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Estado de Minas

O mundo em risco


postado em 18/08/2019 04:00 / atualizado em 17/08/2019 21:48


Com Henrique Delgado

O mundo passa por um momento muito conturbado e a maioria dos países está calada, refletindo e agindo.  Nem todos. "Os EUA fazem o que fazem porque são uma grande potência. O Brasil não é”, afirmou em artigo grosseiro o expoente do neorrealismo estadunidense Stephen Walt. Mas as consequências virão para todos, sem exceção.

Mas em um mundo cada vez mais conturbado, não podemos tirar a atenção do principal.  A integridade nacional somente será preservada se o país aprender a ser governado no dia a dia, independentemente de eleições, partidos, ideologias. Vivemos um tempo de redobrada atenção no que é primordial aos poderes do Estado. Especialmente diante da forte e veloz atualização tecnológica.

O Brasil é um grande encontro de civilizações a caminho de formar uma civilização própria. Isso é nossa maior característica. Na hipótese de nova crise financeira, inexiste hoje no mundo um grau de pensamento minimamente solidário para resolver um problema a partir da ação coletiva internacional, como existia em 2008. Se naquela época já não foi bem feito, atualmente talvez nem sequer fosse feito algo estruturado em conjunto, suficiente para amenizar a queda. Cada país está se achando senhor das suas ideias e partindo para experimentações sem levar em conta que o que nos salva é a harmonia da ação.

O aumento da automação resultante da revolução tecnológica em curso exige se arquitetar um futuro em que todos sejam servidos e se beneficiem das máquinas de inteligência artificial. Do contrário, o mundo da oferta não vai encontrar o mundo da demanda, que estará desempregado e sem dinheiro.

A fim de se compreender o que vai se passar nas próximas décadas no mundo do trabalho, é importante ver o se passou no século 19. O trabalho escravo, que existia desde tempos imemoriais – todos os povos da Terra já foram escravizados em uma altura ou outra de sua história –, foi substituído globalmente pelo trabalho assalariado.
Por mais que o movimento abolicionista representasse um avanço moral, cultural e intelectual da sociedade humana, havia questões práticas da lógica econômica sustentando o movimento. As revoluções tecnológicas que deram sequência à revolução industrial transferiram cada vez mais dinheiro e poder para setores industriais da sociedade que viam necessidade de ampliar seu mercado consumidor. Afinal, qual a lógica de produzir bens de consumo em larga escala se não existem consumidores em larga escala? Para isso, era fundamental incorporar o maior contingente possível de pessoas ao trabalho assalariado. Para isso, era preciso acabar com a escravidão, essa modalidade de trabalho em que o capitalista investe pesado apenas uma vez na aquisição e depois só faz manutenções básicas de subsistência. Pois bem, robôs de inteligência artificial também não recebem salários, podem ser caros para se adquirir, mas consomem pouco para subsistir.

Num controverso estudo de história econômica escrito por Robert Fogel e Stanley Engerman na década de 1970 (o primeiro receberia o Nobel 20 anos mais tarde), a escravidão no Sul dos EUA foi descrita como “investimento altamente lucrativo”, superior mesmo “às melhores oportunidades de investimento na manufatura”. Nos EUA foi uma guerra civil que mudou essa balança e definiu que as pessoas passassem a receber salários em troca de trabalhos que geravam os produtos a serem consumidos em larga escala pelos próprios assalariados. Foi a boa lógica econômica que aboliu a escravidão, mais do que as razões morais.

No princípio do século 20, Henry Ford ficou famoso pela revolução organizacional representada pela introdução da linha de montagem, que racionalizava e barateava a produção em massa. Mais relevante ainda era a sua lógica de que seus trabalhadores precisavam ganhar bem o suficiente para que pudessem adquirir os carros que produziam. Ou seja, na sua indústria, Ford criava não apenas a oferta, mas também a demanda por seus produtos.

Há uma lógica que o ser humano também conhece há milênios e que no último século passou a ser conhecida como “paradoxo da parcimônia”, segundo a qual o indivíduo que mais poupa tem ganhos intertemporais maiores na sociedade, mas se todos os indivíduos e organizações pouparem demais a sociedade empobrece. Há uma adaptação possível para o pagamento de salário: para o empregador que paga o salário, quanto mais baixo ele for maior será o seu lucro. No entanto, se todos os empregadores pagarem salários baixos, as perdas de lucro se alastrarão pela economia real por conta do enfraquecimento do consumo.

Governar com palavras não vai deter a automação que ameaça o mundo e prepara a próxima grande crise econômica.

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