Jornal Estado de Minas

MÍDIA E PODER

O que ainda explica o grande apoio a Bolsonaro nas pesquisas?



Um dos mais antigos e respeitados professores de Ética e Filosofia Política da USP e ministro da Educação de Dilma por alguns meses, Renato Janine Ribeiro é um homem de esquerda clássico com afinidades antigas com o PT e o lulopetismo.





Pois até ele se assusta, em seu último artigo no Diário do Centro do Mundo, a seu jeito muito respeitoso, com o que chama de mistério do apoio resistente de mais de 30% a Jair Bolsonaro nas pesquisas. Apesar de todos os motivos para se desconfiar que ele deveria estar na lona.

Escreveu no rescaldo da pesquisa da semana passada do instituto Paraná, em que ele ganha de todos os candidatos colocados nas simulações de primeiro e segundo turnos da próxima eleição. Lula ganha de todos os outros, exceto dele.

Leia: Com luxuoso auxílio do STF, Bolsonaro ressuscitou Lula

Bate Lula no primeiro e no segundo turnos, em arredondados 34 a 30% e 43% a 40%, respectivamente, e larga distância de todos os outros. Ciro Gomes, o mais próximo dos dois, tem risíveis 6% na simulação de primeiro turno e vai menos pior na simulação de segundo turno: 35% a 43% contra Bolsonaro e 28% a 38% contra Lula.





O professor mais especula que assevera diante do que para ele só confunde: por que tanto apoio ainda diante do balanço desastroso de mortes da pandemia, da vacinação capenga e da economia inepta?

— Como é que um governo que governa tão mal está firme assim? E como é que ele pode até mesmo ser reeleito?

É todo dúvida sobre as causas e só arrisca uma: a falta de uma oposição vigorosa, que perdeu tempo por apostar só em Lula, fracassou com Haddad na eleição passada e não pôde se fortalecer nas ruas, durante a pandemia. Sobra um pouco de culpa para a imprensa e "seu histórico de hostilidade contra o PT".

Talvez ele fosse mais bem sucedido no seu esforço de entender a força de Bolsonaro se ele se permitisse fazer a mesma pergunta a respeito de Lula: o que explica que o ex-presidente ainda tenha também um terço do eleitorado depois de ter ido à lona por outro tipo de desastre?

Se ele juntasse essas duas nêmesis dos nossos últimos desastres em 20 anos de descaminhos, certamente elucubraria melhor sobre a estranha disposição da sociedade para com os dois.

A pergunta correta talvez fosse: por que Bolsonaro e Lula ainda têm o apoio de quase um terço do eleitorado cada um, apesar de seus desastres respectivos na vida nacional, a ponto de devastarem ambos a paisagem política de alternativas?

A resposta mais óbvia é que um explica o outro. O apoio ao primeiro traduz a rejeição ao segundo, e vice-versa. 





O terço da população talvez queira um para evitar o outro. Vice-versa. Aquele negócio: o eleitor vota no capeta para evitar o demônio e pode votar no demônio para evitar o capeta.

Muito parecidos na forma de atuação populista, nos apoios e ódios que mobilizam no confronto com as instituições, eles exercem forte afinidade ou antipatia. São como imãs catalisadores de tudo o que a sociedade ama ou odeia. 

Mais odeia, já que mobilizar o ódio tem funcionado muito melhor em política que as boas intenções.

Bons exemplos são os adversários que, por razões parecidas, atraem: o Congresso, o Judiciário e a Imprensa. São três instâncias odiadas que eles escolheram como inimigos e cujas tentativas de combate ou controle sacodem as arquibancadas.

É bem possível que, na cabeça do cidadão médio, se o Congresso, o Judiciário e a Imprensa estão contra eles, alguma virtude eles devem ter. Ao contrário, se o apóiam, algum conluio deve estar a caminho.





No caso do Judiciário e do Congresso, eles vêm arranjos e maracutaias, nesta ordem. No da imprensa, manipulação e distância da pauta que lhe interessa e em que acredita.

(Veja-se a ampla cobertura do Jornal Nacional sobre a operação policial no Jacarezinho que deixou 28 mortos. Para o cidadão médio que está menos para rede social do que para o sofá da sala depois de uma dura jornada de trabalho, as imagens de traficantes empunhando fuzis em fuga não batem no seu conceito de chacina de inocentes, que o jornalístico, como todos os outros, emulam.)

Na sua tentativa de interpretação de um lado só, o professor repete o que vem sendo muito comum de restringir o apoio de Bolsonaro à extrema direita, que, segundo diz, "conseguiu uma reverberação que nem no regime militar teve".

A seu jeito elegante, não a chama de reacionária e nem fascista, como é praxe na oposição mais radical a Bolsonaro. Mas aí, como bem lembra Ciro Gomes nesse trecho da entrevista em que arredonda sua estratégia contra o petismo, é preciso lembrar que a população que votou nos dois é quase a mesma. 





Lula, Dilma e Bolsonaro tiveram votos da maioria da população, com marca arrasadora de 70% dos votos ou mais dos principais estados, Rio, São Paulo, Minas, Rio Grande do Sul.

— Ora —pergunta o pedetista—, querem dizer que a grande maioria do povo de São Paulo que consagrou Lula no passado e Bolsonaro no presente é toda fascista?


Como levaram para as urnas o espectro da sociedade de direita à esquerda, mais certo é dizer que ambos tinham e continuam tendo amplo apoio na maior parte do eleitorado, de difícil configuração e explicação, sem cometer erros graves.

Atribuir a Bolsonaro mais apoio no capital, como é comum nesse tipo de argumento e o professor Janine sugere, é negar o quanto de apoio Lula arrastou no meio. E se campanha hostil de imprensa fosse determinante para derrubar um candidato, Lula não teria sido eleito em 2002 e 2006 e nem Bolsonaro em 2018.

Melhor encapsular tudo, como tento, na aversão da maioria ao inimigo comum de ambos, as instituições deterioradas e militantes das quais seus respectivos mitos — Lula e Bolsonaro — lhes saem mais vítimas que cúmplices. 





Uma sociedade altamente conservadora que votou, vota ou votará nos dois pela capacidade de garantirem sobrevivência e bem estar. 

E, claro, competência para dobrar os inimigos que ela adora odiar: Congresso, Judiciário e Imprensa.

PS - Depois de enviada a coluna, na noite dessa quarta-feira (12/5), o DataFolha divulgou sua nova pesquisa com resultados bem diversos: Lula  bate Bolsonaro em 41 a 23 no primeiro turno e 55 a 32, no segundo. Em sendo certos os números, não invalidam de qualquer forma o argumento de que ambos ainda têm apoios surpreendentes, apesar de suas histórias

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