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Estado de Minas COLUNA HIT

Fabiana Brasil: 'Quero a sua companhia, querido diário!'

Atriz e contadora de histórias descreve sua quarentena, entre plantas de apartamento, xícaras de café e boletos que não param de chegar


29/08/2020 04:00

Bom, não sei como começar esta conversa, mas, querido diário, perdão! Eu sei que não mereço, mas é que os tempos são outros e nossa conversa pode ser mais madura, afável e harmoniosa neste momento. É quero a sua companhia, querido diário. Eu já tentei ter uma relação boa com você antes, lembra-se? Escrevia duas páginas, três, às vezes cinco – foi o mais longe que cheguei. Mas era difícil manter a rotina.

Tentei escrever em cadernos, folhas soltas, tentei até aqueles lindos, com chavinha. Não funcionou. Eu sei. Porém, agora tenho tempo pra nós. Sinceramente, necessito da gente. Agora vai ser diferente. Acordei e fiz um café, sem açúcar, obviamente, que é pra poder sentir todas as notas desse líquido preto, delicioso e quente, sem que este seja mediado por nenhum outro sabor. Como tenho tido tempo esses dias, seguindo a recomendação de ficar em casa (embora eu sempre me pergunte: será mesmo que eu tinha pra onde ir? Que queria ir?), escolhi demoradamente uma xícara, para então deliciar-me com o meu café.

A vencedora foi uma xícara de que gosto muito. Ela é transparente, dá pra admirar a cor do café forte enquanto se bebe. Combinação perfeita: cor e sabor! Mas o que mais gosto nela é a frase inscrita em um de seus lados, em cima de um desenho que imita um código de barras, onde se lê: “A vida não é só boletos”. Fico sempre pensando nisso, a vida não é só boletos? Às vezes ela nos dá a impressão de que sim.

Ainda refletindo sobre a frase, fui para minha pequena varanda, onde cultivo umas plantinhas na tentativa de sentir-me, de alguma forma, mais próxima da natureza. Lá, eu paro, às vezes alongo o corpo, respiro e vejo o céu. Repararam como o céu tem ficado bonito?

Na minha floresta tem orquídea, peperômia, cactos, suculentas, umas que não sei o nome e a espada-de-são-jorge. É bem florestinha de apartamento mesmo. Ah, e tinha a arruda, mas ela morreu. Eu sinto falta da minha arruda.

Olhei um tempo para as plantinhas e continuei com a pergunta reverberando em mim. Cheguei à conclusão de que realmente, mesmo não tendo a resposta sobre o que é a vida, certamente ela não é só boletos. Tem tantas coisas mais, né? A tristeza com as notícias ruins que constantemente querem nos dar, as lutas diárias que nem damos conta de assimilar, é cada hashtag!

Bom, tem os livros que gosto de ler, minhas descobertas e vivências. As conversas, ainda que não presenciais, que tenho com meus amigos. Tem vela, banho, incenso, vinho, live, estudos, a tentativa de aprender inglês, editais de salvamento, poemas performatizados em vídeo. E sim, tem os boletos debaixo da porta.

Na varanda, reparei que a vela que acendi ontem apagou. É vida. E ainda tem nossas memórias. Sabe, querido diário, você é uma memória. É que os dias têm ficado meio desconexos e entre as oscilações de humor aparecem as oscilações da memória. Acredito que pelas incertezas do amanhã ela brinca de viajar entre passado e presente. Olhei pra tudo e agradeci pelo café, pela florestinha...

Agradeci até pelo boleto do condomínio debaixo da porta. Não deixa de ser um privilégio, entre tantos outros que tenho. Agradeci, sobretudo, por poder escrever, por poder parar e só sentir minha respiração. Depois vim até aqui, na sua folha limpa, oferecer e dividir um afago.

Vou parar aqui um minutinho, pois já me disseram que não é bom quando a vela apaga. Então, antes de continuar, vou colocar ela aqui do meu lado, quem sabe ainda acende!

Não se preocupe, eu volto.

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