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Estado de Minas DIA DA VISIBILIDADE TRANS

Minha pele é plataforma da dignidade: Tine Taga e Dons Maria lançam disco

Travesti canta dores e amores no álbum 'Tuas Cores', em Poços de Caldas


29/01/2022 19:20 - atualizado 29/01/2022 20:12

Tine Taga com a mão no vidro
Tine Taga: 'minha pele é plataforma de dignidade' (foto: Tamiris Alves/Divulgação)

 
“Sou travesti, então beija meu corpo de mulher (...) pulei na vida travestida”. É assim que se anuncia o disco “Tuas Cores”, do trio Dons Maria, de Poços de Caldas, que traz na formação, enquanto vocalista e compositora de quatro das oito faixas, a cantora Tine Taga, de 32 anos. Lançado neste sábado (29), propositalmente no Dia da Visibilidade Trans, o álbum é o primeiro do grupo e estende a mão em convite: um belo dia para ouvirmos uma travesti cantar. 

‘Então passa
Bem de vagarinho
Nesse quebra molas
Sente o quanto sou macia
Deita e esquece essa mania
Somos vacas, viados, sapatão de couro saltei sim
Pulei na vida travestida’

Gorda, periférica e travesti, Tine, de fato, pulou na vida travestida. Sorte a nossa. Hoje  celebra a conquista. Para ela, é uma sorte, mas também uma forma de alcançar visibilidade e fazer a própria voz ecoar os dizeres que tem ao mundo. 

“Somos o entorno de quatro milhões de pessoas trans e travestis e onde elas estão?”, questiona. “Se falarmos de corpos diversos, como o meu, o número de ataques é ainda maior, mas ter voz é se sentir minimamente digna de viver nessa terra onde sofremos tanto por sermos diferentes [do padrão]. Viva as travestis, viva nossos corpos e todos aqueles que sofrem por exclusão”. 

Mas o disco vai na contramão. E inclui. Inclui a Tine. Inclui uma equipe plural e diversa. Inclui canções que dialogam com a cena musical mineira, num misto de arranjos bem pensados e autoralidade que reforçam o debate em torno do gênero, da diversidade, da mulher, da política, do amor e da arte. 

Ouço o álbum, pela primeira vez, numa tarde chuvosa de sábado, enquanto reflito sobre os avanços da pauta da Visibilidade Trans e do esperneio incontido dos conservadores, que se doem cada vez que alguém se ama para além do que é normativo. 

Obedeço, gentilmente, o convite contido no release do trio, que anuncia: as canções são um convite para subir a montanha, passar um café no fim de tarde, ver a folia passar no Carnaval. ‘Tuas Cores’ é se misturar em cores para abrir um sorriso e cantar. ‘Tuas Cores’ é gritar na rua a beleza de estar vivo.’Tuas cores’ é amar a poesia em forma de canção.

Capa do disco Tuas Cores
(foto: Tibor/ Paulo Tothy/Divulgação)
‘Tuas Cores’ me faz ter vontade de botar meu paetê, o corpo pra jogo e cair na folia, no já tradicional - e saudoso - Bloco da Tine, famoso por unir a galera LGBTQIA+ e as feministas no encerramento da terça-feira de Carnaval poços-caldense.  Não só pela música, mas pela sensação de corpo em festa, de experimentação, de desejo que escorre, de sentimento explodindo, louco pra encontrar eco e ressonância em outros pares, nas ruas, em todas as cores: as minhas e as tuas. Que sejam nossas, a colorir o mundo. 

Pudera, a faixa ‘Ditadura’ resume o sentimento e desejo de estar viva no mundo, evocando a liberdade e o corpo da sociedade para si. “Minha pele é plataforma da dignidade”. Não traria mais poesia e urgência; parafraseando: ‘Mas aqui, quem manda é o bloco da rua’. 

Com o desejo de que possamos estar, novamente, em coro, sem pandemia, sem ditadura (velada), sem estado de exceção, sem medo, sem ameaças, na rua, apenas a existir. 

O trio e a urgência

Tina e Dons Maria no palco
Tine Taga e Dons Maria (foto: Divulgação)
 

Na formação, a banda conta também com Guilherme Reche e João Victor Junqueira que abraçam os valores contidos nas letras de Tine na urgência que elas precisam ganhar as ruas, os alto-falantes, os corações. 

No país que mais mata travestis e transexuais em todo o mundo, ter um disco cuja faixa principal é batizada de “Travestida” e que celebra estes corpos dissidentes é um ato de resistência. Não aquela dura e crua, mas uma que nos lembra que não há tempo: nem para ter medo, nem para perder sem se curtir, se divertir, aproveitar o mundo em sua intensidade e totalidade. Inclusive, já escrevi sobre essa urgência quando falei do disco do Don L, também nesta coluna. 

Para Tine, protagonizar quatro faixas do disco é uma forma de desabafar, mas de performar como artista. “Quero que mais pessoas trans e travestis possam ocupar espaços onde tenho a sorte de ocupar hoje. No Sul de Minas, no cenário da música atualmente, acredito que, com muito apoio, estou construindo um legado de extrema importância quando o assunto é diversidade de gênero, garantindo a visibilidade de ‘corpos dissidentes’.”
 
Vale lembrar que o disco é assinado pelo produtor musical Deivid Santos. ‘Tuas Cores’ têm produção executiva de Chiara Carvalho e direção de arte de Paulo Tothy, que entre outras ações, foi o responsável pela criação da identidade da capa do álbum, a qual traz entre seus elementos uma pintura criada exclusivamente pelo artista poços-caldense Tibor. 
 
Dons Maria faz parte do selo Carvalho Cultural, e atualmente conta com o apoio da banda base formada pelos músicos Breno Oliani (baixo), Danilo Abreu (percussão) e Guilherme Guerriero (bateria). A produção do álbum foi viabilizada com recursos da Lei Aldir Blanc no âmbito do estado de Minas Gerais.  

Da minha parte, posso dizer que é um baita privilégio ouvir o disco e poder escrever sobre ele. Poder viver e conviver com a Tine no mesmo tempo-espaço-cidade. Que privilégio, meus amigos. 

Agora, fiquem com ele também: o disco pode ser ouvido no link   


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