecto para o qual ele chama a atenção é que, a partir da organização em grupo, os agricultores conseguem vender o algodão diretamente para a indústria têxtil, eliminando a figura do atravessador e conseguindo melhor preço para o seu produto.


receba nossa newsletter

Comece o dia com as notícias selecionadas pelo nosso editor

Cadastro realizado com sucesso!

*Para comentar, faça seu login ou assine

Publicidade

(none) || (none)