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Estado de Minas Entrevista de segunda

Aos 71 anos, autora mineira celebra maturidade e lança seu terceiro livro

Em "No espelho das águas", Cidinha Ribeiro revive a própria história em um processo sofrido, nostálgico e prazeroso


15/11/2021 04:00


Dora, personagem do filme “Central do Brasil”, (1998), que rendeu, entre tantos prêmios, a indicação ao Oscar de melhor atriz para Fernanda Montenegro, era uma professora aposentada que, por trocados, escrevia cartas para analfabetos na estação Central do Brasil, no Rio de Janeiro. Sem muita paciência com a clientela, não tinha compromisso com homens, mulheres e crianças que a procuravam, e as cartas nunca chegavam ao destinatário.

Longe da ficção, escritoras de cartas podem ser encontradas por aqui. Ao contrário de Dora, Cidinha Ribeiro não pensava duas vezes quando as amigas pediam um texto bonito para responder às cartas dos namorados. "O pedido ‘responde à carta de meu namorado pra mim? Você escreve bonito’ e a conferência da encomenda com lágrimas nos olhos eram naturais e emocionantes. Fui me especializando, e o serviço se tornou prático e rápido", relembra a hoje escritora, que lança seu terceiro livro, "No espelho das águas" (Boutique do Livro, 265 páginas). 

"O início e o final da carta eram os mesmos para todos os namorados, dada a necessidade de serem impactantes, agradarem logo no começo e deixarem uma sensação duradoura. O método funcionava bem. E não me consta que os namorados das amigas tenham descoberto aquela pequena generosidade", diz ela, mostrando que, desde sempre, a escrita esteve ao lado dela, seja em crônicas escritas em jornal, em participação em antologias e em contos suficientes para livros futuros.

O primeiro livro, “Tricotando lembranças e costurando histórias”, foi publicado em outubro de 2015 e, curiosamente, tem uma relação com as redes sociais. "Inclusive o título, fruto de eleição democrática por um grande grupo no Facebook".  Cidinha acredita no estímulo à leitura via redes sociais. 

"Penso que, como eu, outras pessoas sintam curiosidade por obras apresentadas e divulgadas por seus próprios autores. Nas redes sociais, lê-se de tudo, mas, se lê. Escreve-se também. Antes assim. Também se veem obras de arte, cenas sugestivas a comentários, fotografias revoltantes e geradoras de atitudes, discussões acaloradas. Isso é ler o mundo. É estímulo a ir além para aprender mais. Quem sabe até o livro?"

Você tem 71 anos, três livros lançados e reconhece que começou a escrever tardiamente. Por que essa demora para se lançar no mercado literário e em que a maturidade contribuiu para a construção de sua obra?
 O não pertencimento ao grupo de autores e de outros profissionais da área retardou o início de minha aparição pública como escritora. As oficinas de escrita me colocaram em contato com pessoas envolvidas no mercado literário e me indicaram os caminhos a seguir. Estudos e infindáveis leituras têm sido essenciais à minha escrita. A maturidade me trouxe a segurança e a confiança que eu precisava para dar visibilidade ao meu trabalho. O romance “Taperas”, minha primeira criação, teve destino ingrato. Foi guardado e esquecido com ISBN e registro na Biblioteca Nacional. Depois vieram dois livros autopublicados e sua divulgação foi restrita a pequeno número de leitores. Em “No espelho das águas”, eu estava pronta para assumir meu lugar na literatura.
 
 
“No espelho das águas”, seu terceiro livro, surgiu do desejo de escrever relatos da vida de sua família para o seu neto, que completará 5 anos em 2022. Mas, como você escreve no livro, acabou colocando sua vida no papel. Qual a importância e o significado que o livro tem para você?
Meu livro “No espelho das águas” é especialmente importante para mim. Ele é um documentário, contém registros da história de gerações, é referência nos avanços das lutas das mulheres pela independência e dignidade, pontua os desserviços do patriarcado. No campo pessoal, ele foi uma catarse. Deu-me a exata noção do que me fez ser quem sou.

O livro é resultado de três anos de pesquisas e, claro, da ajuda dos seis irmãos para trazer muita coisa à memória. O que há de bom e nem tão bom assim em reviver a própria história?
Reviver a própria história foi para mim um processo sofrido, nostálgico e prazeroso. Sofrido porque passei por renascimento sem ter oportunidade de consertar os estragos e de apagar as cicatrizes. Nostálgico porque a saudade dói. A frase é um lugar-comum, eu sei, mas são estas as palavras que me ocorrem para justificar tantas lágrimas derramadas sobre páginas escritas. Prazeroso porque arrasto comigo a certeza de que meus relatos me contêm, inteira e viva. Esse livro é minha eternidade.
 
Você também faz parte do coletivo Vira Verbo, que reúne sete mulheres. Já lançaram “Entre dores, amores e coronas”, e em breve lançam “Plantando borboletas”. Como é o trabalho do coletivo e a importância dele?
Com alegria, participo do Coletivo Vira Verbo. Somos sete mulheres, diferentes em nossas essências, mas semelhantes no desejo de luta pela dignidade das mulheres, dos escravizados e dos marginalizados. O trabalho do grupo pretende se expandir nessa direção e ir além da literatura. Os convites para inserção do coletivo no trabalho social começam a acontecer e não nos furtamos a colaborar.

Paralelamente ao livro “No espelho das águas” você escreveu outro de crônicas inspiradas em Paulo Freire. Como vê os ataques que a memória do educador vem sofrendo nos últimos tempos?
Os ataques a Paulo Freire são a prova inconteste da importância de sua obra. Tentativas de menosprezar e de ridicularizar a “Pedagogia do oprimido” têm sido a arma inglória dos que temem o grande educador, e Paulo Freire está mais vivo, mais imprescindível e mais coerente que nunca. Em nenhum tempo se falou tanto como agora sobre a importância da educação, da ciência e da cultura para sairmos do momento de total obscurantismo em que vivemos.

Como você espera que seja a relação de Rafael, seu neto, e dessa geração de crianças com a leitura, com a cultura e a educação? Qual deve ser o papel dos pais e avós nesse contexto?
Espero e desejo que os governantes futuros invistam na educação e na cultura das crianças brasileiras. Sem a leitura, aquela que vai além da soletração, é impossível mudar a realidade de um povo. No futuro mora a esperança de um mundo mais humano.  Pais e avós são coadjuvantes nessa trajetória. Somos indispensáveis agentes transformadores da realidade. Livros devem ser dados aos filhos e netos como brinquedos a serem explorados, sentidos, tateados, misturados ao amor e ao carinho. Os hábitos de ouvir histórias e, mais tarde, de ler histórias, devem ser desenvolvidos nas crianças como outros hábitos quaisquer. E se tornarem parte da rotina. 

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