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Estado de Minas FRANCISCO MORALES

O tempo do pensamento, da reflexão e da convivência deram lugar à produtividade e competitividade

A bola da vez parece ser o mundo asiático, com suas enormes contradições e o mandarim uma das línguas do futuro, cobrando uma força extraordinária


postado em 14/01/2020 04:00 / atualizado em 14/01/2020 07:27

(foto: Paulo Lacerda /FCS )
(foto: Paulo Lacerda /FCS )

Os mais entrados em anos me entenderão melhor. Somos da época em que na educação básica das escolas, tanto públicas quanto privadas, o francês se impunha como língua estrangeira. A terceira língua, quando existia, e além dos seminários e institutos religiosos, era o latim. Textos clássicos faziam parte do currículo de qualquer escola, e nomes como Horácio, Virgílio, Cícero, Flaubert, Baudelaire, Dumas, Balzac ou Victor Hugo, não soavam estranhos nos bancos escolares. Isso, claro está, além dos clássicos da língua materna local. Tudo estava aglutinado ao redor das línguas românicas, em uma sociedade com tempo para a reflexão, a produção de pensamento e o controle racional do cronômetro.

A consolidação, na sociedade moderna, do mito do progresso sem fim, o sistema de concorrência e a velocidade sem controle em prol da produtividade mudaram as perspectivas da sociedade e a forma de nos relacionarmos. O tempo do pensamento, da reflexão e da convivência deram lugar ao tempo da produtividade, da competitividade e a uma inesgotável sede do “novo”. E o mundo da linguagem, como não poderia deixar de ser, teve uma mudança profunda. Assim, o romantismo latino deu lugar à “objetividade e exatidão” da língua inglesa, à “inquestionável seriedade” do mundo anglo-saxão e à admirável produtividade dos seus trabalhadores.

Essa nova visão, apoiada numa vasta e bem elaborada publicidade e processo de convencimento, nos empurrou a supervalorizar tudo o que vem desse mundo (música, filmografia, moda, jeito de comer e vestir, valores, produtos), desprezando muitas vezes a cultura e a idiossincrasia próprias, vistas como atrasadas e incapazes de promover uma sociedade moderna e desenvolvida. Isso não é ou é “coisa de primeiro mundo”, costumamos dizer.

Objetividade, produtividade, consumo, rentabilidade e domínio acabaram se tornando valores a alcançar. A bola da vez, agora, parece ser o mundo asiático, com suas enormes contradições e o mandarim uma das línguas do futuro, cobrando uma força extraordinária, midiatizado pelo crescimento econômico chinês. Novas linguagens, como as tecnológicas, por exemplo, chegaram para ficar e merecem capítulo à parte pelo seu papel e importância nas mudanças pelas quais passa hoje a sociedade.

Com isso, não pretende se negar o valor das trocas, do intercâmbio, da complementariedade entre povos e culturas e do avanço da sociedade para novos patamares. Muito pelo contrário. Queremos apenas alertar sobre a possível alienação, uniformização e desperdício da cultura própria, o que impossibilita muitas vezes uma troca adequada com os diferentes. A ideia é somar na diversidade para enriquecer e enobrecer a coletividade humana.

Essas ideias e movimentos acabaram invadindo o mundo da escola e da universidade, redesenhando os nossos currículos, a nossa organização escolar e pedagógica e o nosso relacionamento interno. Tudo tentando desenvolver uma pretensa preparação dos nossos estudantes para o mundo do trabalho, em nome da objetividade e de uma performance eficiente e rápida.

É isso suficiente? “O relacionamento entre o professor e o aluno exige um relacionamento muito mais pessoal do que apenas as noções de desempenho e resultados”, nos lembrava numa recente entrevista o filósofo, sociólogo e educador Edgar Morin, do alto da sabedoria dos seus 98 anos. Devemos reagir, diz ele, ao ditame da urgência.

Com outras palavras, podemos nos fazer uma pergunta que já é clássica na educação: o que é necessário para um professor ensinar latim ao Joãozinho? A resposta parece óbvia: saber latim e conhecer o Joãozinho.

O desenvolvimento da resposta não é nem tão óbvio e nem tão simples. Saber latim, isto é, dominar o conhecimento daquilo que se pretende ensinar, exige por parte do professor domínio, profundidade, atualização e didática adequadas para a transmissão do mesmo e captação dos saberes do estudante.

Conhecer o Joãozinho, isto é, conhecer os estudantes como indivíduos únicos, exigirá um esforço ainda maior, se cabe. O estudante precisa ser reconhecido como pessoa, como sujeito social ativo e em crescimento, como participante de um âmbito familiar e social mais ou menos conflitivos e, por fim, tem que se levar em conta, por óbvio, seu(s) projeto(s) de vida. Isso num contexto de aceleração geracional, com siglas que se sucedem com velocidade alucinante (geração X, Y, Z, Alfa e outras) e que nos confundem e desafiam a uma melhor compreensão. Façamos o “meu culpa”, reconhecendo quão longe, na maioria dos casos, está o professor do conhecimento profundo e real dos seus estudantes e suas necessidades.

Existe ainda mais um importante ponto, que é a tarefa nada fácil de compreender a sociedade que envolve a ambos, professor e estudante, e à atividade educacional como tal. Nela se involucram também toda a comunidade escolar, famílias, instâncias governamentais e outras, o que torna o assunto ainda mais complexo.

A língua francesa designa ao ato de nascer com a palavra “naître” (nascido), e ao verbo saber, com a palavra “connaître”, como se o fato de saber fosse, na realidade, um renascimento, um novo nascimento. Para que o saber, nascido da práxis dos diversos conhecimentos, possa contribuir ao alumbramento de uma sociedade nova, jovial, dialogante com todas as formas de vida, e justa.

l Francisco Morales foi diretor-geral do Colégio Santo Agostinho-BH durante 20 anos. É diretor pedagógico do Grupo Educacional Vereda

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