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Isolado em Sampa, o ator mineiro Paulo Azevedo aprende com a crise

No 'Diário da quarentena', a cadelinha Tarsila revela como seu dono enfrenta o isolamento social


postado em 27/04/2020 04:00

Diário da quarentena  
sobre o presente

paulo azevedo
ator

Meu pai me pediu para escrever uma redação sobre toda essa mudança no mundo. Talvez porque eu tenha bastante energia pra gastar, ainda mais neste momento de distanciamento social. Só entendi isso, de verdade, quando notei que nossos passeios no parque, no Minhocão nunca chegavam... Eram o auge da minha semana!

Hoje é sábado ou segunda? Que horas são? Essas “convenções” ficaram tão relativas, né? Em troca, ganhei a presença dele 24 horas! Sou uma privilegiada: tenho duas casas e estou cercada de atenção o tempo todo, com mimos, cafunés... Isso não tem preço. Ele nunca teve tempo nem pra ele. Por quê?

Acho que a mudança começou desde que meu pai voltou às pressas da viagem a Buenos Aires com vovô Antonino e vovó Nilza, que comemorava seus 77 anos. “Um susto! O governo argentino decretou quarentena para todos os brasileiros e chilenos que estavam no país”, peguei, de orelhada, quando ele, ainda impactado, falava no celular. “E voltamos às pressas, depois de ficar isolados no quarto de hotel.”

De lá pra cá, a sensação de controle que ele tinha, cheio de futuro, sumiu. Existiu alguma vez? Tantos planejamentos de projetos no audiovisual e nas artes cênicas, consultorias e eventos programados para apresentar, entrevistas para o seu podcast almasculina – sim, meu pai é artista e comunicador! Tudo cancelado, sem nova data prevista.

Um terço do mundo está em casa. Quase tudo parado. Menos a natureza, que dava sinais há tempos de que os humanos tomavam um rumo que não estava bom. Em poucas semanas, os chineses conseguem ver as estrelas; águas claras em Veneza; silêncio e céu limpo em São Paulo; a Terra diminuiu os tremores... E até abelhas apareceram na cozinha aqui de casa, pode?

No meio disso, foi aniversário do papai. Parecia ser o mais triste da vida, mas ele passou o dia na rede da sala recebendo mensagens e chamadas em vídeo de tanta gente! Tava emocionado com tanto afeto. Amor não tem distância. Teve até uma festa a fantasia com amigos de várias partes, juntos na tela do computador, brindando à vida. Isso encheu o coração dele de leveza.

De manhã, ele trocou o celular e o computador pelo tapetinho azul: se ajoelha, com a coluna ereta, em silêncio, por alguns minutos. É bom. Bonito de ver. Faz bem pra ele. E pra mim também, que fico ao lado sentindo a respiração acalmar a ansiedade. Às vezes, também o acompanho nas leituras, filmes e séries. Acredita que só agora ele conseguiu ler o livro que comprou em 2012?

Claro, dá pra notar a preocupação com a saúde da família e dos amigos, muitos deles sozinhos em suas casas. A angústia de ver os colegas artistas que tiveram espetáculos, filmes, séries e novelas interrompidos. Sem contar a apreensão com a grande parte da população sem acesso à saúde e informação, desamparada pela falta de liderança dos nossos governantes. Há semanas me assusto, todos os dias, às oito da noite, com os gritos e o barulho das panelas nas janelas da vizi- nhança. É um bairro com moradores que parecem bem cientes da gravidade da situação. Estão reclusos, mas pedem ação urgente!

É, às vezes, ele fala comigo: “Você tem me ensinado muito, Fia. Papai tava cansado de estar cansado. E você está presente, o tempo todo, em tudo o que faz. Comer, é só comer. Brincar, hora de brincar. Dormir? Sim! Por que não? E você apaga. Vivendo o agora – é só o que a gente tem, né, minha Broa? Aonde chegaríamos daquele jeito? Pra onde a gente tava correndo? A gente fica dias, semanas, meses, anos... décadas fazendo e planejando coisas e coisas, sem tempo de desfrutar da vida. E aquele desejado momento que nunca chegava?”.

Parece que agora é a nossa chance. Tomar  consciência. Ter menos: correria, consumo, depressão, violência entre os homens e contra a natureza. Mais: tempo, afetos, qualidade na presença e simplicidade no viver. Será que a gente vai aprender? Sairemos melhores dessa?

Mesmo reduzidos, meus passeios para o xixi e cocô (só faço na rua!) continuam. Meu pai usa um negócio na cara pra tampar a boca e o nariz. Quase começo a latir, de tão engraçado que ele fica! Mas parece bem importante. Não é invenção de moda só dele. Tem muita gente usando nas ruas aqui. E volto pra casa pra lavar bem minhas patas pra curtir mais um dia com meus pais. Com muita água, sabão e álcool em gel. Meu presente. Nosso presente. Pra viver cada passo de um novo mundo que está por vir.

Meu nome é Tarsila.

Meu pai é o Paulo Azevedo, ator, comunicador e idealizador do podcast almasculina.

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