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Tóxico quer dizer o que envenena. Somos uma sociedade intoxicada?

Sim. Pelo dinheiro, consumismo, alimentos processados, derivados do petróleo, narcisismo, culto ao corpo e outros excessos


26/07/2020 04:00

Podemos dizer que a língua anda. Produz filhotes, novidades, gírias, outras palavras para dizer a mesma coisa, modismos. A língua acompanha a vida, é reinventada pelas sucessivas gerações, criatividade própria ao ser falante e suas expressões. A língua é viva. Ela nos permite construir laços, uma vida social.

De repente, surge um jeito novo de falar que contagia, é disseminado e assumido, tornando-se comum. Às vezes, são ótimas expressões e outras, nem tanto. Cada geração, sucessivamente, cria costumes e expressões que ficam antigas e caem em desuso.

Nas palavras de Haroldo de Campos, o povo é o inventa línguas na malícia da mestria no matreiro da maravilha no visgo do improviso tanteando... o povo é o melhor artífice do seu martelo galopado no crivo do impossível no vivo do inviável...

Ler isto nos lembra a história de nossa geração em que usávamos o termo bacana, significando joia e acompanhado do dedão pra cima, que barato, massa. O mau gosto, barango, por fora. Gente era bicho. Depois, valeu. Pode crer.

O mundo mudou, o Brasil americanizou-se e hoje paquera é crush. Deu ruim, bugou; zoar, trolar; palavras que vieram dos internautas e já são absorvidas pelo léxico corrente.

As meninas quando estão se sentindo bem dizem que estão plenas. Esta palavra reflete bem nosso tempo e a busca da felicidade, da completude, malgrado ser a psicanálise avessa à ânsia humana de fazer um com o outro, com os objetos de consumo, evitando a qualquer custo saber sobre a verdade da divisão. Nunca seremos plenos, somos meio-dizer, meias verdades. Oculta- se de nós parte do nosso ser.

Na tragédia de Sófocles, o rei Édipo evitou, até enquanto pôde, saber sua verdade: matou o pai e casou com a mãe. Pagou pelo erro de seu pai Laio, que quebrando as regras de hospitalidade na sua família adotiva raptou o irmão. A consequência foi a maldição, lançada pelo pai adotivo, de que seria castigado e toda a sua descendência. De fato, nem todos os desejos nos levam ao que é bom. Melhor será viver sem a bolsa do que morrer por ela.

Negar limites e a castração é tentar o melhor e encontrar o desastre, já que eles são extremamente importantes, condição sine quae non para assegurar a normalidade, a conveniência e a convivência. E, por último, todo aquele que desagrada, incomoda e frustra, é tóxico.

Somos uma sociedade intoxicada? Sim, intoxicados pelo dinheiro, consumismo, alimentos processados, derivados do petróleo, narcisismo, culto ao corpo e outros excessos. Tornamos nosso mundo irrespirável, pandêmico. O ar que respiramos é contagioso. A espécie humana em sua ânsia dominadora e predatória, com seu desejo de desafiar os limites, construiu a civilização para proteção mútua, mas não soube administrar seu feito e perdeu o rumo, desandou.

Tóxico, no dicionário, quer dizer o que faz mal ao organismo, o que envenena. E como dizia, a língua viva se apropriou do termo adjetivando-o: pessoas são tóxicas. Será? A sociedade tóxica, envenenada por desmedidas. O homem predador desnaturado, sem instinto, o que faz dele um errante. Os animais, instintivos, vivem na natureza sem devastá-la.

O homem não se contenta com o possível, o necessário. Ele quer tudo, muito e mais ainda. Acumula dinheiro com a miséria do outro, se droga para suportar e fugir da angústia existencial, inerente à finitude da vida, se esquece da comunidade global. Da Terra mãe. Por isso, caiu na linguagem corrente atribuir o termo toxidade a tudo que não é bom. Não sei se cabe tratar as pessoas individualmente como tóxicas. Mas elas podem ser perversas, invejosas e, por que não, venenosas? Envenenam a si e a nós com palavras. Diz o poeta: “A língua é o açoite do ar”.

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