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Estado de Minas COLUNA HIT

O sorriso da Lia

No 'Diário da quarentena', André Rubião, diretor de Cultura do Minas Tênis Clube, revela como a filha bebê o ensinou a lidar com o estresse da pandemia


postado em 17/06/2020 04:00

Diário da quarentena

As crianças esperam isso de nós

André Rubião,
professor

 A Lia nasceu em 29 de novembro de 2019. À época, em Wuhan, eclodia a COVID-19. Eu e Viviana, minha esposa, sempre conversamos sobre a responsabilidade de ter filhos nesta “sociedade do risco”, para usar a expressão do sociólogo Ulrich Beck. Quando a notícia sobre o vírus surgiu, ficamos ainda mais preocupados, mas não imaginávamos o que estava por vir. A quarentena começou no dia 15 de março. Quem tem filhos sabe a importância da “rede de apoio”, formada por avós, amigos, ajudantes etc. Como diz o provérbio africano, “é preciso uma aldeia para criar uma criança”. De um dia para o outro, esses laços se partiram – boom! –, o caos estava instalado.

O dia começa às quatro da manhã.

Um gemido que vai ganhando força, se transformando num grunhido, depois num chorinho, cada vez mais alto. É hora de levantar. Pobre mau humor diante da inocência do sorriso da Lia. Ao menos há esse reconforto. É hora de tirá-la do berço, trocar a fralda, pôr para mamar, colocar na cama entre nós dois, dar o bico, ninar e torcer para ela voltar a dormir. Mas geralmente não tem jeito. De pé!

A casa, antes toda arrumada, está irreconhecível.

Há roupas sujas no chão, fraldas e brinquedos espalhados, compras do dia anterior, folhas que caíram das plantas, louças para lavar... – parece que estamos no meio de uma obra do Jackson Pollock. Enquanto minha esposa cuida da Lia, eu incorporo a Marie Kondo para colocar ordem na casa.

O café fica pronto por volta de seis e meia. É jogo rápido. Logo vêm as aulas on-line com os alunos da Milton Campos. Nos primeiros dias, colocava uma camisa social, depois uma polo, outro dia, em meio a três trocas de fraldas consecutivas, foi de pijama mesmo. Tem sido legal.

Melhor do que eu esperava. Mas falta aquilo que o Allan Bloom disse (seja nos seus livros ou na voz de Saul Bellow, que escreveu um romance inspirado nele): há uma enorme possibilidade de transformação na vida de um aluno quando ele vai conversar com o professor ao final da aula.

Hora de ficar um pouco com a Lia. A Viviana já está exausta.

Saímos para passear na Vila Werneck, onde moramos. Nossos vizinhos, que antes vinham abraçá-la, estão distantes e transitam com máscaras. O que será que aconteceu? Onde estão as pessoas simpáticas frequentadoras do restaurante Fonte? A Lia deve estar estranhando, imagino. Explico-lhe que é uma situação atípica, que as coisas irão voltar ao normal, que iremos viver num mundo tranquilo, que o Ulrich Beck estava enganado... Será?

De volta à casa.

Varrer, lavar, dobrar, cozinhar, guardar – vinte minutos de sesta! – e, novamente, em frente ao computador. É preciso cancelar tudo na galeria de arte, no museu, no café e no teatro do Minas.

O Centro Cultural Minas Tênis Clube (que só fecha uma vez ao ano, no dia da festa dos funcionários) está deserto, sem cores, sem vida. Até quando? Porque “a gente não quer só comida. A gente quer comida, diversão e arte”. Hora do banho da Lia. Nossa última atividade do dia. Ela bate com as mãos na água da banheirinha, às gargalhadas, e eu fico observando aquilo, admirado. Espero que em breve possamos sair de casa, filha, e que essa alegria te acompanhe por todos os oceanos.

Ainda falta editar alguns artigos, orientar alunos do mestrado, fazer o jantar e dar aula até onze horas. Puxado! Mas como disse o Prêmio Nobel Ilya Prigodine, há momentos em que as partículas, colocadas num estado de desordem e desequilíbrio são capazes de dar um salto e se reorganizar de forma mais complexa que a situação anterior. Nós precisamos sair dessa pandemia melhores. A Lia e todas as crianças do mundo esperam isso de nós.

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